Gérard Davet e Fabrice Lhomme, os jornalistas que revelaram o escândalo do HSBC, falam do seu “furo”
Julien Falsimagne
Davet e Lhomme: sob proteção policial
De Paris
O Swissleaks, escândalo de fraude fiscal e lavagem de dinheiro no banco inglês HSBC, foi revelado este ano por dois jornalistas do Le Monde, Gérard Davet e Fabrice Lhomme, a partir das informações fornecidas por um ex-empregado do banco, Hervé Falciani, às autoridades do Fisco francês, em 2009. O trabalho de apuração dos dados a que tiveram acesso era tão monumental e envolvia tantos países que eles resolveram compartilhar as informações com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (Icij), com sede em Washington.
As primeiras reportagens foram publicadas em duas edições do Le Monde, em fevereiro de 2015, e revelaram que havia 180 bilhões de euros de origem suspeita em contas suíças. Mas o escândalo está longe de ter acabado. Há muita coisa a ser desvendada e os dois jornalistas continuam a investigar, pois acreditam que houve pressões para proteger pessoas poderosas.
Entre as 106 mil contas de pessoas físicas e jurídicas de diversos países havia 8.667 de brasileiros, que teriam sonegado ao Fisco cerca de 20 bilhões de euros. Essa quantia pode ter origem na fraude fiscal ou na lavagem de dinheiro da corrupção e das drogas. O Brasil é o nono colocado em volume de depósitos e o quarto em quantidade de contas correntes secretas. Como a maioria dos países, o Brasil tem todo interesse em repatriar os bilhões sonegados aos cofres públicos para financiar a educação e a saúde, entre outras coisas.
É preciso, contudo, que a Justiça seja independente e possa agir.
“Tenho minhas dúvidas, sou cético em relação a alguns países. Simplesmente, porque neles, de maneira geral, a Justiça não é verdadeiramente independente. Então há risco. As reportagens e as matérias dos jornais são importantes, pois sabemos que todos os poderes são sensíveis à pressão midiática. Na Suíça, começaram a investigar o SwissLeaks apenas quando os jornais noticiaram. Eles iniciaram uma pequena investigação, simbólica”, afirma Lhomme.
Na França, 8.936 pessoas tentaram fraudar o Fisco com a ajuda do HSBC. Como o país foi o primeiro a receber as informações de Hervé Falciani, a investigação está mais avançada e já foram repatriados 400 milhões de euros das contas de cidadãos franceses.
Apenas quatro meses depois da revelação do escândalo, Fabrice Lhomme e Gérard Davet lançaram em Paris o livro La Clef – Révélations sur la fraude fiscale du siècle. O título refere-se ao pen drive (clef USB, em francês) que eles receberam com exclusividade, com todas as informações do escândalo, inclusive documentos secretos. Os dois jornalistas, que formam uma dupla constante desde 2003, são temidos por quem tem falcatruas a esconder, sejam políticos, sejam homens de negócios.
“O HSBC de Genebra era o paraíso dos narcotraficantes e o banco reconheceu isso sob a pressão midiática, pois foram colocados diante deles nomes de narcotraficantes que tinham contas lá”, conta Lhomme.
O ditado que assegura que “a Suíça lava mais branco” está com os dias contados, graças ao escândalo SwissLeaks, que levou o país a mudar a legislação. A partir de 2018, os bancos suíços vão passar a se interessar pela origem do dinheiro depositado. Até lá, as contas ainda guardarão dinheiro sujo procedente do mundo inteiro.
CartaCapital: La Clef tem tudo de um romance policial. O trabalho da Justiça está progredindo na maioria dos países?
Gérard Davet: Pelo que sabemos, há quem esteja avançando, menos a Suíça. Curioso. Ela decidiu suspender a investigação e Fabrice e eu temos a impressão de que existe uma opacidade, uma vontade de não investigar os bancos. Sabemos que as investigações avançam na Inglaterra, na Bélgica, na Espanha, nos Estados Unidos.
CC: Vocês sabem se no Brasil a Justiça está fazendo um bom trabalho?
GD: Na França, onde começaram os trabalhos, a Justiça age de forma coletiva, muito próxima dos belgas e dos espanhóis. Não sei se há uma equipe franco-brasileira. Temos um oceano entre nós.
