19/11/2015, Pepe Escobar, RT
Tradução Vila Vudu
A essa altura, o chamado Estado Islâmico já deve ter aprendido: meteram-se com os caras errados. Entramos em território de “não se carregam prisioneiros”. Agora, a Rússia tirou a luvas.
Especialmente depois que Dabiq, revista online de terroristas, publicou uma foto de uma bomba que seria idêntica à que derrubou o Metrojet: aparelho primitivo, numa lata de Schweppes Gold, posto sob o assento de um passageiro. Também publicaram fotos supostamente feitas “pelos mujahedeen”, de passaportes de vítimas russas.
O destino coletivo deles foi selado no minuto que o Diretor do Serviço Federal de Segurança Aleksandr Bortnikov disse ao presidente Putin, sobre o desastre do Metrojet, dia 31 de outubro no Egito, que “Podemos afirmar com confiança que foi ato terrorista.”
Os bandidos do ‘califato’ podem mandar nos desertos e para lá dos desertos do “Siriaque” – mas não conseguirão esconder-se. A mensagem da presidência da Rússia foi clara: “Encontraremos e puniremos esses criminosos. Faremos isso, sem prazo para concluir a missão. Descobriremos todos os nomes, de todos. Caçaremos cada um e todos onde estejam, não importa onde se escondam. Encontraremos todos em qualquer local do planeta e os castigaremos.” A mensagem vem com estímulo extra: recompensa de $50 milhões de dólares oferecida pelo FSB, por qualquer informação que leve aos perpetradores da tragédia do Sinai.
A mensagem de Putin foi imediatamente vertida para heavy metal, na forma de massiva, impressionante barragem de fogo russo sobre 140 alvos no ‘califato’, atacados com 34 mísseis cruzadores lançados do ar e ação furiosa dos bombardeiros estratégicos Tu-160, Tu-22 e do Tu-95MC ‘Urso’. Foi a primeira vez que os bombardeiros russos estratégicos de longo alcance foram empregados desde a jihad afegã dos anos 1980s.
E mais virão – para serem alocados na Síria; deslocamento extra de 25 bombardeiros estratégicos, oito jatos de ataque Su-34 ‘Fullback’ e quatro Su-27 ‘Flanker’.
Já na reunião do G-20 em Antalya, Putin revelara espetacularmente a lista dos que contribuem para financiar o Daesh – lista completa, com “exemplos baseados em nossos dados sobre o financiamento, por indivíduos privados, de diferentes unidades [do Daesh].”
O detalhe-explosão: o dinheiro do Daesh, “como já determinamos, vem de 40 países e há entre eles vários membros do G20″ – disse o presidente Putin. Não é preciso ser gênio da Caltech para adivinhar quais são esses membros. Melhor que levem a sério a mensagem de “podem correr, mas não conseguirão se esconder”.
Além disso, Putin desmontou – com provas – à frente de todo o G20, o mito de que alguma Washington estaria seriamente engajada em alguma luta contra o Daesh: “Mostrei aos nossos colegas fotos tiradas do espaço e de aviões, que demonstram claramente a escala do contrabando de petróleo.” Falava da frota de caminhões tanques nos quais o Daesh contrabandeia petróleo, mais de mil caminhões.
Na sequência, trabalhando aparentemente a partir da inteligência de satélites russos, o Pentágono, miraculosamente, deu jeito de encontrar uma fila de caminhões tanques que se estendia “além do horizonte”, pela qual os terroristas contrabandeiam petróleo sírio. Então sim, bombardearam devidamente 116 caminhões tanques. Foi a primeira vez. E, isso, em mais de um ano, tempo durante o qual a Coalizão dos Oportunistas Finórios (COF) estaria, teoricamente, combatendo contra o Daesh. Antes, o único bombardeiro contra os caminhões tanques que jamais aconteceu foi obra da Força Aérea Iraquiana.
