O foguete Antares explodiu segundos após seu lançamento. Foto: NASA/Joel Kowsky
Um foguete comercial movido por um motor de fabricação soviética explodiu segundos após o lançamento no último dia 29 de outubro. O acidente inflamou ainda mais os debates sobre o uso constante de motores russos em foguetes dos Estados Unidos.
Apesar de triste, o incidente não ameaça a Estação Espacial Internacional, que esperava receber suprimentos transportados pelo foguete. A tripulação tem estoques suficientes até a metade do ano que vem, e uma espaçonave de carga russa decolou com sucesso da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, também no dia 29, levando bens para a Estação.
De qualquer forma, a falha no foguete Antares – que usa motor russo e componentes ucranianos em sua estrutura – lança alguma luz sobre a natureza profundamente codependente do voo espacial após a Guerra Fria.
Conforme declarou ao Moscow Times no dai do desastre o ex-engenheiro da NASA e especialista no programa especial russo, Dr. Jamer Oberg, “no fim das contas, somos mutuamente codependentes demais para fazer qualquer coisa além de espernear e acabar aceitando o dinheiro mesmo assim”.
O NK-33
A história do motor usado no lançamento trágico – o NK-33 – ilustra perfeitamente essa relação de simbiose. Os motores foram originalmente construído para os enormes foguetes lunares soviéticos N1. Após o fim da URSS nos anos 1990, o escritório russo Kuznetsov – dono do proejto - jogou seu estoque de NK-33 no mercado para compra por parte de empresas aeroespaciais do Ocidente.
Atualmente, os motores são aquiridos da Kuznetsov pela atravessadora estadunidense Aerojet-Rocketdyne aos lotes para restauração sob contrato com a Orbital Sciences, outra empresa americana. A Orbital Sciences então coloca esses motores no primeiro modulo de seus foguetes Antares.
Mas a decisão de usar peças com 40 anos de fabricação não é livre de críticas. Logo pós a explosão no último dia 29, um trecho de entrevista publicada em 2012 pela revista Wired com o fundador da SpaceX, Elon Musk, circulou pelo Twitter: “Um dos nossos concorrentes, a Orbital Sciences, tem um contrato para reabastecer a Estação Espacial Internacional, e seus foguetes sinceramente parcem piada. Eles usam motores russos dos anos 1960. Não quero dizer que o design deles é dessa época, quero dizer que eles usam motores que foram, literalmente, fabricados na década de 1960, e provavelmente guardados em algum lugar na Sibéria”.
Segundo Oberg, a declaração foge da questão central. “Motores de propelente líquido [como o NK-33] foram realmente aperfeiçoados na época da corrida para a lua”, explica o engenheiro. “Os projetos desde então foram melhorados, mas não o suficiente para justificar os custos de produção de mais unidades”. Isso faz com que comprar os motores existentes seja extremamente econômico para companhias aeroespaciais particulares preocupadas com limites de despesas”.
Dias de glória
O NK-33 foi cria da corrida especial dos anos 1960, resultado dos esforços da URSS para responder ao desafio lançado pelo presidentr John Kennedy em 1961 e levar o homem à lua até 1970.
Os soviéticos demoraram a articular uma resposta. Só em 1964 o prieiro ministro do bloco, Nikita Khrushchev, finalmente permitiu que seu ás – o engenheiro ucraniano Sergei Korolyov – projetasse um foguete pesado para enfim desafiar o Saturn V da NASA na corrida até a lua. Porém, o programa era problemático desde a implantação. Como acontece em muitos projetos tecnológicos de grande porte, decisões cruciais de projeto e competição burocrática por contratos lucrativos desencadearam brigas internas sérias de poder entre facções das autridades aeroespaciais soviéticas.
A batalha interna mais marcante do progma espacial da URSS levou à criação do NK-33. Korolyov travou uma longa disputa com outro grande ator no setor espacial - Valentin Glushko. Os dois deram depoimentos um contra o outro durante as perseguições de Stalin, o que levou à condenação de ambos ao gulag.