Fabrice Lhomme: Não tenho detalhes sobre o Brasil, porque decidimos compartilhar as informações com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (Icij). Lembro que o Brasil tinha quase o mesmo número de contas que a França e que havia suspeitas de lavagem de dinheiro da corrupção. As investigações são longas e complicadas. Há situações em que a origem do dinheiro pode ser identificada em poucos meses, mas tudo fica mais difícil quando os titulares se escondem por trás de sociedades offshore, com nomes de proprietários fictícios.
CC: Os países que estão fazendo o trabalho de investigação sério contra os sonegadores do SwissLeaks vão recuperar o dinheiro subtraído ao Fisco?
GD: Boa pergunta. Isso talvez explique os problemas do HSBC. Eles anunciaram há uma semana que vão despedir 50 mil empregados no mundo todo. Se eles despedem tanta gente é porque sabem que há multas milionárias que terão de pagar. Nos EUA, há três anos, o banco já foi condenado a pagar 1,2 bilhão de euros em outro escândalo ligado às drogas. A Justiça americana agora vai novamente cobrar outra importância enorme nesse novo escândalo. Na França, eles terão de pagar de multa 1 bilhão de euros, e na Bélgica mais ou menos o mesmo.
CC: No Brasil, há quem tenha a impressão de que tudo é feito para que a Comissão Parlamentar do Senado não consiga apurar tudo. A maior parte dos países tem instituições jurídicas suficientemente sólidas para investigar até o fim?
FL: Depende. A Grã-Bretanha, por exemplo, estava em situação delicada, porque o banco é inglês. Nós contamos no livro que a revelação do escândalo foi oferecida aos ingleses, que deixaram escapar o affair. Mas, depois que foi revelado, a classe política britânica mobilizou-se totalmente e o banco não vai poder escapar às suas responsabilidades.
CC: Mas na Arábia Saudita, no Brasil e em outros países…
FL: Tenho minhas dúvidas, sou cético em relação a alguns países. Simplesmente, porque neles, de maneira geral, a Justiça não é verdadeiramente independente.
CC: No fim do livro, vocês fazem um balanço do trabalho de vocês, totalmente independente de pressões do jornal. Vocês escrevem: “Com o SwissLeaks, Xavier Niel, um dos três donos do jornal, perdeu um contrato de vários milhões de dólares no Marrocos. Ele nunca falou disso publicamente e jamais nos criticou por isso”. Em que outro jornal do mundo se pode trabalhar com tanta autonomia e liberdade?
FL: Espero que existam outros. Na França, trabalhei em vários jornais e revistas e sempre tive grande liberdade em relação aos donos.
GD: No Figaro, nós não poderíamos trabalhar assim.
FL: Exatamente. Mas há outros jornais na França, além do Le Monde, onde essa liberdade existe. No Le Monde há uma tradição de independência, a redação se mobiliza quando se sente um pouco ameaçada. Às vezes, ela reage até com exagero.
CC: Pierre Bergé, também um dos três acionistas majoritários, criticou-os por terem dado nomes de pessoas que tinham conta no HSBC. Vocês escrevem no livro: “A redação do Le Monde, que é muito ciosa de sua independência, reagiu à crítica de Pierre Bergé”. Teria sido possível dar o nome de um acionista proprietário do Le Monde, se ele tivesse uma conta no HSBC?
FL: Sem nenhuma hesitação.
GD: Não somente o faríamos, como teríamos adorado essa situação. Se fosse o caso, não haveria nenhum problema. Iríamos perguntar a ele (como fizemos com todos os outros que citamos porque tinham conta): “É verdade que você tem conta no HSBC, já regularizou sua situação pagando os impostos devidos?” E tudo seria publicado no jornal. Havia na lista um ex-diretor-adjunto do Le Monde e demos seu nome. Isso incomodou muitas pessoas, a começar por ele. Fizemos isso para mostrar que a transparência se aplica a nós também.
CC: Na reportagem sobre o SwissLeaks, vocês citaram o ator Gad Elmaleh, entre outros. No livro vocês citam príncipes sauditas, o ex-presidente do Conseil Représentatif des Institutions Juives de France (Crif), Richard Prasquier, o escritor Marc Levy, Jeanne Moreau, Michel Piccoli, o cineasta Cédric Klapisch, Paul Bocuse, os herdeiros da marca de vinhos Château Margaux, a herdeira dos perfumes Nina Ricci. Curiosamente, ela escondeu 18,7 milhões de euros na Suíça e, aos 73 anos, foi condenada pela Justiça francesa, em abril, a pagar o que deve e a um ano de prisão, porque se recusou a regularizar sua situação. A Justiça francesa pune tanto ricos quanto pobres?
