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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Porquê novaiorquino toma água da torneira?: eles nunca tiveram um governo tucano

O PSDB e sua obra-prima de gestão: o racionamento em SP

'Estamos fechando a torneira porque em março, no mais tardar em junho, SP fica sem água', admitiu presidente da Sabesp. Esse é o legado do choque de gestão?

Saul Leblon
Arquivo
Após um ano de dissimulações, o PSDB oficializou o racionamento de água em SP nesta 4ª feira. 

O novo presidente da Sabesp , Jerson Kelman, em entrevista ao SPTV, da Globo, anunciou um corte  drástico no fornecimento, que caiu de 16 mil litros/s na 3ª feira, para 13 mil l/s a partir de agora. 

O racionamento anunciado  oficializa uma realidade que já atinge mais de seis milhões de habitantes, cujo abastecimento declina há um ano acumulando um corte de 60% no fornecimento padrão da Sabesp às suas torneiras (de 33 mil l/s para 13 mil l/s).
E isso é só o começo. 

'Estamos fechando a torneira porque em março, no mais tardar em junho, SP fica sem água', admitiu presidente da Sabesp na entrevista. 

Nada como um copo após o outro. 

Na reta final da campanha presidencial de 2014, quando o então diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, advertiu na Assembleia Legislativa de São Paulo, que o abastecimento da cidade estava, literalmente, por um fio de água, foi chamado de ‘bandido’ pelo grão tucano, vereador Andrea Matarazzo. 

Ele disse aquilo que o PSDB se recusava a admitir: restavam apenas 200 bilhões de litros do volume morto do sistema Cantareira, que provê boa parte da água consumida na cidade.
O pior de tudo: a derradeira reserva de água da cidade encontra-se disponível na forma de lodo.
E será com isso que a sede paulistana terá que ser mitigada caso não chova o suficiente no próximo verão. 

Como de fato não tem chovido nos mananciais, nem há expectativa séria de que isso ocorra até o final da estação das águas, dá-se  o que o novo presidente da Sabesp finalmente admitiu: ‘em março, no mais tardar em junho, SP fica sem água' 

Corta e volta para a campanha eleitoral de Aécio Neves em 2014. 

O estandarte da eficiência tucana é martelado diuturnamente como um tridente contra aquilo que se acusa de obras e planos nunca realizados por culpa da (Aécio enchia a boca para escandir as sílabas) ‘má go-ver-nan-ça’.
Corta de volta para o presente com o foco na contagem regressiva anunciada por Jerson Kelman. 

Vamos falar um pouco de governança? 

Atribuir tudo à  ingratidão a São Pedro é um pedaço da verdade.
Num sugestivo contorcionismo eleitoral, Aécio negou a esse pedaço da verdade a explicação para a alta nos preços dos alimentos afetados pela seca. 

Ou isso ou aquilo? 

Estocar comida, que não grãos, caso do vilão tomate, por exemplo, está longe de ser uma opção exequível em larga escala no enfrentamento de uma seca. Mas estocar água e planejar dutos interligados a mananciais alternativos, calculados para enfrentar situações limite, mesmo que de ocorrência secular, é uma obrigação primária de quem tem a responsabilidade pelo suprimento de grandes concentrações urbanas.
A Sabesp sob o comando do PSDB detém essa responsabilidade há 20 anos em São Paulo. 

Omitiu-se, com as consequências previsíveis que agora assombram o horizonte de milhões de moradores da Grande São Paulo. 

Carta Maior lembrou no período eleitoral --enquanto Geraldo Alckmin fazia expressão corporal de seriedade, que Nova Iorque e o seu entorno, com uma população bem inferior a de São Paulo (nove milhões de habitantes), nunca parou de redimensionar a rede de abastecimento da metrópole  movida por uma regra básica de gestão na área: expansão acima e à frente do crescimento populacional. 

Tubulações estendidas desde as montanhas de Catskill, mencionou-se então, situadas a cerca de 200 kms e 1200 m de altitude oferecem ao novaiorquino água pura, dispensada de tratamento e potável direto da torneira. 

Terras e mananciais distantes são periodicamente adquiridos pelos poderes públicos de NY  para garantir a qualidade e novas fontes de reforço da oferta.
O sistema de abastecimento da cidade reúne três grandes reservatórios que captam bacias hidrográficas preservadas em uma área de quase 2.000 km2. 

A adutora original foi inaugurada em 1890; em 1916 começou a funcionar outro ramal a leste da cidade; em 1945 foi concluída a obra de captação a oeste, que garante 50% do consumo atual. 

Mesmo com folga na oferta e a excelente qualidade oferecida, um novo braço de 97 kms de extensão está sendo construído há 20 anos.
Para reforçar o abastecimento e prevenir colapsos em áreas de expansão prevista da metrópole.
Em 1993 foi concluída a primeira fase desse novo plano. 

Em 1998 mais um trecho ficou pronto. 

Em 2020, entra em operação um terceiro ramal em obras desde o final dos anos 90. Seu objetivo é dar maior pressão ao conjunto do sistema e servir como opção aos ramais de Delaware e Catskill, que estão longe de secar.
Uma quarta galeria percorrerá mais 14 kms para se superpor ao abastecimento atual do Bronx e Queens. 

Tudo isso destoa de forma superlativa da esférica omissão registrada em duas décadas ininterruptas de gestão do PSDB no Estado de São Paulo, objeto de crítica até de um relatório da ONU, contestado exclamativamente pelo governador reeleito, Geraldo Alckmin.
Se em vez do mantra do choque de gestão, os sucessivos governos de Covas, Ackmin, Serra e Alckmin tivessem reconhecido o papel do planejamento público, São Paulo hoje não estaria na iminência de beber lodo. 