Glushko e Korolyov tentaram trabalhar juntos no programa do foguete N1, mas Glushko quis usar motores movidos a combustíveis tóxicos, algo inaceitável para Korolyov. Então, em uma tentativa de encontrar um projetista que permanecesse fiel aos seus conceitos, teve que buscar alguém fora da indústria aeroespacial.
O escritório de Nikolai Kuznetsov, que até então só havia projetado motores para aeronaves e mísseis de cruzeiro, se lançou ao desafio e produziu os motores que Korolyov precisava para seus foguetes gigantes – primeiro o modelo NK-15, e depois o NK-33.
Sem Korolyov para agrupar os elementos dpispares do complexo espacial-industrial soviético, projeto do N1 enfim foi lançado por Glushko e seus patrocinadores políticos em 1974, após foguetes explodirem em quatro tentativas seguidas.
Ainda que Glushko viesse a levar a indústria espacial da URSS a realizar feitos grandiosos ao longo dos 15 anos seguintes, incluindo o programa pioneiro de uma estação espacial e o programa de ônibus espaciais, os soviéticos jamais chegariam à lua.
Porém, o legado de Korolyov sobreviveu. Seu N1 era um foguete enorme, que usava 30 unidades dos NK-33. Cerca de 200 motores foram construídos para o programa, e depois de o N1 ser descartado, ninguém sabia o que fazer com esses sobressalentes.
Décadas no limbo
Com os lotes já fabricados, o império soviético, então em decadência, recebeu inúmeras propostas para integrar os poderos NK-33 aos projetos de foguetes existentes ou em construção. Nenhuma iniciativa foi em frente, e os motores foram guardados.
“É lógico que aqueles que fabricaram esses componentes tiveram todo o cuidado ao armazená-los”, observa Oberg. “Os russos usam o termo “konservirovat”, que eu me divirto traduzindo como “engraxar” quando se referem ao processo de manter armamentos. E quem quer que tenha “engraxado” esses motres fez um ótimo trabalho”.
Quando a URSS acabou e as empresas aeroespaciais foram obrigadas a improvizar durante o o processo caótico de privatização dos anos 1990, elas se voltaram aos mercados do Ocidente e surpreenderam com equipamentos de alta qualidade a preços relativamente baixos.
A Kuznetsov tinha centenas de NK-33 armazenados. No final dos anos 1990, a empresa firmou parceria com a Aerojet-Rocketdyne para renovar os motores e vendê-los para as upstarts do setor aeroespacial dos Estados Unidos.
A Lockheed Martin estava interessada nas peças para seu foguete Atlas V, mas no fim escolheu outro motor russo – o RD-180 da NPO Energomash, que ainda tem linha de produção.
Os motores esperaram por um potencial comprador até 2010, quando a Orbital Sciences adquiriu 20 unidades da Aerojet para os foguetes Antares, que então participavam da concorrência para um contrato com a NASA para assumir os voos para reabastecimento da Estação Espacial Internacional.
De volta à Rússia, há conversas cada vez mais sérias em torno de reiniciar a produção dos NK-33 na fábrica da Kuznetsov em Samara, na região central do país. Veículos de comunicação russos divulgaram no ano passado que autoridades do setor espacial tinham interesse em ressuscitar a fabricação dos motores para uso em futuros foguetes nacionais.
É pouco provável que o acidente com o Antares no último dia 29 comprometa a cooperação entre Washington e Moscou no setor aerospacial. Ambas as indústrias se aproximaram bastante nos últimos 20 anos, realizando diversos empreendimentos conjuntos. Foguetes russos são constantemente requisitados para lançar satélites comerciais do Ocidente, enquanto a Força Aérea dos EUA também depende de outro motor russo – o the RD-180 – para o Atlas V, usado em lançamentos militares.
A Orbital Sciences será obrigada a encontrar outro motor, já que os planos de reativar a linha de produção dos NK-33 não se concretizaram. Na verdade, parece não haver necessidade do modelo na Rússia nem no exterior, já que a indústria se move na direção de abraçãr tecnologias mais baratas e fáceis de produzir – filosofia essa concretizada nos foguetes Falcon 9 da Space X e o novo Angara, da Rússia.
