Intervenção militar russa na Síria: Semana 1 - Noticia Final

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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Intervenção militar russa na Síria: Semana 1

Lançamento de mísseis de cruzeiro russos dos navios da Frota do Mar Cáspio para atacar as posições do Estado Islâmico na Síria
10/10/2015, The SakerUnz Review

Traduzido por Vila Vudu

A velocidade com que foi conduzida a operação militar russa na Síria foi enorme surpresa para a comunidade de inteligência nos EUA (o que não posso dizer que tenha sido culpa dela, porque eu fui igualmente colhido de surpresa). Aqui, que ninguém se engane: a força russa na Síria é bem pequena, pelo menos por enquanto, e nem de longe se parece ao que os boatos anunciavam, mas o que é realmente original, novidade, é o modo como está sendo usada: como uma espécie de “força multiplicadora de forças” para os militares sírios e como provável cobertura para os militares iranianos. É solução extremamente elegante, na qual uma pequena força alcança resultado desproporcionalmente grande. Também é estratégia bastante perigosa, porque deixa a força muito vulnerável, mas, pelo menos até agora, Putin conseguiu fazer-se entender muito claramente pelo povo russo.

Segundo números da mais recente pesquisa divulgada, 66% dos russos apoiam os ataques aéreos na Síria; e 19% são contra. Considerando-se os riscos envolvidos, são números muitíssimo bons. A popularidade pessoal de Putin alcança fenomenais 85% (todos os números, com margem de erro de 3,4%). Mas esses números indicam, na minha avaliação, que o potencial de preocupação e, mesmo, de desapontamento está presente.

A grande vantagem que Putin tem sobre qualquer presidente dos EUA é que os russos compreendem que qualquer guerra, todas as guerras, têm um custo, e, portanto, não reagem a eventuais baixas com a histeria que caracteriza as reações nos EUA e Europa. Mesmo assim, por mais que os vídeos de combates filmados à distância por drones sejam bom começo, logo, logo Putin terá de mostrar resultados mais tangíveis. Daí, provavelmente, a atual contraofensiva pelo exército sírio. Mesmo assim, a onda de triunfalismo que se hoje vê na Rússia põe-me muito nervoso.

Mas a reação no ocidente foi muito negativa, especialmente depois dos ataques com mísseis cruzadores russos (que marcaram a primeira vez em todos os tempos, em que os russos usaram sua força não nuclear mas estratégica num show de força que visava menos ao ISIL/ISIS/ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico/ que aos EUA).

Dia 8 de outubro, Ashton Carter, secretário de Defesa dos EUA, declarou:

Não cooperamos nem concordamos em cooperar com a Rússia enquanto os russos insistirem nessa estratégia errada. Temos observado comportamento cada vez mais antiprofissional nas forças russas. Violaram o espaço aéreo turco – o qual, como todos nós já deixáramos bem claro no início da semana, e reafirmamos fortemente hoje aqui em Bruxelas – é espaço aéreo da OTAN. Lançaram mísseis cruzadores de um navio no Mar Cáspio, sem qualquer aviso. Chegaram a poucas milhas de um de nossos veículo aéreos não tripulados. Iniciaram ofensiva por terra, com o regime sírio, o que destruiu a farsa de que estariam lá para combater o ISIL.

Tudo isso terá consequências para a própria Rússia, que teme, por bons motivos, ataque contra a própria Rússia. E espero também que nos próximos dias, os russos comecem a sofrer baixas na Síria (Departamento da Defesa, EUA)

Nunca, em tempo algum, representantes do Ministério da Defesa da Rússia, ao avaliar ações de militares norte-americanos e as muitas operações em que estão engajados em todo o mundo, caíram ao nível, muito baixo, de manifestarem publicamente a esperança de que soldados dos EUA morressem, nem jamais houve qualquer manifestação oficial de que alguém desejasse a morte de norte-americanos comuns.

A fala hoje divulgada do chefe do Pentágono Ashton Carter infelizmente mostra claramente o lamentável baixo nível de cultura política de alguns representantes do governo dos EUA ou, talvez eu deva dizer, do nível de cínica indiferença em relação ao resto do mundo. Tenho certeza de que nenhum general norte-americano jamais se permitiria expressar tais sentimentos.

Será que a fala de Carter lembrou-lhes outra fala? Será que vocês não estão ouvindo aí ecos repetidos da ameaça que fez o chefe da inteligência saudita príncipe Bandar bin Sultan , de que lançaria ataques do terror ‘checheno’ contra a Rússia?! No mínimo, aí está, mais uma vez, indício forte de que os EUA controlam – ou, melhor dizendo, pensam que controlam – os doidos wahhabistas e que poderiam lançá-los contra quem bem entendessem.

