Esteja essa tragédia diretamente ligada à guerra na Síria, ou não, não há dúvidas de que o desastre do voo Kogalymavia 9268 foi o principal evento da semana passada. Já escrevi sobre esse assunto, e não voltarei a ele em detalhes agora. Apenas repito que minha conclusão pessoal é que a tragédia não terá impacto na operação russa na Síria nem afetará a situação política dentro da Rússia. Quanto à causa da tragédia, há indicações crescentes de que ambos os serviços de inteligência, ocidental e russo, trabalham com sobre conclusão tentativa de que, sim, foi uma bomba. Na 6ª-feira, o chefe do Serviço Federal de Segurança recomendou o cancelamento de todos os voos para o Egito e que todos os cidadãos russos fossem evacuados do Egito (são cerca de 70 mil pessoas). Vários países da União Europeia tomaram medidas similares.
Houve contudo outro desenvolvimento interessante, mas menos noticiado essa semana, na operação russa na Síria: os russos, em silêncio, mas muito efetivamente, estão-se “entrincheirando” [orig. “digging in”].
Pela primeira vez, a Rússia declarou oficialmente que unidades de defesa aérea estão-se deslocando também, com as forças russas. Até agora, o peso maior pela defesa aérea está com a Marinha Russa e, especificamente, com os navios equipados com a variante naval do sistema S-300 de mísseis. Não é solução ótima, não só porque põe o peso de defender, do mar, ativos baseados em terra, manietando a força expedicionária naval russa, mas também porque essa solução só “cobriu” cerca de metade da Síria.
O uso do míssil cruzador teleguiado Moskva foi medida tapa-buraco concebida para proteger a força russa em Latakia, mas agora já parece que foram designadas unidades dedicadas de defesa aérea. O mais provável é que sejam versões com base em terra dos mísseis S-300, possivelmente em combinação com sistemas pontuais de defesa como o Pantsir-S1 e outro, de alcance mais curto,Manpads, como o 9K338 Igla-S e o 9K33 Verba avançado.
Também há relatos que indicam que os russos deslocaram para a região unidades muito sofisticadas de guerra eletrônica, incluindo os sistemas top de linha Krasukhka-4 EW que estão entre os mais sofisticados sistemas EW de telefonia móvel jamais construídos e são reconhecidamente capazes de invadir e misturar sistemas de satélites no espaço e de Alerta e Controle Aeroembarcados [orig.Airborne Warning And Control System, AWACS]. Acrescente a isso a presença dos SU-30SMs nos céus, e você terá força capaz de controlar todos os céus sírios.
Se lhes perguntarem sobre os funcionários russos, deem uma bela resposta: disseram que esses sistemas de defesa aérea foram deslocados para onde hoje estão, para o caso de ser usada alguma aeronave sequestrada, para tentar atacar a base aérea russa em Latakia. Certo.
O real objetivo desses esforços vai-se tornando óbvio: a Rússia está tentando negar aos EUA a possibilidade de controlar os céus sírios e, até agora, pouco há que os EUA possam fazer (que não implique iniciar a 3ª Guerra Mundial). Além do mais, os russos também estão enviando mensagem clara à Turquia, França e Israel – países os quais, os três, em diferentes momentos e de diferentes modos, indicaram que desejam usar o espaço aéreo sírio para objetivos só deles.
Também há notícias recentes sobre o envio, para a Síria, de soldados das Forças Especiais da Rússia. O WSJ sugeriu que essas forças receberiam as tarefas de ligação com a inteligência síria e atuariam como controladores aéreos avançados [orig. forward air controllers (FACs). Pessoalmente, vejo mais uma importante tarefa para essas unidades: pré-posicionar depósitos secretos de combustível para os helicópteros russos, necessários no caso de ser preciso resgatar pilotos russos no leste da Síria (unidades deSpetsnaz russas criavam esses esconderijos de combustível no sul do Afeganistão durante a guerra).
Observem o raio de combate dos helicópteros russos na Síria. Idealmente, uma missão de busca e resgate empregaria os dois itens, um helicóptero de ataque dedicado como o Mi-24 e um helicóptero multifuncional como o Mi-17, o primeiro dando cobertura e proteção ao segundo. Também seria possível ter SU-25s protegendo Mi-17s, mas mesmo a melhor versão concebível teria sempre de ter base para reabastecimento, escondida, em algum ponto bem fundo no território nominal do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico, para ampliar o alcance das equipes de resgate.
Algumas fontes ocidentais creem que as Forças Especiais da Rússia podem também receber missões de ação direta. É perfeitamente possível, e essas missões são a especialidade das Forças Spetsnaz GRU. Mesmo assim, a missão básica sempreserá missão de reconhecimento especial e, embora possam ser usadas para destruir alvo de alto valor para oISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico (material ou humano), provavelmente ninguém jamais ouvirá falar delas.
Garantido, é que os russos estão aumentando firmemente suas capacidades na Síria; e a presença russa aumenta rapidamente, de força pequena e vulnerável, para força muito mais equilibrada e capaz.
Os sírios, enquanto isso, parecem estar alcançando os primeiros sucessos reais na sua contraofensiva. Embora as forças do governo sírio tenham estado a empurrar lentamente para trás forças do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico em vários fronts, esse progresso, até agora, ainda não conseguiu uma abertura operacional. Pode estar acontecendo agora, com a muito esperadareabertura da rodovia para Aleppo.
O principal problema para os russos ainda é que os militares sírios não conseguiram obter avanços significativos, capitalizando a favor deles a intervenção russa. Isso se explica por ampla combinação de fatores, inclusive pelo fato de os militares sírios estarem super distendidos e sem condições para concentrar tropas num só ponto, para alcançar uma abertura significativa; além disso, os terroristas do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico estão bem entrincheirados e têm resistido – e disso não há dúvidas –, com determinação e habilidade. Mesmo assim a campanha aérea russa está desgastando as capacidades do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico, e é possível que, adiante, resulte daí um repentino colapso das linhas do ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico num ponto crítico do front. Por exemplo, o exército sírio está, segundo relatos recentes, a apenas poucas milhas de libertar a base aérea militar de Kuweyres; ainda que o avanço seja muito lento, é razoável esperar que os sírios conseguirão romper o sítio queISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico mantém em torno desse objetivo crucialmente importante. Assim também, Djobar, arredores de Damasco, está sendo gradualmente limpa, em operação lenta, mas bem-sucedida.
Tudo considerado, estou muito cautelosamente otimista e continuo a esperar por uma vitória operacional para os sírios. Se não acontecer, iranianos e o Hezbollah terão de mandar para lá forças muito maiores.*****
Naval Brasil
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