A República Federal da OTAN Alemanha absorveu a República Democrática Alemã. Aumentou a massa corporal e muscular. A reincorporação não ocorreu por magia, não obstante a Conversão da Rússia constar dos apostolados. O milagre teve os seus agentes e artífices: na sombra, operou a inteligência germano-americana; à luz do dia, atuou o complexo midiático; e como seguro contra todos os riscos da blitzkrieg 89, os camaradas da Perestroika desguarneceram as muralhas do Kremlin.
Até acreditaram ou simularam acreditar na promessa de que a OTAN jamais integraria estados e regiões da área de influência e segurança da URSS. O ataque-relâmpago do Novo Eixo mereceu tratamento de visita guiada. Gorbachev confessou (sem pingo de rubor) que, no Ocidente, exceto dos USA, todos estavam contra a queda do muro e a reunificação, desde Thatcher a Andreotti, a Mitterrand: Todos vieram até mim, um após o outro, pedindo isso. Mitterrand era ferozmente contrário. Mais esperto do que os outros, dizia: “Amo a Alemanha de tal forma que prefiro ter duas” Só depois, quando tudo se precipitou, todos assinaram. [1] Os amigos ocidentais (ingleses, italianos, franceses, etc.) chegaram a implorar que o Exército Vermelho esmagasse o levantamento.
Contudo, o Ator Principal da Glasnost, capitulacionista de salão e padecente da doença infantil do capitalismo, deu ouvidos ao interlocutor de fato. Ajoelhou-se como se uma superpotência real não tivesse argumentos. O valentão Gorby foi o mesmo que, anos antes, noutra entrevista, declarou, visando o marionete Ieltsin: Temos uma Rússia fraca e um presidente fraco. [2]
Quanto à Europa OTAN/UE, resmunga e amua mas não passa de pátio dianteiro dos USA, recomendável para acampamentos do Pentágono, estações e prisões da CIA, mobilizações predatórias, vendas de armas e pacotes de propaganda, joguete das bolsas e fundos, colocação de produtos apple, google, Hollywood, transgênicos, farmacêuticos, heroína do Afeganistão e cocaína da Colômbia (demarcações da Esfera político-militar made in USA). O narcomercado é um dos super-negócios do planeta. Os EUA são o guardião- dealer. Na definição dos interesses vitais e dispositivos da sua manutenção, não admira, pois, que a chamada Europa não tenha nem esteja autorizada a ter política de defesa nem política externa fora dos varais e canais dos EUA, embora a sede da OTAN e a sede da UE, irmãs gêmeas, se encontrem na mesma cidade (Bruxelas), com endereços autônomos para fingir independência ou disfarçar que não são geridas desde Washington. Dominique Villepin, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo primeiro-ministro da França, desabafou (cito de memória), num momento de franqueza e finura de guilhotina: Não há OTAN. Há generais americanos.
A própria Alemanha está sob tutela do patrono atlântico: os EUA mantêm em solo alemão cerca de 60 mil efetivos e 227 bases, algumas dotadas de bombas nucleares. As instalações norte-americanas funcionam ainda como parabólicas de espionagem, constituindo a nação-hospedeira um dos alvos. A Alemanha é um ocupante-ocupado, como Portugal foi um colonizador-colonizado. De resto, na linha de reatualização e reconfiguração do Eixo (também o Japão se acha ocupado pelos EUA), que aí dispõem de 50 mil efetivos em 135 bases, algumas equipadas com cargas atômicas. A Alemanha e o Japão jazem sob o dicktat dos EUA, que lhes distribui metas e fixa taxas de engajamento no tarifário geo-estratégico, particularmente no cerco à Rússia e à China. O Império norte-americano não levanta ferro. Nem sequer entreabre a cortina.
Muro da vergonha
Caiu em Berlim
Vergonha só lá
Muros há sem fim [3]
O mundo estava cortado e recortado por altos e grossos muros e continuou a levantar vedações de concreto, arame farpado, cabos elétricos e torres de metralhadoras, mas só um foi qualificado de vergonhoso. Todavia, convem destapar outras barreiras, as credoras de aplauso, de compreensão, tolerância ou esquecimento da comunidade internacional, tão proficientemente facetada e discricionariamente representada pelos EUA e pelas suas ferramentas de guerra psicológica, emissoras de televisão, de rádio, os jornais. Eis uma lista de muros deixados em paz pelas chancelarias e pelos agitadores dos direitos universais: EUA-México, Índia-Bangladesh, Índia-Paquistão, Índia-Birmânia, Paquistão-Afeganistão, Marrocos-Sara Ocidental, Botsuana-Zimbábue, Coreia do Sul-Coreia do Norte, China-Coreia do Norte, Uzbequistão-Quirquistão, Irã-Paquistão, Arábia Saudita-Iraque, Israel-Cisjordânia, Israel-Líbano, Egito-Gaza, Grécia-Turquia, Chipre (divisória greco-turca), Ceuta/Melilla (Espanha), Belfast (Irlanda do Norte), Bagdá (Iraque), La Molina (Peru), Rio de Janeiro (Brasil). Todos se encontram de pé e prometem durar e perdurar. Inadiável era a queda do Muro de Berlim, prenúncio aparatoso e ruidoso do desabamento da URSS e do bloco socialista. Festejável com música rock, tanques de cerveja, pichações alucinógenas. Vinte anos depois, enquanto os redesenhadores de mapas e as trupes do Wall Show celebravam a data, a população da ex-Alemanha Democrática sentia o ferrete da anexação ou reunificação. [4]
IV Reich em ação.
