Roberto Lopes
Editor de Opinião da Revista Forças de Defesa
É o maior revés da Era Jaques Wagner no Ministério da Defesa.
O anúncio da possível interrupção do desenvolvimento do foguete VLS-1 pelo Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) da Aeronáutica, feito na última terça-feira (27.05), na Câmara dos Deputados, pelo vice-diretor do órgão, major-brigadeiro Wander Almodovar Golfetto, implica em mais um sério obstáculo à certificação dos sistemas de ignição e separação de estágios do foguete e, especialmente, à validação da plataforma de navegação inercial MARINS, destinada a mísseis balísticos – programa essencial à capacitação da FAB no campo dos vetores militares de longo alcance e de alcance intermediário.
A plataforma MARINS foi considerada pronta para ser testada em voo no fim de 2013. Ela foi desenvolvida por uma equipe liderada pelo carioca Waldemar Costa Leite, de 61 anos. Formado em Engenharia Eletrônica no Instituto Militar de Engenharia em 1978, Costa Leite tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em controle de veículos espaciais.
Ele trabalhou por seis anos e meio na área de controle de mísseis do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Tecnológico do Exército, no Rio, e, em maio de 1985, decidiu se transferir para o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do então Centro Técnico Aeroespacial da Aeronáutica, na cidade de São José dos Campos (SP).
Seu novo campo de atuação foram os projetos dos foguetes Sonda IV e VLS (Veículo Lançador de Satélites). Atualmente esse engenheiro opera também no programa do Veículo Lançador de Microssatélites – um engenho bem menor que o VLS.
Rússia – O major-brigadeiro Golfetto é o especialista em foguetes e sistemas espaciais de mais alta patente na Força Aérea Brasileira (FAB).
Ele esteve envolvido na bem-sucedida operação secreta levada a cabo pelo IAE, nos anos de 1990, para obter quatro plataformas inerciais na Rússia (burlando os controles exercidos peloInternational Traffic in Arms Regulations do Departamento da Defesa dos Estados Unidos) – plataformas estas que seriam perdidas, anos mais tarde, em acidentes e pesquisas de engenharia reversa.
Mas, nas últimas duas décadas, o brigadeiro assistiu os recursos oficiais para a pesquisa espacial minguarem, no Brasil, para algo em torno de 0,004 do PIB – dado que ele próprio levou à Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado em outubro de 2013.
No último dia 27 ele, finalmente, encontrou-se na posição de ter que comunicar aos deputados a descontinuidade dos recursos previstos para o VLS no Programa Nacional de Atividades Espaciais.
No lugar do VLS-1, o DCTA priorizará o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), um vetor de três estágios projetado no fim dos anos de 1980, movido a propelente sólido (menos potente que os propelentes líquidos) mas capaz de levar ao espaço cargas úteis de até 150 kg.
“Chegamos à conclusão de que não vale a pena desenvolvermos no país um veículo para satélites geoestacionários [referência ao VLS-1]. Existem vários concorrentes no mercado e o Brasil não lançará muitos equipamentos deste porte. Nosso foco está mais voltado para o VLM. É um foguete mais simples, para transportar satélites menores. Acreditamos que ele entra num nicho de mercado onde não existem lançadores naquela categoria”. (Leia texto Construção do VLS deve ser abandonada por falta de verba, publicada pelo Poder Aéreo a 28 de maio).
De qualquer forma, a Aeronáutica ainda insistirá em um programa de certificação de componentes do VLS-1.
O foguete passou pelo crivo da revisão crítica de uma empresa russa, e foi reprojetado. “Estamos trabalhando em um lançamento de um voo tecnológico, que visa testar a parte baixa do VLS, onde tivemos algumas dificuldades no acendimento do segundo estágio e na separação dos estágios”, admitiu o brigadeiro para os deputados. “A análise servirá também para avaliar o sistema de navegação inercial que foi desenvolvido dentro do DCTA”.
Santa Bárbara – O Poder Aéreo apurou que, até fevereiro passado, estavam previstos dois lançamentos (não um) dos chamados “voos tecnológicos”.
O primeiro será um lançamento simulado, batizado de “Operação Santa Bárbara I”, para testar a integração da plataforma com as redes elétricas do veiculo, seu sistema de navegação, e o controle de lançamento da base diante de um mock-up (maquete completa do foguete com os motores sem combustível, descarregados).
O disparo simulado foi originalmente programado para o segundo semestre de 2011, adiado para o meio do ano de 2012 e realizado no âmbito da chamada “Operação Salinas”, mas de forma incompleta, porque tanto as redes elétricas do foguete – contratadas com atraso junto à empresa Mectron, de São José dos Campos (SP) – quanto o Sistema de Navegação (SISNAV) não ficaram prontos a tempo.
Um segundo lançamento simulado – que continua a ser chamado de “Operação Santa Bárbara I” – está previsto para este ano.
O outro “voo tecnológico”, batizado de “Operação Santa Bárbara II”, será, então, um voo real, para testar o funcionamento das redes elétricas, dos mecanismos de ignição e de separação dos estágios inferiores, bem como a plataforma de guiagem. A previsão é de que aconteça em 2016.
O que o brigadeiro Golfetto não esclareceu aos parlamentares é que esse sistema de guiagem será o MARINS, a plataforma de navegação inercial destinada a aplicativos militares (uso em mísseis balísticos).
Em tese, depois desses dois lançamentos, a FAB estaria pronta a testar seus novos equipamentos a bordo do VLS-1 VO4 – foguete que, nesse momento, em função dos problemas apresentados pelo brigadeiro, parece prestes a ser cancelado.
O VLS-1 VO4 seria o último engenho de testes antes de a FAB partir para a construção dos VLS-Alfa e VLS-Beta – ambos concebidos para cobrir distâncias que, no plano militar, são consideradas uma espécie de “ante-sala” das trajetórias dos mísseis balísticos de alcance intermediário.
O VLS-Alfa foi projetado para voar por 750 km transportando uma carga útil de 500 kg; e o VLS-Beta, para ser um vetor capaz de cobrir 800 km carregando uma ogiva de 800 kg.
Espionagem – Wander Almodovar Golfetto tem a admiração dos seus pares, por causa da sua perseverança e dos seus esforços pessoais no sentido de garantir à Força Aérea Brasileira capacitação na área dos foguetes e dos sistemas espaciais.
Mas entre os especialistas da Agência Espacial Brasileira – entidade vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia – e na própria FAB ficou a dúvida: estaria o oficial querendo chamar a atenção da Opinião Pública para as dificuldades do Programa Nacional de Atividades Espaciais, ou apenas pretendendo apequenar, intencionalmente, o programa nacional de foguetes, como forma de ocultar seu prosseguimento?
Poder Aéreo
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