GD: Poderia dizer que sim, mas não acredito. Esse foi um caso particular. Muitas vezes a Justiça faz diferença, mas, nesse caso do HSBC, a Justiça só pode intervir se o Ministério das Finanças lhe der autorização. As pessoas que foram julgadas haviam se recusado a confirmar se tinham contas. Então, o caso foi enviado à Justiça. Mas, se o Ministério das Finanças não informa o nome do dono da conta à Justiça, significa que ele regularizou a situação, como Gad Elmaleh fez. Nesse caso, não há condenação. A herdeira da Nina Ricci não quis reconhecer a fraude fiscal.
FL: Na França, os juízes que instruem os processos são independentes. Fazem o que devem fazer. No caso do HSBC houve excelentes juízes indiferentes às pressões, que não se deixam subornar.
CC: Acontece de vocês pagarem por uma informação que vai representar um grande furo?
FL: Jamais. Há revistas na França, como o Paris Match, que o fazem. Mas aqui se faz menos que nos países anglo-saxões. Não conheço na França jornalistas investigativos que comprem informações. Temos o princípio de não utilizar ooff nas nossas matérias ou nos nossos livros.
CC: Na lista geral das contas do HSBC vocês viram brasileiros conhecidos?
GD: Temos a lista de todas as contas, com todos os nomes, a correspondência entre os clientes e o banco, mas, como não conhecemos as pessoas que detêm as contas, recorremos ao consórcio para que o assunto fosse trabalhado por jornalistas de cada país. O que sabemos é que havia nomes de brasileiros ligados ao escândalo de corrupção da Petrobras e que colocavam o dinheiro no HSBC.
CC: A Suíça garantiu que vai aposentar o segredo bancário em 2018. Outros paraísos fiscais seguirão o exemplo?
GD: Não, haverá sempre essas zonas que escapam ao direito internacional. O Panamá e as Ilhas Virgens, por exemplo, se recusam a mudar. A economia deles baseia-se nessa atividade.
CC: Vocês têm uma proteção policial permanente. Como é viver assim?
FL: Não temos proteção 24 horas. Seria impossível, por causa da nossa atividade. Mas sofremos ameaças sérias e a polícia achou que deveríamos ser protegidos. Preferíamos que não fosse preciso, pois assim fica difícil fazer jornalismo investigativo. Além disso, acho que não corremos perigo de vida. Há pessoas que pretendem nos amedrontar, mas não somos paranoicos e sabemos que num país como a França jornalistas não correm o risco de ser assassinados, como em países sul-americanos ou de outros continentes.
CC: Então vocês não têm proteção policial 24 horas, como os jornalistas do Charlie Hebdo?
GD: Depois dos atentados, os jornalistas passaram a ser mais protegidos. NoLe Monde, o cartunista Plantu é protegido porque desenhou Maomé. Nós somos protegidos porque há o banditismo e outras figuras da extrema-direita e da direita que incomodamos.
CC: Vocês escrevem no livro que “jamais o Fisco francês penetrou de tal forma no sistema bancário suíço. E nunca pôde recuperar tanto dinheiro”. Quando o trabalho termina?
FL: Para o Fisco francês, o principal foi feito. Eles eliminaram nomes que se explicaram, mas não examinaram todos eles. Escolhe-se um nome e depois ele é encaminhado à Justiça. Quem decide isso é o ministro das Finanças, o que achamos uma prática discutível. Pensamos que, quando alguém é perseguido pelo Fisco, a Justiça também deveria julgar o indivíduo, porque fraude fiscal é um delito.
GD: A França está na frente porque a história começou aqui. Mas há freios, pressões. Ainda não foi revelado tudo.
CC: O que motivou Falciani?
FL: Ele é capaz de voltar para a Suíça para provocar um golpe midiático. Pode querer afrontar o governo suíço e se tornar uma vítima, depois de ter revelado um escândalo útil a diversos países.
GD: Tem alma de jogador e gosta que falem dele.
CC: Parece que ele tentou, primeiramente, vender as listas de clientes do HSBC no Líbano.
GD: Só ele sabe. Nós sabemos apenas que ele tentou negociar os dados em seu poder. Ele subtraiu informações tão importantes que ninguém quis comprar. Então ele resolveu se tornar herói.
Carta Capital \ Gílson Sampaio
Nenhum comentário:
Postar um comentário