Há, tipicamente, dois modos básicos pelos quais o ocidente lida com qualquer operação militar russa: ou os russos são apresentados como assassinos seriais e açougueiros, ou são apresentados como estúpidos, primitivos, inefetivos.

CNN já escolheu a segunda opção e noticiou que “Alguns mísseis cruzadores lançados de um navio russo e que deveria atingir alvos na Síria espatifaram-se no Irã – informaram na 5ª-feira, à CNN, dois funcionários dos EUA“.[1] Imediatamente os dois países, Rússia e Irã, desmentiram a ‘notícia'; nem o Departamento de Estado nem o Pentágono quiseram comentar o noticiário.
Maria Zakarova, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia reagiu com desgosto ao noticiário inventado, e escreveu em sua página de FB :

Acabo de ler as notícias de CNN, para quem “mísseis cruzadores russos caíram no Irã”. Será que escrevem essas coisas porque se sentem impotentes? Ou então… por quê? Quanto às repetidas referências a “fontes” são como canos que trazem esgoto a todas as torneiras.”

Claramente, os russos não gostaram das reações dos EUA, infantiloides e patéticas, à operação militar russa. Quanto aos funcionários e oficiais dos EUA, parecem sem saber o que fazer na sequência.

Mas essas reações podem ser enganosas: fato é que o “jogo” está muito longe de decidido.
Como escrevi em coluna recente, a ideia de que a Rússia teria estabelecido uma zona aérea de exclusão sobre a Síria é absolutamente falsa: 4 SU-30MS, mesmo apoiados por 6 SU-34s, não bastam para estabelecer nenhum tipo de zona aérea de exclusão. A real missão desses SU-30MSs é proteger a Força Aérea Russa contra jatos turcos ou israelenses super zelosos; servem para isso, não para estabelecer alguma zona aérea de exclusão.

De fato, segundo o comandante da operação da Força Aérea dos EUA na Síria, os EUA estão voando muitas missões a mais, que os russos. O que ele não disse é que a maioria delas não ataca terrorista algum; e todas as operações russas têm alvo e acertam os alvos. A verdade é que… é como comparar maçãs e laranjas. A Força Aérea dos EUA pode voar quantas ‘missões’ quiser, mas só a Força Aérea russa opera em íntima coordenação com as forças sírias e iranianas, em solo.

O que mais me preocupa é essa gente, dos dois lados, que gosta de cantar vantagens ‘de balcão’ e diz coisas como “norte-americanos e russos nunca se atreveriam a atacar aviões russos e norte-americanos”. É extremamente perigoso pensar e falar desse modo sobre o que está em andamento, porque assim se ignora toda a evidência histórica dos muitos tomadores de decisões que tomaram as mais estúpidas decisões, apenas para não aparecer como humilhado pelo outro lado (Ehud Olmert, em 2006, é o caso que vem imediatamente à cabeça).

A evidência de que Obama e os EUA aparecem hoje perfeitamente desentendidos e sem saber como agir é agradável, claro; mas é potencialmente muito perigosa.

A boa notícia é que, pelo menos por enquanto, nem Rússia nem os EUA estão-se ameaçando diretamente, não, pelo menos, no nível militar. Tudo sugere que a Força Aérea dos EUA optou por um “raio de evitação” de 20 milhas; e, embora os russos nada tenham declarado sobre isso, tenho certeza de que prestarão muita atenção para não interferir com os norte-americanos, mais ainda para não ameaçá-los diretamente. Mesmo assim, a situação toda é inerentemente perigosa.
Dado que essa é zona de combate real, não simples área de patrulha em tempo de paz, as aeronaves russas e norte-americanas têm de usar modos de radar normalmente associados a intenção hostil: não só varrer os céus à procura de inimigo potencial, mas também detectar a seguir aeronave suspeita. É situação muito delicada, porque, depois que um radar ‘captura’ uma aeronave no radar e passa a rastreá-la ativamente,[2] a única coisa que o piloto precisa fazer para atacar é pressionar um botão.

Quanto ao piloto da aeronave que tenha sido ‘capturada’ no radar e esteja sendo rastreada, é o mesmo que ter uma arma apontada para a cabeça – qualquer um fica nervoso. Para piorar tudo, aviões modernos podem rastrear-se uns os outros sem usar esses modos do radar, e todos podem mascarar os próprios sinais de radar, mas isso só faz aumentar a tensão. E é precisamente porque EUA e Rússia são potências nucleares que é crucialmente importante que nem um lado, nem o outro, invista na ideia de que o outro ‘piscará primeiro’, ou em algum Jogo da Franga.