“Talvez o futuro dos motores russos de alta performance como o NK-33 já tenha se transformado em passado. O modelo não segue a proposta necessária para os veículos que estão atualmente nas mesas de projeto e logo estarão nas plataformas de lançamento”, explica o Dr. Jamer Oberg.
Apesar de triste, o incidente não ameaça a Estação Espacial Internacional, que esperava receber suprimentos transportados pelo foguete. A tripulação tem estoques suficientes até a metade do ano que vem, e uma espaçonave de carga russa decolou com sucesso da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, também no dia 29, levando bens para a Estação.
De qualquer forma, a falha no foguete Antares – que usa motor russo e componentes ucranianos em sua estrutura – lança alguma luz sobre a natureza profundamente codependente do voo espacial após a Guerra Fria.
Conforme declarou ao Moscow Times no dai do desastre o ex-engenheiro da NASA e especialista no programa especial russo, Dr. Jamer Oberg, “no fim das contas, somos mutuamente codependentes demais para fazer qualquer coisa além de espernear e acabar aceitando o dinheiro mesmo assim”.
O NK-33
A história do motor usado no lançamento trágico – o NK-33 – ilustra perfeitamente essa relação de simbiose. Os motores foram originalmente construído para os enormes foguetes lunares soviéticos N1. Após o fim da URSS nos anos 1990, o escritório russo Kuznetsov – dono do proejto - jogou seu estoque de NK-33 no mercado para compra por parte de empresas aeroespaciais do Ocidente.
Atualmente, os motores são aquiridos da Kuznetsov pela atravessadora estadunidense Aerojet-Rocketdyne aos lotes para restauração sob contrato com a Orbital Sciences, outra empresa americana. A Orbital Sciences então coloca esses motores no primeiro modulo de seus foguetes Antares.
Mas a decisão de usar peças com 40 anos de fabricação não é livre de críticas. Logo pós a explosão no último dia 29, um trecho de entrevista publicada em 2012 pela revista Wired com o fundador da SpaceX, Elon Musk, circulou pelo Twitter: “Um dos nossos concorrentes, a Orbital Sciences, tem um contrato para reabastecer a Estação Espacial Internacional, e seus foguetes sinceramente parcem piada. Eles usam motores russos dos anos 1960. Não quero dizer que o design deles é dessa época, quero dizer que eles usam motores que foram, literalmente, fabricados na década de 1960, e provavelmente guardados em algum lugar na Sibéria”.
Segundo Oberg, a declaração foge da questão central. “Motores de propelente líquido [como o NK-33] foram realmente aperfeiçoados na época da corrida para a lua”, explica o engenheiro. “Os projetos desde então foram melhorados, mas não o suficiente para justificar os custos de produção de mais unidades”. Isso faz com que comprar os motores existentes seja extremamente econômico para companhias aeroespaciais particulares preocupadas com limites de despesas”.
Dias de glória
O NK-33 foi cria da corrida especial dos anos 1960, resultado dos esforços da URSS para responder ao desafio lançado pelo presidentr John Kennedy em 1961 e levar o homem à lua até 1970.
Os soviéticos demoraram a articular uma resposta. Só em 1964 o prieiro ministro do bloco, Nikita Khrushchev, finalmente permitiu que seu ás – o engenheiro ucraniano Sergei Korolyov – projetasse um foguete pesado para enfim desafiar o Saturn V da NASA na corrida até a lua. Porém, o programa era problemático desde a implantação. Como acontece em muitos projetos tecnológicos de grande porte, decisões cruciais de projeto e competição burocrática por contratos lucrativos desencadearam brigas internas sérias de poder entre facções das autridades aeroespaciais soviéticas.
A batalha interna mais marcante do progma espacial da URSS levou à criação do NK-33. Korolyov travou uma longa disputa com outro grande ator no setor espacial - Valentin Glushko. Os dois deram depoimentos um contra o outro durante as perseguições de Stalin, o que levou à condenação de ambos ao gulag.
Glushko e Korolyov tentaram trabalhar juntos no programa do foguete N1, mas Glushko quis usar motores movidos a combustíveis tóxicos, algo inaceitável para Korolyov. Então, em uma tentativa de encontrar um projetista que permanecesse fiel aos seus conceitos, teve que buscar alguém fora da indústria aeroespacial.
