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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Análise: Turquia ruma para se tornar a próxima Síria?

POR O GLOBO

13/01/2016 ÀS 07:06 AM

Protestos se espalharam pelo país e foram respondidos com truculência pelo governo — mas não silenciados, o descontentamento da população é latente. A oposição se organiza em linhas sectárias; em algumas regiões, arma-se. No Sudeste, rebeldes com antigas demandas por direitos e um histórico de levantes reprimidos pelo governo intensificam a luta pela independência, beneficiados por armas e dinheiro que fluem do Ocidente para uma guerra vizinha, enquanto fundamentalistas islâmicos sustentados com petrodólares atacam os alicerces do poder central e da economia com atentados terroristas letais contra civis. Era este o cenário da Síria em 2011. E é o da Turquia hoje — agravado pelo influxo de dois milhões de refugiados.
Alertas vindos de Ancara têm sido largamente ignorados pela comunidade internacional. Mas até os mais desatentos enxergam os sinais da fumaça no horizonte.

Principais aliados dos Estados Unidos no Iraque e na Síria e responsáveis pelos maiores avanços contra o Estado Islâmico (EI), os curdos estão em alta — assim como sua capacidade de recrutar e transferir dinheiro e armas para a Turquia — e mais próximos da nação independente que almejam. Com apoio militar do Ocidente, as Unidades de Proteção do Povo (YPG, na sigla em curdo) já controlam território sírio do tamanho do Kuwait e do Qatar, onde estabeleceram governo semiautônomo nos moldes do Curdistão iraquiano. Nas trincheiras contra o EI, sua ligação com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que luta pela independência da Turquia, é evidente.

A insurgência, antes restrita a vilarejos rurais, alastrou-se para as cidades e vem se intensificando há meses, com uma violenta resposta militar de Ancara. Confrontos quase diários já levaram à morte dezenas de civis. Em novembro, o advogado e ativista por direitos humanos Tahir Elçi foi morto diante das câmeras após uma entrevista coletiva em que defendia o fim dos confrontos em áreas urbanas com alta densidade populacional. Em dezembro, o Ministério da Educação ordenou o fechamento de três mil escolas em áreas curdas e retirou os professores. E pelo menos sete cidades — onde vivem 1,3 milhão de habitantes — estão sob toque de recolher, segundo a Fundação de Direitos Humanos da Turquia.

Tais eventos praticamente não chegaram à imprensa internacional, porque revelar a situação não interessa a ninguém — seria uma exposição de fraqueza para o presidente Recep Tayyip Erdogan e obrigaria o Ocidente a posicionar-se, quando não pode se dar ao luxo de abrir mão da Turquia ou dos curdos para vencer o EI.

Os terroristas, que vêm perdendo território para os curdos na Síria e no Iraque, só têm a ganhar com a instabilidade da Turquia. A explosão no coração do histórico Sultanahmet, o distrito mais turístico de Istambul, ontem, foi o terceiro ataque em seis meses. Em julho, 32 pessoas morreram em uma explosão em Suruc, na fronteira síria; em outubro, um duplo atentado na capital, Ancara, deixou cem mortos.

Erdogan responsabilizou o EI pelo ataque de ontem, mas declarou, ao mesmo tempo, que isso “não importa” porque não vê diferença entre este e o PKK. Mas importa e muito. Importa porque os curdos são as principais forças terrestres contra o EI, e o território sob seu controle é precisamente a longa faixa de fronteira com a Turquia. Qualquer engajamento de Ancara na Síria será retórico sem que envolva um acordo com o PKK. A obsessão de Erdogan com os curdos alimenta o sectarismo e o nacionalismo religioso, o que, por sua vez, fortalece grupos islamistas radicais. Além disso, desde os protestos de 2013 e, principalmente, após assegurar maioria nas eleições de junho, o presidente tem sido implacável contra a oposição secular e a mídia independente. Nós sabemos exatamente no que essa fórmula pode dar.

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