Políticos podem ceder a esse tipo de estupidez, mas espero que os generais dos dois lados façam tudo que possam para evitar situações desse tipo. No momento, a situação parece estar sob controle, mas pode piorar muito rapidamente. Esperemos que o Pentágono e o Alto Comando Russo cheguem logo a algum acordo para a “desconflitação” [orig. de-conflicting].

Há vários indícios de que o Irã estaria preparando grande intervenção na Síria. Há relatos de várias fontes e considero-as confiáveis porque não verossímil que a atual intervenção russa, muito limitada, tenha sido concebida para mudar o tempo da guerra, não, com certeza, só a intervenção.
Repito, insisto que a intervenção russa é muito limitada. 12 SU-24Ms, 12 SU-25SMs, 6 SU-34s e 4 SU-30SMs não são uma grande força, mesmo que conte com apoio de helicópteros e mísseis cruzadores. Sim, a força russa foi muito efetiva no sentido de aliviar a pressão sobre o front noroeste e permitir uma contraofensiva do exército sírio, mas isso, por si só, não porá fim à guerra. Por um lado, se as coisas ficarem realmente feias, os doidos do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico podem simplesmente repetir o que já fizeram no passado: atravessar a fronteira para a Turquia, Jordânia e Iraque. 

Além do mais, ninguém consegue manter território, se permanece no céu. Para tanto, são indispensáveis os “coturnos em solo” e não há coturnos russos a caminho – Putin já disse isso, bem claramente (embora, sim, tenha deixado aberta uma pequena porta para mudar de estratégia no futuro, ao dizer que nenhuma intervenção em solo estava prevista “nos planos atuais”).
Seja como for, qualquer tipo de intervenção será fantasticamente difícil de vender ao povo russo, exceto talvez intervenção muito pequena e muito rápida. Mas continuo a crer que não acontecerá. Minha aposta é o Irã. Ok, quando digo “Irã” digo Irã e seus aliados, inclusive o Hezbollah, mas não necessariamente sob uniforme iraniano.

O mais provável é que iranianos e sírios quererão manter oculto, pelo maior tempo possível, a magnitude do envolvimento iraniano. Mas, claro, não conseguirão enganar EUA, Turquia e Israel por muito tempo, não, principalmente, se houver envolvimento de uma grande força iraniana.
Por tudo isso, a grande pergunta, na minha opinião, é: o que farão os EUA se (quando?) o Irã intervier na Síria?

A maior probabilidade é que os iraquianos pedirão ajuda da Rússia para derrotar oISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico exatamente no instante em que os iranianos se movimentarem. Se os russos concordarem, e tudo indica que concordarão, a Força Aérea Russa, sim, estará dando cobertura aérea às forças iranianas que se movimentarão pelo Iraque, rumo à Síria. Meu palpite é que os russos tentarão obter alguma Resolução do Conselho de Segurança da ONU que permita intervenção internacional na Síria, ou, se não conseguirem, tentarão algum tipo de acordo com os EUA. Mas essa via será terrivelmente difícil, porque os neoconservadores estarão completamente ensandecidos, caso os iranianos façam mesmo algum grande movimento rumo à Síria.

Nesse momento, a Força Aérea Russa não têm os recursos necessários para apoiar algum movimento iraniano na Síria; essa pode ser a razão para o ressurgimento do boato sobre “6 MiG-31s” a caminho da Síria. Pessoalmente, não vi nenhum sinal disso, não, pelo menos, de nenhuma fonte nem medianamente confiável; mas se realmente acontecer, isso, sim, será fator para completa mudança no jogo. Porque uma coisa é certa: os  MiG-31s nunca serão usados contra ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico, nem, sequer contra uns poucos jatos turcos ou israelenses. Se os MiG-31s algum dia aparecerem nos céus sírios, o objetivo será controlar e manter o controle sobre o espaço aéreo sírio; e isso, sim, implica ameaça direta e crível contra EUA e aliados. O mesmo vale para o deslocamento real dos S-300s.

Graças a Deus, ainda não chegamos a isso. Mas, a menos que o exército sírio realize ofensiva extremamente bem-sucedida contra ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico, é muito provável que ocorra intervenção iraniana de grandes proporções. E aí, sim, as coisas ficarão realmente muito perigosas.
Enquanto isso, a OTAN está ocupada com declarações grandiloquentes sobre estar “pronta para defender a Turquia“, e McCain declara que EUA e Rússia estão engajadas em “guerra por procuração“. Todos devemos agradecer por essas espalhafatosas emissões de vapor, porque, esperemos, enquanto os líderes ocidentais sentirem que essa sua conversa fiada lhes dá credibilidade, não se sentirão tentados a tomar outras atitudes realmente estúpidas e perigosas.
Definitivamente, vivemos tempos de perigo.

[assina] The Saker

Oriente Mídia

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