A Rota da Seda (foto: Martha Jong-Lantink) |
Qualquer delírio desejante – excepcionalista – de que Rússia e China abandonem sua sólida parceria estratégica “ganha-ganha”, cuidadosamente arquitetada para atender aos interesses nacionais dos dois países, foi atropelado por uma visita crucial que Wang Yi, Ministro de Relações Exteriores da China, fez a Moscou.
Em Moscou, Wang destacou que a política russa de “Olhar para o Leste” e a política chinesa de “Rumo ao Oeste” – que essencialmente inclui projeto massivo de Nova(s) Rota(s) da Seda – “criaram oportunidades históricas para incorporar as estratégias de desenvolvimento dos dois países”.
E que estão bem “incorporadas”, isso estão. A estratégia da Rússia de “Olhar para o Leste” não diz respeito só à China. É também sobre a integração eurasiana, que conta com as Novas Rotas da Seda da China – como Moscou precisa também da Ásia-Pacífico para desenvolver a Sibéria Oriental e o Extremo Oriente da Rússia.
A parceria estratégica em constante evolução não tem a ver só com energia – incluindo a possibilidade de investimentos controlados pela China em projetos russos cruciais de petróleo e gás – assim como na indústria da defesa; é cada vez mais assunto de investimentos, banking, finança e alta tecnologia.
O alcance da parceria é extremamente amplo, desde a cooperação Rússia-China dentro da Organização de Cooperação de Xangai, até a participação Rússia-China no novo banco de desenvolvimento dos BRICS e o apoio russo ao Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, BAII [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)] liderado pelos chineses, passando pelo apoio russo à Fundação Rota da Seda que os chineses controlam.
Pequim e Moscou, com outros países BRICS, estão andando rapidamente em direção ao comércio independentemente do dólar norte-americano, usando suas próprias moedas. Paralelamente, estão estudando a criação de sistema alternativo ao sistema SWIFT de compensações internacionais – ao qual as nações europeias terão necessariamente de aderir, agora que já se integraram ao BAII. Por exemplo, em teoria a Alemanha poderia suportar perder seu comércio com a Rússia por causa da política de Berlim – embora para extremo desagrado dos industriais alemães. Mas em nenhum caso a Alemanha poderia deixar de comprar a energia russa. E perder seu comércio com a China é, para a Alemanha, absolutamente impensável.
O Trem Transiberiano com esteroides
Dois dias antes de sua visita a Moscou, Wang já avançara vários passos quando, em reunião com o Ministro de Relações Exteriores da Mongólia, Lundeg Purevsuren, o chinês destacou que a Nova Rota da Seda desenvolverá uma “nova plataforma”, um corredor econômico trilateral unindo Rússia, China e Mongólia.
Wang fazia referência ao planejado corredor de transporte eurasiano – que será constituído de uma nova Estrada de Ferro Transiberiana, moderníssima, de alta velocidade, ao preço de US$ 278 bilhões, que conectará Moscou e Pequim, além de tudo que haja entre uma e outra, em apenas 48 horas.
TGV Pequim-Moscou 7.000km e US$ 278 bi |
Assim, inexoravelmente, coube ao próprio Wang ligar os pontos que Washington recusa-se a ver: “A construção do corredor econômico China-Mongólia-Rússia conectará o Cinturão Econômico da Roda da Seda da China, à estrada de ferro transcontinental que a Rússia planeja e ao programa da “Estrada da Pradaria” da Mongólia.
O que temos aqui, sobretudo, é(são) a(s) Nova(s) Estrada(s) da China diretamente conectada(s) à União Econômica Eurasiana (UEE) [orig. Eurasia Economic Union (EEU)]. China e UEE estão dedicadas a criar uma zona de livre comércio. Nada mais praticamente natural, uma vez que tudo aí tem a ver com a integração eurasiana. Detalhes serão discutidos na visita que o presidente Xi Jinping da China fará a Moscou em junho, para o Fórum Econômico de São Petersburgo.
A conexão chinesa do [gasoduto] Irã-Paquistão (IP)
Essa vertiginosa política chinesa de “Rumo ao Oeste” está, finalmente, desbloqueando um ponto difícil do jogo no Oleogasodutostão na Nova Rota da Seda: o gasoduto Irã-Paquistão (IP), que começou como IPI (incluindo a Índia) e foi incansavelmente atacado por dois presidentes norte-americanos, Bush e Obama, e bloqueado por sanções dos EUA.
O braço iraniano de 900 km , até a fronteira com o Paquistão, já está pronto. O que ainda falta construir do IP – quase 700 km , ao custo de US$ 2 bilhões – será quase integralmente financiado por Pequim, com o trabalho técnico realizado por uma subsidiária da China National Petroleum Corporation (CNPC). O presidente Xi deve anunciar o negócio em Islamabad, no final do mês.
Oleogasodutos existentes e propostos na Ásia |
Assim sendo, o que temos aqui é o estilo ativo de interferência chinesa – “ganha-ganha” – para facilitar a construção de um cordão umbilical de aço e energia entre o Irã e o Paquistão, mesmo antes de as sanções contra o Irã serem levantadas, gradualmente ou não. Pode-se dizer que é o espírito empreendedor das Novas Rotas da Seda – capítulo sul da Ásia – em ação.
Claro que há também incontáveis benefícios para Pequim. O Irã já é questão de segurança nacional para a China – como grande fornecedor de petróleo e gás. O gasoduto passará pelo estratégico porto de Gwadar no Oceano Índico, que já é administrado pelos chineses. O gás pode assim ser embarcado para a China por mar ou – melhor ainda – se pode construir nos próximos anos um novo gasoduto, de Gwadar a Xinjiang, paralelo à autoestrada Karakoram, que contornará portanto o Estreito de Malacca, um dos objetivos cruciais da complexa estratégia chinesa de diversificação no campo da energia.
E há também o Afeganistão – o qual, do ponto de vista de Pequim, encaixa-se no projeto da Nova Rota da Seda como corredor para recursos, entre o sul e o centro da Ásia.
Idealmente, Pequim quer investir no desenvolvimento da infraestrutura, para ter acesso aos recursos do Afeganistão e assim firmar mais uma ponte por terra de Xinjiang à Ásia Central e dali até o Oriente Médio. Atualmente, produtos Made in China têm de ser exportados para o Afeganistão via Paquistão.
Bacia do rio Amu-Darya, petróleo |
As empresas CNPC e China Metallurgical Group Corp. já estão no Afeganistão, investindo na bacia de petróleo do rio Amu Darya e na mina gigante de cobre em Anyak. Não tem sido fácil, mas já é um começo. Ambas, Rússia e China, dentro da Organização de Cooperação de Xangai, têm profundo interesse em um Afeganistão estável, maduro para os negócios da Nova Rota da Seda e da UEE. A questão chave, aí, é como manter os Talibã “satisfeitos” (sem dúvida, sim, mas sem usar métodos de Washington).
Enquanto isso, a “proposta” do Pentágono para o que o novo chefe Ash Carter descreve como “essa parte do mundo” é meter lá – e o que seria, senão isso?! – novas armas, desde o sistema de mísseis de defesa THAAD ainda em produção, até os mais modernos bombardeiros stealth e unidades de ciberguerra. Cooperação econômica eurasiana? Esqueçam! Para o Pentágono e para a OTAN – a qual, por falar dela, acaba de ser derrotada pelos Talibã numa guerra que durou 13 anos – cooperação econômica é coisa para mariquinhas.
Redecastorphoto
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