Governantes dos BRICS e convidados na reunião de Fortaleza em julho de 2014 |
Putin falou da necessidade de uma “nova ordem mundial”, com o objetivo de estabilizar o planeta. Para ele, os EUA já abusaram demais, no papel de líder global. O que pouco se noticia, contudo, é que os pilares que sustentavam aquela velha ordem vêm ruindo há anos.
Antes, era tudo tão simples! O mundo estava dividido em dois campos: o ocidente e o resto. E o Oeste, o ocidente, era de fato o melhor. Há 20 anos, seis das maiores economias do planeta estavam integradas ao mundo pró-Washington.
O líder, os próprios EUA, estavam tão à frente, que o PIB, ali, era mais de quatro vezes maior que o da China e nove vezes maior que o da Rússia.
O país mais populoso do mundo, a Índia, tinha quase a mesma renda bruta que os comparativamente minúsculos Itália e Reino Unido. Qualquer noção de que a ordem mundial mudaria tão dramaticamente em apenas duas décadas soava como piada.
A percepção ocidental era que China e Índia eram atrasadas e se passaria um século antes que se tornassem concorrentes. A Rússia era vista como uma espécie de lata de lixo, de cócoras e governada pelo caos. Nos anos 1990s, boa parte disso tudo, sim, fazia algum sentido.
Aqui, um resumo da economia mundial, nos anos 1990s e hoje:
Maiores Economias, pelo PIB, ajustado por paridade do poder de compra (PPC) Fonte: Banco Mundial
1995 (PIB em bilhões de USD)
|
2015 (PIB estimado
pelo FMI) |
EUA 7,664
|
China 19,230
|
Japão 2,880
|
EUA 18,287
|
China 1,838
|
Índia 7,883
|
Alemanha 1,804
|
Japão 4,917
|
França 1,236
|
Alemanha 3,742
|
Itália 1,178
|
Rússia 3,643
|
Reino Unido 1,161
|
Brasil 3,173
|
Índia 1,105
|
Indonésia 2,744
|
Brasil 1,031
|
França 2,659
|
Rússia 955
|
Reino Unidos 2,547
|
Crepúsculo dos EUA
Hoje, a piada é o ocidente. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que, em 2015, quatro das principais economias do mundo estarão incluídas no grupo hoje conhecido como BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China. A China substituirá os EUA como lobo guia da matilha. Pode até já ter acontecido: os números da economia sempre aparecem depois dos fatos da economia.
A Itália, a doente da Europa, já saiu dos “10 mais”; e o Reino Unido mal se mantém pendurado, por mais que Londres continue a ser promovida como poderoso centro financeiro. Só criancinhas, na Inglaterra, ainda creem nisso. O Reino Unido está convertido numa Julie Andrews da geopolítica – estrela que se vai apagando, depois de ter luzido com tanto brilho. A França é impotente, saltando de crise em crise, sempre com novas trapalhadas, até voltar a mergulhar em nova crise.
Barack Obama e Angela Merkel na Casa Branca |
Ainda é cedo para descartar completamente os EUA. O império não se acabará assim, do dia para a noite, mas o sol já está bem baixo no horizonte. É menos culpa dos EUA e, mais, resultado da perda de importância relativa de seus tradicionais aliados.
De fato, os únicos aliados dos EUA que ainda se seguram são Alemanha e Japão – nenhum dos quais é ator militar importante. Grã-Bretanha e França foram, por muito tempo, fornecedoras da carga pesada para aventuras marciais. Verdade é que a Alemanha não é parceira lá muito entusiasmada, porque grande parte da classe política em Berlim tem sérias dúvidas quanto ao poderio dos EUA. Muitos, na intelligentsia alemã, sentem que seu aliado natural é Moscou, não Washington.
O crescimento na importância dos BRICs e de outros países emergentes têm implicações imensas sobre o consumo, os negócios e os investimentos globais. Em 2020, pelas estimativas do FMI, a economia russa já terá ultrapassado a alemã, e a Índia terá deslocado, do quadro, o Japão. O mesmo FMI também prevê redução na fatia global dos EUA, de 23,7% em 2000, para 16% em 2020. Em 1960, os EUA representavam 38,7% da economia mundial. A China, por sua vez, mal chegava a 1,6%; no final dessa década, a China já terá chegado a 20%. O mundo não conhece mudança tão forte, em prazo tão relativamente curto.
A importância da estabilidade
O discurso de Putin no Valdai Club [em ing., no blog do Saker; (NTs)] não foi estocada no escuro. Vê-se ali compreensão nuançada sobre onde está o equilíbrio global hoje e em que direção andará nos próximos anos. A hegemonia dos EUA sempre se baseou no fato de que, com os seus aliados, os EUA controlavam o cerne do comércio global, além de sempre empunharem um gordo porrete militar. Isso, hoje, é história.
Mas a imprensa-empresa ocidental, em vez de aprofundar a discussão proposta por Putin, pôs-se a chutar as canelas do artista, em vez de chutar a bola. Muitas colunas apresentaram o discurso como “diatribe” e assumiram que Putin só teria focado a política exterior dos EUA, que, na opinião dele, seria anti-Rússia [1]. Nada mais longe do que realmente importa.
Vladimir Putin na 11a. Sessão do Valdai Club em Sochi, Rússia - 24/10/2014 |
A preocupação de Putin é reencontrar e manter a estabilidade e a previsibilidade, exatamente a antítese do neoliberalismo ocidental moderno. Na verdade, a posição de Putin aproxima-se mais de outras visões para promover a ordem mundial, que brotaram da União Democrática Cristã [al. CDU] de Konrad Adenauer na Alemanha e dos Tories britânicos de Harold Macmillan – do conservadorismo europeu clássico.
Putin é quase sempre mal compreendido no ocidente. Suas declarações públicas, orientadas sempre mais para a audiência doméstica que para a grande vitrine internacional, não raro soam agressivas, quase chauvinistas. Mas os observadores bem fariam se não esquecessem que Putin é grande-mestre de judô, cujos movimentos são calculados para confundir e desequilibrar o adversário. Se se leem as entrelinhas, o presidente russo está interessado em engajamento, não em isolamento.
O presidente da Rússia vê seu país como parte de uma nova alternativa internacional, unido a outros países BRICs, para conter, onde seja possível, a agressão pelos EUA. Para Putin, conter a agressão norte-americana é necessário, para chegarmos à estabilidade mundial. Adenauer e MacMillan teriam compreendido exatamente isso, imediatamente. Mas líderes europeus e norte-americanos contemporâneos já não entendem nada. Embriagados pela dominação que exerceram durante os últimos 20 anos, ainda não lhes caiu a ficha, de que a ordem global já está em mudança e mudando rapidamente.
O modo como os EUA reajam à nova realidade é elemento vital do processo. Em dinâmica própria das histórias em quadrinho, o discurso de Washington só sabe focar a Agência de Segurança Nacional, correria de espiões para lá e para cá, governos “sombra”, um patético, desentendido 4º estado, aquela gigantesca força militar jamais usada produtivamente para nada e ninguém, e um crescente, aterrorizante nacionalismo.
Tanta imbecilidade juvenil-adolescente não vive sem um bandidão para chamar de seu. Em dez anos, o bandidão oficial dos EUA já passou de Bin Laden para Saddam; das batatas fritas na cafeteria do Congresso, para a russofobia. Se a elite norte-americana mantiver esse mesmo comportamento, a transição para um mundo multipolar pode não ser pacífica. Isso, sim, se deve temer, medo real.
Redecastorphoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário