O governo da Líbia tem o apoio do general Khalifa Hifter, cujas tropas controlam parte de Benghazi (Abdullah Doma/Agence France-Presse — Getty Images)
TÚNIS — Há mais de um ano, os líbios observam seus políticos se deslocando entre capitais estrangeiras em rodadas de negociações de paz, workshops e conferências, em busca de uma solução para o caos crescente no país.
Em um recente evento na capital da Tunísia, a frustração diante do lento avanço das discussões se evidenciou nas perguntas e afirmações feitas por refugiados líbios. “Somos um país pequeno e precisamos de ajuda”, disse ao embaixador americano o empresário e ativista Ahmed Werfalli. “Nós nos unimos contra a ditadura. Agora estamos matando uns aos outros.”
Os líbios lutam para descobrir como reerguer o país, depois de seu governo frágil, autocrático e repressor ter sido fraturado e ter dado lugar a facções em disputa.
Muitos líbios se refugiaram na Tunísia. Eles duvidam que a luta pelo poder se encerre, mesmo que um acordo de paz seja assinado em pouco tempo sob a égide das Nações Unidas. Pedem um envolvimento internacional maior para ajudar a por fim ao conflito.
O representante especial da ONU para a Líbia, o espanhol Bernardino León, está trabalhando por um acordo de partilha de poder entre os dois principais lados em conflito: o governo internacionalmente reconhecido, apoiado pelo general independente Khalifa Hifter, e a coalizão Aurora Líbia, que reúne revolucionários e milícias islâmicas.
O acordo prevê um cessar-fogo e o desarmamento das milícias e dos grupos armados enquanto se constroem forças de segurança nacionais. Porém, permanecem dúvidas quanto a como o plano poderia ser implementado.
Sucessivos oradores no evento em Túnis falaram da necessidade de assistência internacional para assegurar o cumprimento do acordo. Representantes das Nações Unidas dizem que seria necessária uma força de manutenção da paz. Os EUA e o Reino Unido prometeram assistência técnica e assessores para ajudar a treinar forças nacionais.
No entanto, muitos na região querem mais do que isso.
As autoridades da Tunísia querem uma coalizão liderada pelos EUA para combater a facção terrorista Estado Islâmico, que domina partes da Líbia. Um analista de segurança citou um plano para a criação de uma “zona verde” protegida na capital, Trípoli.
Os líbios avessos a uma força internacional de intervenção querem uma resolução do Conselho de Segurança e um compromisso global de que as partes em conflito serão obrigadas a cumprir o acordo. “Tememos as armas”, explicou Mahmud Shammam, editor e executivo-chefe da agência líbia de notícias Alwasat.
“Queremos uma garantia por parte das pessoas que estão nos conduzindo a esse acordo.”
Werfalli, o empresário e ativista, disse que tentou fazer a mediação entre grupos conflitantes nos meses que se seguiram ao levante contra o coronel Muammar Gaddafi, em 2011.
Ele teria tentado acabar com os choques entre legisladores e líderes milicianos que dominavam Trípoli e, por outro lado, líderes de Bani Walid, cidade que tinha sido um reduto de apoio a Gaddafi.
Werfalli contou que em 2012 conseguiu mediar um acordo, mas que os legisladores de linha dura não mantiveram a palavra e, em vez disso, lançaram um ataque contra Bani Walid.
“Eles me agradeceram por ter impedido um derramamento de sangue, mas estiveram por trás do ataque e estão por trás da disputa atual”, disse.
Quanto ao cumprimento de um acordo de paz, o empresário opinou: “Não vai funcionar”.
Werfalli, que se refugiou na Tunísia, defende que sejam lançados ataques aéreos contra as milícias mais renitentes e, em seguida, que seja enviada uma força de paz com soldados da Liga Árabe, que encontrariam aceitação entre os líbios. “O povo receberia uma força desse tipo de braços abertos”, disse, opinando que os líbios combateriam o Estado Islâmico.
A linha de frente no conflito passa pela segunda maior cidade da Líbia, Benghazi. Segundo a professora Amal S. El-Obeidi, da Universidade de Benghazi, depois de um ano de combates pesados na cidade que reduziram alguns bairros a escombros, a guerra civil deixou a população amargamente dividida.
Obeidi abandonou Benghazi depois de dois de seus irmãos terem sido sequestrados (um deles continua desaparecido), mas retornou recentemente para ajudar seus alunos a se prepararem para os exames que deveriam ter acontecido em abril de 2014, mas foram adiados por 18 meses em função dos combates.
O campus da universidade está inacessível, tendo sido ocupado por revolucionários e milícias islâmicas. Outras partes da cidade, controladas pelas forças do general Hifter, estão abarrotadas de famílias deslocadas. “À noite dá para ouvir os morteiros dos dois lados”, contou.
Obeidi defende uma reforma do Exército e das forças policiais de Gaddafi, em que os ocupantes dos postos mais altos fossem aposentados e oficiais mais jovens fossem promovidos.
O sul da Líbia, dominado pelo tráfico e por bandos islâmicos, também está dominado por conflitos étnicos. Membros da minoria tebu, no sul do país, se queixam de estar vivendo assediados em suas próprias cidades, ameaçados pelas forças do governo e por milícias e acusados de serem migrantes ou usurpadores.
Em protesto pelo desrespeito aos seus direitos como minoria, eles se retiraram do processo constitucional, unindo-se a outro grupo, o dos amazighs, que boicotou o processo desde o início.
O esforço para redigir uma nova Constituição vem sendo uma tarefa árdua e turbulenta. “A Assembleia Constituinte tornou-se vítima da desintegração do Estado”, comentou Abdulsalam Hamtoun, um dos 56 deputados que compõem a Assembleia.
O presidente da Assembleia, Ali al-Tarhouni, diz que são os líderes que disputam o poder, não o povo.
“Não tenho dúvida alguma de que o povo nunca perdeu a fé na unidade do país”, disse Tarhouni. “O povo —não a elite, os militares, as milícias ou os órgãos de mídia, mas o povo comum.”
Fonte: NY Times
Plano Brasil
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