A “estratégia” dos EUA, que Obama pôs em modo turbo recentemente, é bombardear a infraestrutura (envelhecida) do petróleo sírio, atualmente expropriada e explorada pelos terroristas do Daesh. Tecnicamente, é propriedade de Damasco e portanto pertence “ao povo sírio”.
Mesmo assim Washington sempre pareceu até hoje mais focada, à moda do capitalismo de desastre, em outro “povo”, que teria muito dinheiro a ganhar reconstruindo a infraestrutura devastada da Síria, no caso de o golpe de “Assad tem de sair” funcionar.
Mais uma vez, a Rússia foi direto ao ponto. Bombardear a rede de transporte – os comboios de caminhões carregados de petróleo contrabandeado, não a infraestrutura instalada do petróleo. Assim, com o tempo, os contrabandistas de petróleo terão de cair fora do business.
A razão chave pela qual o governo Obama jamais antes pensara nessa possibilidade é a Turquia. Washington precisa de Ancara, membro da OTAN, para continuar a usar a base aérea de Incirlik. E há a sensibilíssima questão de quem lucra com a operação de contrabando de petróleo do Daesh.
Gursel Tekin, do Partido Socialista Turco já provou que o petróleo contrabandeado pelo Daesh é exportado para a Turquia pela BMZ, empresa de navios controlada por ninguém menos que Bilal Erdogan, filho do “Sultão” Erdogan. No mínimo, é violação da Resolução n. 2.170 do Conselho de Segurança da ONU. À luz da mensagem de Putin – de que irá à caça de qualquer entidade envolvida no processo de facilitar a operação do Daesh, o clã Erdogan bem fará se tratar de providenciar alguma desculpa bem boa.
Aquele campo jihadista de alto treinamento
A jura de Putin, de que caçará toda e qualquer entidade que facilite/colabore com o Daesh, implica logicamente toda uma viagem no tempo de volta a ‘Shock and Awe 2003′ [Choque e Pavor 2003]: as bombas, a invasão e a ocupação do Iraque, que criaram as condições para o estabelecimento da Al-Qaeda no Iraque, “dirigida” por Abu Musab al-Zarqawi até 2006.
O passo significativo seguinte foi Camp Bucca, perto de Umm Qasr no sul do Iraque: uma mini-Guantánamo onde pelo menos nove membros do que viria a ser a metástase da al-Qaeda – o Estado Islâmico (EI) – se encontraram.
O ISIS/ISIL/Daesh nasceu numa prisão norte-americana. Abu Bakr al-Baghdadi, codinome Califa Ibrahim cumpriu pena lá, assim como o ex-número dois do Daesh, Abu Muslim al-Turkmani e, principalmente, o teórico que concebeu todo o Daesh: Haji Bakr, ex-coronel da Força Aérea de Saddam Hussein.
Jihadistas salafistas de linha-duríssima encontraram-se com ex-notáveis do Partido Ba’ath e descobriram um objetivo comum: uma oferta que o Pentágono não poderia recusar e que o Pentágono, de fato – deliberadamente – deixou prosperar. A Guerra Global ao Terror, afinal, é uma “Guerra Sem Fim” cunhada por Cheney-Rumsfeld.
A obsessão com mudança de regime do governo neoconservador dos EUA acabou por reforçar o alcance do Daesh na Síria.
Todo o processo exibe múltiplas ramificações de loucura imperial, passada e futura, que se podem identificar como fragmentos de uma bomba suicida: dos mujahedeen treinados/armados pela CIA, encharcados de wahhabismo (“combatentes da liberdade de Reagan”) metastaseando-se em ‘Al-CIA-ada’, até Hillary Clinton a admitir que a Arábia Saudita é fonte top do financiamento para os terroristas.
Paris 2015 – assim como Sinai 2015 – é essencialmente efeito colateral de Bagdá 2003. Putin sabe disso. Por enquanto, a tarefa é esmagar toda aquela prole imperial híbrida, de uma vez por todas.
Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.
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