Em artigo recente para o portal israelense de notícias Walla!, o jornalista Amit Leventhal sugeriu que os movimentos da Rússia para garantir assistência à Síria em sua guerra contra o terrorismo jihadista, ante a hesitação do ‘ocidente’, estão efetivamente convertendo a Rússia na “super potência diplomática” com que o “presidente Putin sempre sonhou”.
No artigo, Leventhal argumenta que a Rússia decidiu ampliar seu apoio à Síria no “momento mais acertado”, pouco antes da 70ª Assembleia Geral da ONU, em New York, no final de setembro, “onde Vladimir Putin planeja, em seu discurso, falar sobre as vitórias da diplomacia russa.”
O jornalista entende que o presidente russo tem, efetivamente, muito a celebrar, no momento em que “vai sendo gradualmente atingido o objetivo de Putin, de devolver a Rússia ao status de superpotência, capaz de influenciar ativamente a arena internacional.” Levanthal observa que, em grande medida, isso tem a ver com o ininterrupto apoio que Moscou sempre garantiu ao governo sírio, inclusive com provisão de armamento avançado ao exército da Síria, bem como pela expansão da presença militar russa na área, agora que já foi construída a grande base aérea de Latakia.
Para Leventhal, “de um ponto de vista tático, Putin escolheu o momento perfeito”, nas atuais circunstâncias quando “a Rússia posiciona-se a favor do exército de Assad”, num momento em que estaria “enfrentando aumento no número de baixas e perdendo território”.
Essa ideia é altamente discutível. A verdade é que o Exército Árabe Sírio não perdeu o controle sobre os territórios em que vivem 80% da população da Síria, mesmo depois de cinco anos de guerra brutal contra ampla coalizão de inimigos radicais das mais diferentes origens, dentre os quais os grupos terroristas Frente al-Nusra e ISIL apoiados por Turquia e Arábia Saudita. Mas a ideia seguinte do jornalista, sobre o significado estratégico do timing definido pelos russos, sim, faz sentido.
Leventhal observa que “de um ponto de vista estratégico, o momento [de a Rússia assumir plenamente o apoio aos sírios] é também muito bem escolhido, às vésperas da 70ª Assembleia Geral da ONU. No final do corrente mês de setembro, chefes de estado de todo o mundo estarão reunidos em New York. Na agenda da Assembleia estarão as guerras no Oriente Médio e a crise de migrantes do Oriente Médio e África que aquelas guerras geraram.”
“Ao se apresentar para falar do palanque da ONU, dia 28 de setembro, depois de 10 anos de ausência, o presidente Vladimir Putin não chegará de mãos vazias” – escreveu Leventhal. – “Putin apresentará sua proposta para resolver a crise na Síria, inclusive propostas para início do diálogo entre Assad e a chamada ‘oposição saudável’, vale dizer, o Exército Árabe Sírio e a oposição realmente moderada. O presidente da Rússia proporá que se constitua uma coalizão para lutar contra o ISIL, mas sob o formato que efetivamente interessa à Rússia.”
Nessa linha, segundo o jornalista, o apoio de Moscou à Síria no momento que o país vive, converteu a Rússia “em fator diplomático que a ONU não poderá deixar de levar em conta. Difícil imaginar sucesso mais completo para o presidente Putin, ter feito de seu país iniciador de importante processo de paz na arena internacional.”
“Lenta mas segura e persistentemente, Putin está usando a confusão que reina no Ocidente e as aspirações imperiais isolacionistas dos EUA, depois do trauma que os norte-americanos sofreram na ocupação do Afeganistão e do Iraque, para fortalecer a posição russa” – escreveu Leventhal. (…) E acrescenta que “Putin foi muito bem-sucedido no movimento para preencher o vácuo deixado pelos EUA, e a Rússia está podendo influenciar todos os países que os EUA abandonaram totalmente ou em parte.”
O jornalista comenta as relações de aproximação entre os russos e o governo egípcio de Abdel Fattah el-Sisi, o qual, na opinião de Leventhal, “já é aliado de Moscou”. Leventhal recorda que “a Rússia está fornecendo armas ao exército egípcio, está ajudando o país na luta contra grupos jihadistas terroristas, e está promovendo um projeto para construir a primeira usina nuclear do Egito. Sisi também convidou Putin a participar da cerimônia de abertura da área expandida do Canal de Suez, solenidade para a qual foi escalado o primeiro-ministro. Em maio e agosto Putin hospedou o presidente do Egito, que prometeu apoio às propostas da Rússia sobre a Síria.”
