27/1/2016, Pepe ESCOBAR, Strategic Culture Foundation
Traduzido por Vila Vudu
Xi veio, Xi viu, Xi papou todos os negócios que realmente interessam. O tour do presidente chinês Xi Jinping pelo sudoeste asiático – Arábia Saudita, Irã e Egito – pode ser facilmente vendido em qualquer canto do mundo como aquele típico estilo chinês de ganha-ganha.
Na arena das Relações públicas, Xi fez serviço de primeiríssima, acrescentando lustro e brilho extras à imagem da China como potência global. Pequim acertou todas, diplomaticamente, em todas as frentes e sob quaisquer critérios, acrescentando camadas e mais camadas de segurança energética (mais de metade do petróleo da China virá do Golfo Persa), ao mesmo tempo em que expande mercados para as exportações chinesas e as relações comerciais do país, em geral.
No Irã, Xi supervisionou a assinatura de 17 acordos político-econômicos, ao lado do presidente Hassan Rouhani do Irã. Mais um golpe diplomático certeiro: Xi foi o segundo líder de país membro do Conselho de Segurança da ONU a visitar Teerã depois de firmado o acordo nuclear em Viena, no verão passado; o primeiro foi o presidente Putin, da Rússia, em novembro. A observar, a crucial interação Rússia-China-Irã.
Para deixar tudo absolutamente claro, Xi fez uma declaração imediatamente antes de chegar a Teerã, confirmando o apoio de Pequim ao ingresso do Irã como membro da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Assim se solidifica, para o bem, esse trio de parceiros estratégicos a trabalharem pela futura integração da Eurásia.
Claro, todo esse processo circula em torno de “Um Cinturão, Uma Estrada”, nome oficial chinês da visão “Nova Rota da Seda”, amplíssima, enorme. Nenhum outro núcleo, além de Rússia-China, oferece tal potencial em termos de cooperação bilateral; o Irã, assim como quando a antiga Rota da Seda unia a China Imperial e a Pérsia Imperial, é o entroncamento capital que une a Ásia com a Europa.
A caravana high-tech de Xi parou primeiro na Arábia Saudita e no Egito – no mundo árabe. A mensagem de Xi não teria como ser mais translucidamente clara “Em vez de buscar ‘procuradores’ no Oriente Médio, nós promovemos conversações de paz; em vez de buscar qualquer esfera de influência, chamamos todos os partidos a se unirem no círculo de amigos para a iniciativa Cinturão e Estrada”.
Como Xi ainda estava, oficialmente, em terras árabes, Pequim lançou oficialmente um “Documento sobre [nossa] política árabe“. É o primeiro do gênero, traçando a história da interação China-Mundo Árabe desde a antiga Rota da Seda até a criação do Fórum de Cooperação Estatal Sino-Árabe [orig. Sino-Arab State Cooperation Forum], em 2004. E mesmo antes de falar à – fraturada – Liga Árabe no Cairo, Xi enfatizou mais uma vez: o que interessa à China é cooperação “ganha-ganha” por todos os lados.
Tradução: business, business, business. E nada de interferência chinesa na esfacelada política do Oriente Médio.
A ofensiva diplomática de Xi, desdobramento colateral de “Um Cinturão, Uma Estrada”, tem o objetivo de, nada menos, reconfigurar o Movimento dos Não Alinhados – do qual a China é empenhado defensor e divulgador global – no contexto da emergente nova arquitetura financeira, centrada na globalização do yuan.
Aí se incluem o push para que o yuan passe a ser moeda mundial de reserva; e mecanismos como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, BAII [Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)] e o Fundo Rota da Seda, muito mais afinados com as necessidades do mundo em desenvolvimento que o FMI, o Banco Mundial e, inclusive, que o Banco Asiático de Desenvolvimento [Asian Development Bank (ADB)].
Relação ganha-ganha, para a China, no que tenha a ver com o Oriente Médio Árabe implica preços de commodities chaves denominados em yuan – desenvolvimento de longo prazo, mas, na essência, inevitável. E Pequim tem os olhos postos não só na Arábia Saudita, mas em todo o Conselho de Cooperação do Golfo, CCG – o qual é o centro financeiro de facto para África, onde a China tem presença massiva, com a África Ocidental, além do mais, conectada à Rota Marítima da Seda.
O boom e respectivas desvantagens
O Irã pós-sanções, chegado extenuado até ali, só tem a ver com (re)integração em largas fatias da economia global. Mas a China já estava no Irã, mesmo antes de as sanções serem levantadas.
