9/1/2015, Elijah J. Magnier, Elijah J. Magnier Blog
Traduzido por Vila Vudu
Há muita especulação sobre os motivos pelos quais Rússia, Síria, Irã e o “Hezbollah” libanês atacam principalmente, embora não exclusivamente, o ‘braço’ da al-Qaeda conhecido como Frente al-Nusra e seus aliados dentro da oposição síria, muito mais que o chamado ‘Estado Islâmico’, “ISIS“, “ISIL“, “EI” ou “Daech“.
Durante anos, muitos analistas do Oriente Médio acreditaram firmemente que haveria alguma espécie de “aliança entre Assad e Abu Bakr al-Baghdadi, líder do ISIS“. Esse tipo de ignorância da dinâmica política do Oriente Médio emana de persistentes “teorias conspiracionais” que ainda conseguem afetar até os mais prestigiosos veículos da mídia-empresa em todo o mundo.
De fato, o comando do Exército Sírio e agora seus aliados têm evitado confrontar diretamente o ISIS em várias ocasiões e em várias frentes. Em poucas palavras, o que se diz é que o ISIS não passaria de “marionete”; e que, por isso, seria “muito mais fácil e menos urgente de derrotar, que a al-Qaeda na Síria”.
É verdade que, como outros atores chaves no Oriente Médio, os EUA muito se beneficiaram, por várias razões, da presença e da expansão do ISIS na Síria e Iraque. Mas o mesmo se pode dizer de Assad e seus aliados, e nenhuma daquelas ‘explicações’ explicava cabalmente coisa alguma.
No que tenha a ver com o governo sírio e aliados, a primeira explicação consistente veio afinal de um alto membro do comando da sala de operações conjuntas em Damasco, onde trabalham juntos Rússia, Síria, Irã e o Hezbollah libanês (“3+1″):
“As razões que levam o regime sírio e aliados a não concentrarem todos os esforços contra o ISIS são múltiplas. As mais importantes são:
“As razões que levam o regime sírio e aliados a não concentrarem todos os esforços contra o ISIS são múltiplas. As mais importantes são:
– ISIS é, por hipótese, o inimigo de todos os países e organizações. Muitos decisores na região e em todo o mundo consideram ISIS um vírus a extinguir e que será extinto mais cedo ou mais tarde. E muitos países regionais envolvidos na guerra na Síria preferem manter distância e evitam envolver-se com o ISIS. ISIS é, pois, sim, problema de muitos.
– ISIS não tem horizonte político regional ou internacional. Assim sendo, o grupo está excluído de qualquer possível acordo para a Síria, Iraque ou para qualquer país onde estejam ativos. Sobretudo, o ISIS trabalha muito empenhadamente para fazer e atrair o maior número possível de inimigos, atacando todas e quaisquer organizações que não se rendam ao comando deles, até quem partilhe a mesma religião e ideologia, como a al-Qaeda e o Talibã no Afeganistão.
– ISIS não tem qualquer cobertura ou guarda-chuva político para existir ou operar, e nenhum país pode apoiar o ISIS nem publicamente nem secretamente.
– ISIS já não é diretamente financiado por país algum ou organização alguma. O grupo se autofinancia com recursos que obtém da venda de petróleo roubado e de peças de arte antigas roubadas; com recolhimento de impostos e taxas locais; com o que saqueiam de bancos; com o acesso que têm a dados bancários de gente rica que vive sob controle do grupo; do que eles chamam de “espólio de guerra” e outras rendas do Zakat (sob diferentes formas e vias, mais do que em diferentes moedas). Agora que a finança do ISISestá sob vigilância cerrada, a maior parte de seus recursos permanecem e giram na órbita das áreas que o grupo controla.
– ISIS não obtém mais nenhum treinamento para seus combatentes fora da região. EUA, Reino Unido, árabes e países que fazem fronteira com Síria e Iraque já não oferecem qualquer assistência militar direta ao ISIS, nem fornecem qualquer armamento letal ao grupo. ISIS está com falta de equipamento militar. Está forçado a comprar armas no mercado negro, a preços muito altos.
– ISIS não recebe serviços de salas de comando militar conjunto, não recebe informação de inteligência, não planeja ações, guiando seus movimentos pelas forças e fraquezas do inimigo, e por atualizações de um banco de alvos das forças inimigas em campo, só para contra-atacar; e está abertamente facilitando o atendimento médico, a logística e o movimento de combatentes através das fronteiras para ataques diretos.
