31/8/2015, Pepe Escobar, RT
Traduzido por Vila Vudu
A importância para a China do desfile da próxima 5ª-feira [no Br., 4a-feira, 9/9], que celebrará os 70 anos do fim da 2ª Guerra Mundial no Pacífico Asiático, é imensa.
A rendição dos japoneses foi formalmente assinada no porta-aviões USS Missouri, na Baía de Tóquio, dia 2 de setembro.
Mas na China a data chave é 9 de setembro, em Nanjing às 9h da manhã. Como esseartigo de China Daily destaca, há imenso simbolismo na data que Pequim escolheu, esse 9-9-9: em mandarim as palavras “nove” e “resistir” têm praticamente o mesmo som.
A escolha faz pensar também que, naquele momento, a China era governada pelo nacionalista Chiang Kai-shek, muito justificavelmente derrotado quatro anos depois, pelos comunistas. O impulso básico da liderança chinesa concentra-se em responder à agressão com generosidade e reconciliação.
Desde o início, seria empreitada extremamente difícil. Aqui se lê quadro detalhado de como o trauma da guerra foi vivido em Hong Kong.
O desfile, pela praça Tiananmen, celebra oficialmente a Resistência, pelo Exército Popular de Libertação, contra a Agressão Japonesa. É assunto extremamente grave – e doloroso – para 1,4 bilhão de chineses e para a diáspora chinesa espalhada pelo mundo.
E mais uma vez, o ocidente – manifestando sua cultural/histórica grosseria e falta de sensibilidade – deu as costas à cerimônia. Pequim está estudando profunda e atentamente as ramificações diplomáticas de presenças e ausências. Simbolicamente, ausências sempre são muito eloquentes.
O presidente Vladimir Putin estará em Pequim, bem como os presidentes dos quatro ‘-stões’ da Ásia Central que fazem parte da Organização de Cooperação de Xangai. O presidente da Coreia do Sul Park Geun-hye, da África do Sul Jacob Zuma e do Paquistão Mamnoon Hussain também estarão presentes.
O primeiro-ministro Shinzo Abe do Japão não aparecerá (foi convidado, mas declinou). EUA, Alemanha e Canadá só enviarão funcionários da embaixada. França e Itália, pelo menos, enviarão ministros de Relações Exteriores. O único chefe de Estado ou de governo daquela União Europeia carcomida por todas as pragas do mundo a comparecer será o presidente tcheco Milos Zeman.
Digam o que disserem os boatos, fato é que o Departamento de Estado dos EUA recorreu, sim, como não deixaria de recorrer, ao arsenal de táticas de gangue mafiosa para pressionar o presidente da Coreia do Sul Geun-hye a não ir.
Resumo: nem os EUA nem a União Europeia – o velho ocidente ex-hegemônico – nem o Japão enviaram seus principais líderes políticos.
O que mostra eloquentemente o peso que já tem a parceria estratégica Rússia-China. E imediatamente depois de as marinhas russa e chinesa terem concluído nove dias de manobras conjuntas – foi o quinto exercício conjunto desde 2005 –, no Golfo Pedro, o Grande, águas do Cabo Clerk e Mar do Japão.
Muito significativamente, Aleksandr Fedotenkov, vice-comandante da Marinha Russa e comandante russo do exercício, disse que as duas marinhas trabalhavam para manter os mares do mundo “seguros e estáveis”. E logo se ouviram as ondas de paranoia em que se afogavam os estrategistas da Marinha dos EUA, ao registrar a mensagem.
E reina a diplomacia por estupidez
As chamadas “elites” políticas ocidentais fazem de tudo para preservar o monopólio, que já têm, da estupidez diplomática. Assim sendo, o desfile da Praça Tiananmen está sendo comparado, na mídia-empresa dos EUA, ao recente desfile na Praça Vermelha que celebrou a vitória da União Soviética sobre a Alemanha Nazista. Nem uma linha sobre os mais de 20 milhões de mortos na União Soviética e os quase 20 milhões de chineses mortos durante uma guerra que todos os chineses sabem perfeitamente que começou em setembro de 1931, quando os japoneses invadiram a Manchúria.
A City de Londres, via a ininterruptamente decadente Economist, publicou editorial que só faz repetir e repetir que o desfile “desestabilizará vizinhos da China, enquanto o país canta hinos de vitimização histórica e da necessidade de corrigir [os vizinhos].”
Acusar a China de “vitimização histórica” é patético. Especialmente porque o objetivo chave do desfile, como esses artigos de Xinhua ilustram, tem a ver com as pessoas: fazer lembrar e homenagear os milhões de veteranos chineses da 2ª Guerra Mundial, “muitos dos quais já falecidos, sem terem recebido o reconhecimento que merecem”, e o papel que tiveram na luta contra o fascismo nos anos 1930s e 1940s.
O ocidente faz exatamente isso virtualmente todos os anos – como se o ocidente tivesse enfrentado e derrotado sozinho, o fascismo. Quando Rússia ou China fazem o mesmo, estão-se fazendo ‘de vítima’. Ora, façam-me o favor! Voltem ao ginásio.
Qu Rui, organizador chefe do Exército Popular de Libertação, insiste que a China respeita “as escolhas de cada país, de vir ou não vir.” É diplomacia de adultos civilizados. ARealpolitik na China acumula memórias muito, muito antigas.
Sim, é grande momento de virada para a China em ascensão, depois depois do longamente analisado “século de humilhação” pelas potências estrangeiras. E os fantoches medíocres que hoje “lideram” essas “potências” parecem empenhados em tentar humilhar a China ainda mais um pouco.
A Rússia, pelo outro lado – do governo a uma lista infindável de organizações sociais – não esqueceu todos os sacrifícios da China na luta contra o fascismo. Muitas análises russas concentram-se em torno da necessidade de Rússia e China unirem-se numa frente contra a flagrante, escandalosa falsificação cerebrada pelo ocidente, do que realmente aconteceu durante a 2ª Guerra Mundial.
Portanto, preparem-se para a usual cobertura-lixo, perpetrada pelos veículos suspeitos de sempre da mídia-empresa ocidental, a repetir que Pequim verá um horror show, contra o Japão, planejado para promover “propaganda nacionalista” e sem qualquer interesse em reconciliação.
Enquanto os cães do ressentimento ocidental ladram, a homenagem chinesa ao fim da 2ª Guerra Mundial passa.
Provavelmente Pequim exibirá seus novos mísseis balísticos intercontinentais que podem voar a velocidades supersônicas de mais de 5-6 mil milhas por hora, e os mísseis de médio alcance para até 5 mil milhas (8.046 km), além de grande quantidade de outros aparelhos para uso militar como o recém mostrado super-drone chinês.
E dia seguinte é voltar aos negócios, como os planejadores chineses já leram em folhas de chá geopolíticas e já entenderam: trata-se de OTAN plus seu vassalo Japão, versus Rússia-China.
Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.
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