Demolido o muro, riscada do planisfério a Alemanha socialista, a Alemanha capitalista e imperialista aprontou o desarmamento das alfândegas continentais, acobertando-se sob as vestes da confraria europeia: instituiu a livre circulação de capitais; fixou taxas de câmbio irrevogáveis; fez entrar o marco em circulação com nome de euro, assim se posicionando como player nos mercados de divisas e condicionando as exportações, especialmente dos países do Sul/Leste; desestruturou as atividades concorrenciais (desmantelamento e deslocalização de indústrias, afundamento dos negócios das frotas pesqueiras, subsídios de encerramento para as agriculturas).
A Nova Alemanha, a que carrega 100 milhões de mortos (contabilidade do séc. XX) e uma vasta geografia de ruínas, acelerou a reocupação dos submetidos na II Grande Guerra. Só a Noruega resistiu. Acertaram o passo com o ex-ocupante: Áustria, Bélgica, Bulgária, Checoslováquia (República Checa e Eslováquia), Dinamarca, Estônia, França, Grécia, Hungria, Itália, Iugoslávia (Croácia/ Eslovênia/ Macedônia/ Sérvia/ as duas últimas à espera que o ex-ocupante aceite ao pedido de reocupação), Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Holanda, Polônia, República Checa, San Marino, Ucrânia (a caminho da reocupação). Paralelamente, o IV Reich foi ornando o cinturão de caça com uma série de troféus que no período do III Reich haviam demonstrado comportamento de bons alunos: Espanha, Finlândia, Portugal, Romênia. Há igualmente que inscrever a zona grega do Chipre e a República de Malta na Cartografia da Grande Guerra Financeira.
Pelo meio, com a Alemanha Democrática reintegrada, dissolvida e recentrada, a Germânia liderou a desintegração da República Federativa da Iugoslávia, que tinha de levar um corretivo por se manter não-alinhada, soberana e socialista. O Curso de PatroNATO durou de 24/03/ a 11/06 de 1999, sem a autorização das Nações Unidas, sob o pretexto de instantes razões humanitárias. O programa OTAN School incluiu escombros generalizados e seletivos, doses de urânio empobrecido com certificado de garantia para centenas de milhares de anos, extensas manchas de sangue e lágrimas e a imposição de um estado fantoche e artificial (Kosovo), com uma super-base Ianque, governado com savoir-faire pelo mundo do crime (local e sem fronteiras).
Wehrmacht do Euro.
O Euro é o Marco do Neo-Expansionismo. Na guerra econômico-financeira, os Estados do Sul, previamente desarmados, entre a espada da moeda forte e a parede da economia fraca, tentaram o salto em frente, seduzidos pelo crédito de torneira aberta e pela carteira de fundos, contraindo a doença da dívida galopante e do saldo negativo excessivo, estimulado pelos credores, apostados em arrastar os esfomeados de barriga dilatada para uma situação de emergência.
Sob a bota e a batota da usura, com governos-carpete que vendem por mixaria as jóias da economia e tripudiam os princípios da soberania, o capitalismo euroglobal lançou os seus rapazes ou rapaces sobre os ativos sociais (salários, reformas, pensões, receitas fiscais, reservas de ouro e divisas, serviços públicos) e os ativos empresariais do Estado. A operação de saque amigo foi implacavelmente montada. Nem será preciso recorrer a teóricos de última geração da economia de guerra e da armadilha financeira. Bastará rebuscar fontes da mesma água, validadas pela constância dos fatos e a didática dos séculos. Neste caso, fontes euro-americanas. Portadoras de credenciais. Acima de qualquer suspeita. Uma a jorrar da bocarra de um banqueiro, alemão e judeu, e outra da carranca de um fazendeiro, congressista e presidente com direito a efígie monetária e a inscrição In God We Trust/Deus Seja Louvado/Confiamos em Deus.
Eis a voz do mercado:
Dai-me o controle da moeda de um país e não me importará quem faz as leis. [5]
Eis o porta-voz:
Há duas maneiras de submeter e escravizar uma nação: uma é pela espada e outra é pela dívida. A dívida é uma arma contra os povos. Os juros são as munições. [6]
Autor: César Príncipe
Notas:
(1). La Repubblica, entrevista de Fiammetta Cucurnia, 09/11/2009, 20º aniversário da queda do muro.
(2). Jornal de Notícias, entrevista de César Príncipe, 17/06/1995, no 4º aniversário da dissolução da URSS.
(3) César Príncipe, Correio Vermelho, Seara de Vento, 2008.
(4) O dia em que se comemoram os 20 anos sobre a queda do Muro de Berlim, uma sondagem conclui que os alemães de Leste consideram que a reunificação não foi consumada e que a esmagadora maioria sentia-se bem na antiga Alemanha Democrática. O estudo indica que 50 por cento dos cidadãos da antiga Alemanha Democrática lamentam as diferenças reais do nível de vida, lembrando que no Leste o desemprego é maior, os salários são mais baixos e o PIB é de apenas de um terço do registado no lado ocidental do país. Doze por cento dos inquiridos recordam com saudade os tempos da RDA e outros tantos defendem mesmo que o muro devia ser reconstruído. Somente um quinto dos alemães de Leste considera que a reunificação vai no bom sentido e muitos outros dizem que os irmãos do Ocidente os tratam com arrogância. [TSF , 09/11/2009)
(5) Mayer Amschel Rothschild (1744-1821), fundador da dinastia de banqueiros.
(6) John Adams (1735-1826), presidente dos USA.
Dinâmica Global
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