– ISIS não é afetado por nenhum ganho ou perda política em negociações futuras em Viena, Genebra ou New York.
– ISIS é muito mais fácil de derrotar, porque não tem apoio local e não conseguiu integrar-se à população.”
À luz dessas evidências, disse o comandante:
“Por que exército sírio e forças de Rússia, Irã e Hezbollah desperdiçariam uma bala que fosse, contra o ISIS, a menos que houvesse vantagem estratégica a extrair de algum ataque pontual, num dado momento?
Se se vê como as forças curdas estão avançando sobre área do ISIS no front norte, compreendemos que o poder do ISIS é mais propagandístico que efetivo, quando confrontado com força ideológica, determinada a lutar e a não ceder terreno. Para Damasco, o avanço das forças militares curdas que vão ocupando terreno e atacam o ISISno norte da Síria é bem-vindo, não é visto como provocação.
Os curdos estão avançando em área árabe e têm todas as vantagens para estabelecer relacionamento harmonioso com as tribos locais que também combatem contra o ISIS. Estão engajando mais e mais o ISIS e levando o ISIS a pulverizar o seu esforço militar em várias frentes.
Principalmente, o ISIS não existe em áreas consideradas vitais e ricas, como Idlib, Homs e os subúrbios onde a população faz oposição ao regime e apoia os rebeldes, mas não apoia o ISIS.
ISIS controla campos de petróleo no leste e no norte da Síria. São áreas que podem ser retomadas. Domina uma população em Raqqa e no entorno, que é quem sofre a tirania deles.
O grupo tende a se autodesintegrar e pode ser derrotado quando outros inimigos mais fortes e ameaças mais graves já tiverem sido eliminados. E o principal desses inimigos é a Frente al-Nusra, da al-Qaeda”.
“De nosso lado, queremos estabelecer uma linha de demarcação com o ISIS e cuidaremos de não organizar grandes operações militares contra o grupo, para poupar nossas forças (o engajamento militar) para outros fronts de mais alto valor estratégico. Se se examina o que houve na ofensiva em Homs, com Mheen e Haw’wareen, retomamos as duas cidades só porque a presença do ISIS representa ameaça possível a Homs. Aquelas retomadas foram consolidadas por forças “al-Redha” para criar uma linha defensiva que pode ser usada no futuro, para quando decidirmos avançar mais na área.
Também em Kuweiress, aumentamos o corredor para criar perímetro seguro para o aeroporto, de modo a que possa ser usado no futuro para operações militares maiores. Concluindo, todos os recursos que não consumimos no ISIS é usado contra os rebeldes e contra al-Qaeda na Síria” – disse a fonte.
Sobre o que se passou em Mheen, onde o Exército Árabe Sírio retirou-se depois de contra-atacado pelo ISIS, a fonte explicou:
“Quando se observa concentração de forças reunindo-se para atacar cidade ou vila ou colina, em muitos casos o que mais se recomenda é evitar qualquer engajamento de infantaria, retirar as forças e deixar que a Força Aérea dizime ou elimine o maior número possível de grupos atacantes. Adotamos esse plano em várias localidades e logo depois conseguimos, com pequeno esforço, reconquistar o controle perdido sobre os territórios, causando alto número de baixas nas forças atacantes. A presença da Força Aérea Russa, com seus recursos de bombardeio preciso, está fazendo diferença real. Implica dizer que defendemos territórios quando necessário e possível. Tentamos reduzir as perdas da infantaria ao mínimo, e evitar confrontação desnecessária.
A animosidade do ISIS contra os rebeldes sírios nos beneficia muito, e tiramos dela a máxima vantagem em cada caso, dado que Baghdadi e al-Qaeda não firmaram qualquer acordo de aliança ou de cessação de hostilidades.
Por outro lado, a Al-Qaeda na Síria (ou Levante, Frente al-Nusra), Ahrar al-Sham e todos os jihadistas salafistas que estão contentíssimos com estabelecer Emirados Islâmicos, como o “Exército do Islã” e o “Exército da Conquista”, todos eles recebem apoio físico, militar e treinamento do exterior. Recebem informação de inteligência e sinais, instalações logísticas e armas letais novas, tudo posto a serviço deles. Não apenas os países regionais, mas também os EUA e aliados servem-se dessas forças, diretamente ou indiretamente, como um cavalo de Troia, para atacar o governo sírio. Qualquer terra previamente conquistada e sob controle deles é computada como ganho, na mesa das negociações políticas” – disse o comandante.