O Irã quer aumentar a produção petroquímica, até 2025, para 180 milhões de toneladas. O investimento chinês será chave. Segundo relatório recente feito pelo grupo escocês Wood Mackenzie de pesquisa e consultoria global em questões de energia, minérios e mineração, o Irã pode atrair cerca de $70 bilhões, para seus projetos petroquímicos.
No front de energia alternativa, o Irã tem capacidade para gerar 40 mil megawatts (MW) de energia elétrica, a partir do aproveitamento de seus recursos de vento e sol. Não pode haver dúvidas de que empresas chinesas lá estarão.
Como estado-membro do Tratado de Não Proliferação, o Irã continuará a usar energia nuclear para finalidades pacíficas. Empresas chinesas já são parceiras no projeto de redesenhar o reator Arak de água pesada, e estarão envolvidas na produção de isótopos para finalidades médicas e dessalinização de água do mar.
Também são absolutamente certos outros investimentos em mineração. Segundo o World Mining Congress (WMC), China e Irã foram 1º e 10º maiores produtores de minério no mundo, em 2013. O Irã tem mais de 7% de todas as reservas confirmadas de minério do mundo, mas apenas 20% delas já estão em desenvolvimento. Estrangeiros têm agora licença para operar minas iranianas por 25 anos – e a China lá estará.
Um Cinturão, Uma Estrada tem a ver, sobretudo, com a ferrovia para trens de alta velocidade. Assim sendo, não é surpresa que a remodelação e a expansão da rede de ferrovias iranianas seja item essencial da Declaração Conjunta sobre Ampla Parceria Estratégica entre Irã e China.
Claro que os avanços ao longo da(s) Nova(s) Rota(s) da Sede não se darão sem incontáveis obstáculos.
Ninguém ainda conhece todos os detalhes da parceria estratégica Irã-China; Teerã não se contentará com servir só como via de trânsito para as exportações chinesas: quer ser parceira chave transeurasiana. A China é membro da Organização Mundial do Trabalho; o Irã ainda não é membro-pleno. A China está no centro de muitos acordos comerciais, e o Irã só participa de alguns poucos acordos.
Cooperação com os “-stões” da Ásia Central pode ser façanha dificílima – dado que alguns, como o Uzbequistão, são muito ‘exclusivos’ quanto às próprias práticas econômicas. E uma relação complexa, multivetorial, entre Teerã e Ankara ainda é trabalho em andamento; a Turquia, afinal, conecta fisicamente a Ásia à Europa.
Mestres geoestrategistas
Em termos geopolíticos, quem determinou o tom ao encontrar-se com Xi, foi o Supremo Líder do Irã, Aiatolá Khamenei. A China, disse o Supremo Líder, é país “merecedor de toda a confiança”; o estabelecimento de “relação estratégica de 25 anos é plenamente correto e acertado”; e por último, mas nem por isso menos importante, “a República Islâmica do Irã jamais esquecerá a cooperação que recebeu da China, durante os anos das sanções”.
De modo sutil, mas muito firme, o Aiatolá Khamenei não deixaria de se referir à absoluta diferença que há entre Irã e Arábia Saudita, na área absolutamente crucial – para a China – da segurança energética: “O Irã é o único país independente na região no qual todos os demais países podem confiar na área de energia, porque, diferente de muitas outras, a política energética do Irã não sofre qualquer influência de fator não iraniano”.
Resumo da história é que, para Pequim, uma parceria estratégica com o Irã é questão vital de segurança nacional. Ainda mais que isso, em termos geoestratégicos, Pequim vê o Irã como entroncamento-eixo essencial no Sudoeste da Ásia e na Eurásia, o que serve como contrapivô ao “pivô” norte-americano e à hegemonia naval dos EUA, que Washington tanto propagandeia. Isso implica pleno apoio de Pequim a um Irã poderoso, no arco que se abre, do Golfo Persa ao Mar Cáspio: todas essas rotas terrestres e marítimas – que interessam ao projeto Nova Rota da Seda – são vitalmente importantes para a China.
Não há visão de Nova Rota da Seda que se realize plenamente, sem ampla e abrangente parceria estratégica Irã-China. Xi e a liderança em Pequim não cuidaram só de solidificar essa parceria: num amplo movimento de varredura. Eles como que a empurraram um degrau para cima e ampliaram o escopo do que alguns analistas iranianos definem como a teoria de Khamenei, do “realismo defensivo” para relações internacionais, e converteram a parceria em um anel de proteção de facto em torno de interesses geoestratégicos da China.
Movimento magistral. E está tudo andando conforme o plano (de Pequim). O próximo passo é o Irã como membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai. Integração eurasiana, aqui vamos nós.
Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.
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