Ou nem isso ter  para matar a sede. 

Pergunta aos sábios tucanos: caiu a ficha?
Sim, admitia-se então, o Brasil todo desidrata sob o maçarico de um evento climático extremo. Mas desde os alertas ambientais dos anos 90 (a Rio 92, como indica o nome, aconteceu no Brasil há 22 anos) essa é uma probabilidade que deveria estar no monitor estratégico de governantes esclarecidos. 

Definitivamente não se inclui nessa categoria o tucanato brasileiro que em 2001 já havia propiciado ao país um apagão de energia elétrica pela falta de obras e a renúncia deliberada ao planejamento público. 

Os mercados cuidariam disso com mais eficiência e menor preço –ou não era isso que se falava e se volta a ouvir agora sobre todos os impasses do desenvolvimento brasileiro?
Ademais de imprevidente, o PSDB desta vez mostrou-se mefistofelicamente oportunista na mitigação dos seus próprios erros. 

Ou seja, preferiu comprometer o abastecimento futuro de milhões de pessoas, a adotar um racionamento que colocaria em risco o seu quinto mandato em São Paulo. 

Não conseguiria concluir a travessa sem a cumplicidade da mídia conservadora que, mais uma vez, dispensou a um descalabro tucano uma cobertura sóbria o suficiente para fingir isenção, sem colocar em risco o continuísmo no estado. 

É o roteiro pronto de um filme de Costa Gavras: as interações entre o poder, a mídia, o alarme ambiental e o colapso de um serviço essencial, que deixa  uma das maiores manchas urbanas do planeta no rumo de uma seca épica. 

O PSDB que hoje simula chiliques com o que acusa de ‘uso político da água’, preferiu ao longo das últimas duas décadas privatizar a Sabesp, vender suas ações nas bolsas dos EUA e priorizar o pagamento de dividendos a investir em novos mananciais.
Há nesse episódio referencial um outro subtexto para o filme de Costa Gavras: a captura dos serviços essenciais pela lógica do capital financeiro. 

Enquanto coloca em risco o abastecimento de 20 milhões de pessoas, revelando-se uma ameaça à população, a Sabesp foi eleita uma das empresas de maior retorno dos acionistas. Como em um sistema hidráulico, o dinheiro que deveria financiar a expansão do abastecimento, vazou no ralo da captura financeira. 

As chances de uma chuva redentora que evite o indigesto desfecho são  cada vez mais improváveis, como reconhece agora  --algo tardiamente-- o novo presidente da Sabesp, lançado às feras como uma espécie de boi de piranha do PSDB 

Mesmo que a pluviometria do verão fique em 70% da média para a estação, o sistema Cantareira --segundo os cálculos da ANA-- ingressará agora no segundo trimestre com praticamente 5% de estoque (hoje está com 3,2%). 

Ou seja chegará no início da estação seca de 2015 com a metade da reserva que dispunha em abril deste ano; e muito perto da marca desesperadora vivida agora, na antessala das chuvas de verão. 

A seca que espreita as goelas paulistanas não pode ser vista como uma fatalidade.
Dois anos é o tempo médio calculado pelos especialistas para a realização de obras que poderiam tirar São Paulo da lógica do lodo. 

Portanto, se ao longo dos 20 anos de reinado tucano em São Paulo, o PSDB de FH e Aécio Neves, tivesse dedicado 10% do tempo a planejar a provisão de água, nada disso estaria acontecendo. 

Deu-se o oposto. 

De 1980 para cá, a população de São Paulo mais que dobrou. A oferta se manteve a mesma com avanços pontuais.
O choque de gestão tucano preferiu se concentrar em mananciais de maior liquidez, digamos assim. 

Entre eles, compartilhar os frutos das licitações do metrô de SP com fornecedores de trens e equipamentos. A lambança comprovada e documentada sugestivamente pela polícia suíça, até agora não gerou nenhum abate de monta no poleiro dos bicos longos.
‘Todos soltos’, como diz a presidenta Dilma. 

Lubrificada pelo jeito tucano de licitar, a rede metroviária de São Paulo, embora imune a desequilíbrios climáticos, de certa forma padece da mesma incúria que hoje ameaça as caixas d’agua dos paulistanos. 

Avulta daí um método –e não é da lavra de São Pedro. 

O salvacionismo tucano em São Paulo não conseguiu fazer mais que 1,9 km de metrô em média por ano, reunindo assim uma rede inferior a 80 kms, a menor entre as grandes capitais do mundo.
A da cidade do México, por exemplo, que começou a ser construída junto com a de São Paulo, tem 210 kms.
O planejamento público que a ortodoxia abomina, ao lado do mercado interno de massa que seus colunistas desdenham, representam, na verdade, as duas grandes turbinas capazes de afrontar o contágio da estagnação mundial no Brasil. 

Não deixa de ser potencialmente devastador para quem acusa agora o PT de jogar o país num abismo de má gestão só ter a oferecer à população de SP a seguinte progressão: racionamento drástico imediato, seguido de seca de consequências imponderáveis navida de uma das maiores manchas urbanas do mundo. 

É essa a perspectiva de um serviço essencial na capital do estado onde o festejado choque de gestão está no poder há 20 anos.
Ininterruptos. 

O legado recomenda uma recidiva da receita para todo o Brasil, como exigem os centuriões do mercado e alguns cristãos novos petistas?
A ver.

Gílson Sampaio

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