O escritório de Nikolai Kuznetsov, que até então só havia projetado motores para aeronaves e mísseis de cruzeiro, se lançou ao desafio e produziu os motores que Korolyov precisava para seus foguetes gigantes – primeiro o modelo NK-15, e depois o NK-33.
Sem Korolyov para agrupar os elementos dpispares do complexo espacial-industrial soviético, projeto do N1 enfim foi lançado por Glushko e seus patrocinadores políticos em 1974, após foguetes explodirem em quatro tentativas seguidas.
Ainda que Glushko viesse a levar a indústria espacial da URSS a realizar feitos grandiosos ao longo dos 15 anos seguintes, incluindo o programa pioneiro de uma estação espacial e o programa de ônibus espaciais, os soviéticos jamais chegariam à lua.
Porém, o legado de Korolyov sobreviveu. Seu N1 era um foguete enorme, que usava 30 unidades dos NK-33. Cerca de 200 motores foram construídos para o programa, e depois de o N1 ser descartado, ninguém sabia o que fazer com esses sobressalentes.
Décadas no limbo
Com os lotes já fabricados, o império soviético, então em decadência, recebeu inúmeras propostas para integrar os poderos NK-33 aos projetos de foguetes existentes ou em construção. Nenhuma iniciativa foi em frente, e os motores foram guardados.
“É lógico que aqueles que fabricaram esses componentes tiveram todo o cuidado ao armazená-los”, observa Oberg. “Os russos usam o termo “konservirovat”, que eu me divirto traduzindo como “engraxar” quando se referem ao processo de manter armamentos. E quem quer que tenha “engraxado” esses motres fez um ótimo trabalho”.
Quando a URSS acabou e as empresas aeroespaciais foram obrigadas a improvizar durante o o processo caótico de privatização dos anos 1990, elas se voltaram aos mercados do Ocidente e surpreenderam com equipamentos de alta qualidade a preços relativamente baixos.
A Kuznetsov tinha centenas de NK-33 armazenados. No final dos anos 1990, a empresa firmou parceria com a Aerojet-Rocketdyne para renovar os motores e vendê-los para as upstarts do setor aeroespacial dos Estados Unidos.
A Lockheed Martin estava interessada nas peças para seu foguete Atlas V, mas no fim escolheu outro motor russo – o RD-180 da NPO Energomash, que ainda tem linha de produção.
Os motores esperaram por um potencial comprador até 2010, quando a Orbital Sciences adquiriu 20 unidades da Aerojet para os foguetes Antares, que então participavam da concorrência para um contrato com a NASA para assumir os voos para reabastecimento da Estação Espacial Internacional.
De volta à Rússia, há conversas cada vez mais sérias em torno de reiniciar a produção dos NK-33 na fábrica da Kuznetsov em Samara, na região central do país. Veículos de comunicação russos divulgaram no ano passado que autoridades do setor espacial tinham interesse em ressuscitar a fabricação dos motores para uso em futuros foguetes nacionais.
É pouco provável que o acidente com o Antares no último dia 29 comprometa a cooperação entre Washington e Moscou no setor aerospacial. Ambas as indústrias se aproximaram bastante nos últimos 20 anos, realizando diversos empreendimentos conjuntos. Foguetes russos são constantemente requisitados para lançar satélites comerciais do Ocidente, enquanto a Força Aérea dos EUA também depende de outro motor russo – o the RD-180 – para o Atlas V, usado em lançamentos militares.
A Orbital Sciences será obrigada a encontrar outro motor, já que os planos de reativar a linha de produção dos NK-33 não se concretizaram. Na verdade, parece não haver necessidade do modelo na Rússia nem no exterior, já que a indústria se move na direção de abraçãr tecnologias mais baratas e fáceis de produzir – filosofia essa concretizada nos foguetes Falcon 9 da Space X e o novo Angara, da Rússia.
“Talvez o futuro dos motores russos de alta performance como o NK-33 já tenha se transformado em passado. O modelo não segue a proposta necessária para os veículos que estão atualmente nas mesas de projeto e logo estarão nas plataformas de lançamento”, explica o Dr. Jamer Oberg.
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