Leventhal observa que em seus esforços para “ganhar influência no Oriente Médio e em todo o mundo”, a Rússia também desenvolveu “contatos ativos nos estados do Golfo Árabe”, inclusive com Arábia Saudita, na esperança de persuadir aqueles estados a aceitarem a iniciativa de Moscou para a Síria. Recentemente, líderes de vários países do Oriente Médio estiveram em visita à Rússia, dentre os quais o rei da Jordânia Abdullah II, um dos principais aliados dos EUA. Abdullah II reconheceu a importância da Rússia, observando que o conflito sírio tem de ser resolvido, e que a Rússia desempenha papel crucialmente importante ao coordenar as forças da oposição síria e levá-las a um diálogo para resolver a crise.”
Observando que alguns atores no Oriente Médio, como Arábia Saudita e Israel, ainda resistem às propostas russas, o jornalista israelense sugere que “é preciso tempo para persuadir, sobretudo quando se trata de persuadir aliados dos EUA.” Leventhal citou comentário recente do ministro saudita de Relações Exteriores, que disse que Riad não veria lugar para Assad no futuro da Síria; além dele, o jornalista considera pouco provável que o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu venha a aceitar a posição russa para a Síria; Netanyahu e Putin encontrar-se-ão na próxima semana.
Evitar que situação ruim piore muito
Seguindo a mesma linha de reflexão, Leventhal recorda que “essa semana Putin explicou que, sem a assistência dos russos, a situação na Síria seria muito pior, que o país correria risco real de cair em mãos do ISIL, que a Europa teria de lidar com número ainda maior de refugiados, e que a situação seria pior, até, do que s que se vê hoje na Líbia. E Nikolai Kozhanov, que foi adido militar da Rússia em Teerã, falou à CNN sobre a estratégia da Rússia.
Kozhanov explicou que, embora a Rússia não vá lutar por Assad, Moscou entende que o governo sírio está desempenhando papel chave na luta contra o ISIL, e que, exceto os exércitos de Assad, não há na região real alternativa de força capaz” para fazer o serviço.
Citando serviços ocidentais de inteligência, o jornalista enfatizou que “a Rússia não cogita de vencer a guerra de Assad, por ele; nem cogita de ajudá-lo a sustentar-se nos territórios que controla. Kozhanov observou que a Rússia não vai enviar tropas para conquistar a Síria, conhecendo bem os resultados da invasão dos EUA ao Iraque.”
(…) Leventhal lembrou que a desestabilização da Síria, processo que está ainda em curso, é repetição de eventos já conhecidos no Iraque e na Líbia. Se se consideram esses exemplos, deve-se, sim, temer que sobrevenham o caos e a desintegração do estado também na Síria, se Assad, como Hussein no Iraque e Gaddafi na Líbia, forem derrubados por golpe, em ataque para ‘mudança de regime”.
A Rússia avança para preencher o vácuo que o ‘ocidente’ deixou
Na interpretação de Levanthal, “o evento chave depois do qual a Rússia pôde começar a converter-se em ator internacional influente aconheceu há dois anos, quando se alcançou o acordo sobre o arsenal de armas químicas da Síria, com a Rússia no papel principal” para implementar o programa e desmontar as armas.
Na avaliação do jornalista israelense, “a ação proativa de Putin ensinou excelente lição aos EUA e aliados – que só faziam repetir que ‘Assad tem de sair’ e acusar o presidente sírio de governar como ditador e de ter provocado o surgimento do ISIL. Na avaliação dos russos, o evento que semeou o caos na região foi a invasão dos EUA contra o Iraque, que fez explodir o ritmo de crescimento de grupos extremistas. Para os russos, Assad não é a fonte do problema, mas a chave para resolvê-lo.”
Em resumo, na visão de Levanthal, “o ‘ocidente’ está sendo derrotado na Síria, porque escolheu fazer diplomacia negativa.
Por um lado, ‘ocidente’ foge do confronto direto contra o ISIL. Por outro lado, o ‘ocidente’ ‘exige’ a derrubada de Assad. Mas… e onde estão as sugestões positivas?!
Quem governaria a Síria e como governaria?
Quem governaria a Síria e como governaria?
Os EUA adotaram um programa de mobilizar e armar rebeldes sírios, mas só conseguiram atrair um poucos interessados. O dito Exército Sírio Livre também já está muito enfraquecido. E a terceira força depois do ISIL e do Exército Árabe Sírio, são os grupos jihadistas, inclusive a ‘sucursal’ da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra.”
Com esses fatos em mente, e “no contexto da crise dos refugiados que cerca a Europa, a Rússia está, sim, em condições para pressionar o ‘ocidente'” para que reoriente suas posições – não só na Síria, mas também em outras questões – na Ucrânia, por exemplo.
Na opinião do jornalista,
“a firmeza e a consistência de Putin no apoio a Assad desde o primeiro momento da guerra na Síria está agora rendendo bons frutos. É muito provável que Putin possa em breve comemorar uma grande vitória, cujo valor excede os limites da situação na Síria. As declarações de Putin sobre o papel da Rússia na resolução de conflitos globais estão soando altas e claras.” *****
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Naval Brasil
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