Texto que prevê revogação do atual Estatuto do Desarmamento será arquivado nesta segunda, devido ao fim da atual legislatura; autor do PL promete seguir na luta em 2015.
Os principais atores da Comissão Especial davam a aprovação do Projeto de Lei 3722/2012 como certa. Há poucas semanas, seu autor, o deputado federal Rogério “Peninha” Mendonça (PMDB), disse ao iG que o texto, no qual é prevista a revogação do atual Estatuto do Desarmamento brasileiro, passaria pela Câmara dos Deputados direto para avaliação do Senado ainda no dia 10 de dezembro, prevendo até uma possível sanção presidencial em 2015. Entretanto, na última quarta-feira (17), a votação foi suspensa por falta de quórum e, nesta segunda (22), o PL será arquivado indefinidamente devido ao fim da legislatura atual. Peninha promete insistir para tentar aprová-lo em 2015. Mas, ao menos por ora, o resultado parcial deixou as Organizações Não-Governamentais contrárias a ele com muito a comemorar.
“A vitória é da sociedade civil. O pessoal da chamada bancada da bala articulou a comissão para votar o projeto totalmente na surdina e queria aprová-lo rapidamente, ignorando o rito legislativo habitual, de passar o texto por outras comissões”, diz Ubiratan Ângelo, coordenador de Segurança Humana do Viva Rio e ex-comandante da Polícia Militar fluminense. “Os membros da comissão estavam confiantes porque se juntaram a ela com objetivos claros de simplesmente aprovar o projeto sem uma base significativa de pessoas contrárias a ele, sem equilíbrio. Mas a estratégia não funcionou. A própria falta de transparência na composição da bancada e suas articulações políticas acabaram levando o Legislativo a tomar medidas para evitar a votação.”
Não foi a primeira vez que um projeto semelhante foi apresentado na Câmara dos Deputados. Na verdade, desde que o então presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou o atual Estatuto – que, entre outras coisas, passou a proibir o porte de armas ao cidadão comum –, em 2003, dezenas de PLs pediram por mudanças, profundas ou superficiais. No entanto, nenhum projeto foi tão abrangente na última década quanto o apresentado por Peninha e seus pares. Mais do que isso: nunca havia sido montada uma Comissão Especial para analisar algum deles e, consequentemente, derrubar as regras vigentes.
A despeito de ser um trabalho gigantesco, com cerca de 70 artigos que alteram praticamente todas as regras atuais do comércio armamentista no País, o PL foi apresentado pela primeira vez à Comissão Especial somente no início de novembro, com o objetivo de ser aprovado já no mês seguinte. Além de permitir que pessoas com porte de arma circulem pelas ruas com revólveres e afins, ele traz entre suas propostas a facilitação de aquisição desses objetos; aumenta de seis para nove o número de armas que cada cidadão pode ter; revoga a possibilidade de perda de porte caso o dono esteja embriagado com uma arma; derruba os testes periódicos que comprovam a aptidão da pessoa de continuar usando-a; eleva de 50 para 600 o número de munições que podem ser compradas anualmente; e reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para se solicitar o porte.
Além disso, contra o projeto há o ponto controverso de que a própria composição da Comissão montada para a sua análise a tornou extremamente parcial. Do total de 19 legisladores titulares que debateram a medida, dez tiveram financiamento direto de empresas da indústria armamentista nas campanhas eleitorais de 2010, 2014 ou em ambas. Entre eles, o próprio presidente, Marcos Montes (PSD/MG); o 1º vice-presidente, Guilherme Campos (PSD/SP); e o 2º vice-presidente, João Campos (PSDB/GO).
“A bancada da bala tentou uma articulação que funcionou muito bem e que por muito pouco não aprovou o projeto de forma atropelada”, enfatiza Bruno Langeani, coordenador de Segurança do Instituto Sou da Paz. Ele cita a importância da defesa do Estatuto por parte de personalidades de ideologias tão distintas quanto Fernando Henrique Cardoso/Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Grella/José Mariano Beltrame (secretários de Segurança Pública de São Paulo e do Rio, respectivamente) para o arquivamento da votação.
“Como a Comissão foi montada com o intuito de não dialogar, parece ter ocorrido uma pressão para forçar por mais debates sobre a questão. Além disso, outro fator que contribuiu foi o fato de o próprio relator do projeto, o deputado Cláudio Cajado (DEM/BA), ter apresentado uma proposta que desagradou simultaneamente a indústria armamentista e os colecionadores de armas (a de aumentar a idade mínima para se tirar porte de armas) na véspera da votação. Ou seja, os próprios interessados mostraram falta de consenso, se atrapalharam com os próprios erros.”
Apesar das opiniões contrárias, o autor do projeto, Rogério “Peninha” Mendonça, reeleito neste ano para mais uma legislatura a partir de 2015, já adiantou que desarquivará o projeto para votá-lo o mais brevemente possível em seu novo mandato. Na última quarta-feira, quando a votação foi suspensa, ele justificou em sua página no Facebook que não houve quórum devido a uma série de incidentes ocorridos na data, como protesto de indígenas, falta de energia elétrica e convocação para sessão do Congresso. E afirmou: “Retornaremos com ainda mais força na próxima legislatura para pôr um fim ao Estatuto do Desarmamento e criar regras razoáveis para que o cidadão de bem possa se defender. A batalha continua”. Procurado pelo iG, ele não respondeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta reportagem.
“Se o PL tivesse sido colocado em votação, teria sido aprovado”, defende Bené Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, favorável à derrubada do atual Estatuto de Desarmamento. “Quanto mais debatemos, mais parlamentares percebem que o Estatuto não trouxe qualquer benefício para o cidadão e para a Segurança Pública. Além disso, embora várias ONGs pró-desarmamento se apresentem como representantes da sociedade civil, elas não possuem participação popular. Basta ver que todas as enquetes são favoráveis ao PL 3722/12, bem como o projeto se tornou o recordista de apoios no Disque-Câmara.”
É justamente esse um dos principais pontos em que os grupos favoráveis ao fim das regras atuais se embasam: o do suposto apoio majoritário da população às suas ideias. Para isso, citam o Referendo de 2005, quando 63,94% dos votantes optaram por vetar a proibição total de vendas de armas de fogo no País – mantendo a lei estabelecida no Estatuto do Desarmamento –, além de enquetes virtuais como as promovidas pela página da Câmara dos Deputados, segundo as quais 86,48% dos participantes são favoráveis à revogação do Estatuto.
No entanto, pesquisas como essas não são espontâneas, dependem de quem as divulga. No próprio site do Viva Brasil, por exemplo, existe uma campanha permanente solicitando a seus apoiadores para votarem contra o Estatuto. Ademais, a pesquisa mais recente sobre o assunto, divulgada pelo Datafolha no início do ano, mostrou que 62% da população é favorável à proibição total de venda de armas devido à ameaça que elas representam à vida em sociedade.
“Apesar de fazerem parte de um grupo minoritário, os pró-armamentistas são bem barulhentos, ligam na Câmara, organizam campanhas e usam como embasamento estudos falhos, acabando por desinformar a população a fim de defender seus próprios interesses”, critica Langeani, do Sou da Paz. “Esquecem de dizer que oito em cada dez armas apreendidas com o crime organizado são fabricadas aqui mesmo, no Brasil.”
“Armas são objetos fabricados unicamente para atacar. O bandido que encontra uma vítima armada não só vai atirar nela como vai pegar a arma para si, aumentando seu arsenal”, concorda Ângelo. “Armar a população não é dar a ela o direito de se defender. É aumentar a violência entre as pessoas de bem.”
Plano Brasil
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