Quando o regime sírio protestou contra ataques aéreos no território sírio, por forças de EUA, França e Grã-Bretanha sem qualquer coordenação, os russos sugeriram ao presidente Bashar al-Assad:
“É bom que eles continuem batendo no ISIS. Assim, o governo sírio pode concentrar-se em dar combate à al-Qaeda e aliados. Não é hora desse tipo de objeção ao que eles façam.”
Assim o foco militar passou a ser atacar áreas vitalmente estratégicas nas quais a oposição estivesse atacando, ataques que implicassem perigo real para o Estado da Síria, como o acesso ao Mediterrâneo e a Reef [interior da província de] Latakia, Homs, Hama, Aleppo e à fronteira com a Turquia.
E o comandante concluiu:
“Oficialmente, a Rússia já declarou terroristas a al-Qaeda, Ahrar al-sham e todos os salafistas jihadistas, rejeitando qualquer presença de qualquer desses grupos na mesa de negociações. É precisamente o que o presidente Assad diz há anos, incansavelmente, ao longo de todos os anos de guerra.[1] A Rússia pede agora, como manda o bom-senso, que a comunidade internacional defina com clareza esses grupos considerados não terroristas.
Por essas razões, a guerra contra al-Qaeda e aliados dela, qualquer deles, em qualquer front, e ganhar ou perder territórios ocupados por eles são os fatores importantes para o governo sírio e para a comunidade internacional, no acordo político discutido na mesa de negociações. Devemos continuar a fazer os esforços necessários para concentrar todo o poder militar contra esses agentes e, simultaneamente, manter um olho no ISIS, no momento.
Esse grupo, que se autodeclarou ‘estado islâmico’ é o segundo numa escala decrescente de ameaças, porque não sobreviverá por muito tempo. É hoje muito mais fácil de derrotar, e o perigo que traz é menor”.
Quem ganhou com a existência do ISIS-forte
Politicamente, a guerra do ISIS “contra todos” não beneficiou só o presidente Assad e aliados – ainda que as proporções, nessa comparação, não tenham importância alguma. – Incontáveis outros atores no Oriente Médio também foram beneficiados pela ação do falso “califato” no Oriente Médio.
Países como Arábia Saudita, Qatar, Turquia e Jordânia contribuíram, direta e indiretamente, para o crescimento do ISIS, com os objetivos adiante, dentre outros:
– reduzir o poder do “crescente xiita e alauíta” (Irã, Iraque, Síria, Líbano);
– derrubar o presidente Assad;
– cortar as linhas militares de suprimento entre Irã e Hezbollah e todas as facilidades oferecidas ao Hezbollah na Síria);
– conseguir que o gás do Qatar passasse por Síria e Turquia até a Europa;
– reduzir a força do Exército Árabe Sírio, no interesse de Israel;
– impor a influência turca sobre a Síria; ou, mesmo,
– redesenhar o mapa da Síria e entregar o poder à maioria sunita no Levante.
Os EUA também muito se beneficiaram com o crescimento do ISIS.
O ISIS forte permitiu que os militares norte-americanos:
– voltassem à Mesopotâmia mais fortes que nunca;
– garantiu-lhes gordas vendas de armas ao Iraque;
– indiretamente forçou atores iraquianos chaves a um golpe de estado pacífico contra o candidato preferido do Irã, o ex-primeiro-ministro Nuri al-Maliki;
– levou Bagdá a acolher pacificamente um novo primeiro-ministro, Haider al-Abadi;
– criou uma possibilidade para que os curdos iraquianos se declarassem independentes do comando central em Bagdá;
– permitiu que a Turquia entrasse no Iraque para participar da libertação de Mosul e pôr-se a reivindicar para ela uma fatia do norte do Iraque e aumentar seu investimento financeiro e militar no Curdistão.
ISIS forte permitiu que os EUA recuperassem a autoimagem (doméstica) de potência militar no Oriente Médio – abaladíssima no Afeganistão e depois da Guerra do Iraque – e, isso, num ‘novo’ tipo de guerra na qual soldados dos EUA ‘vencem’ e as vítimas mortas e feridas pelos EUA são invisíveis no ‘ocidente’.
Além disso, o ISIS continua a exaurir as finanças do Irã, que apoia a Síria com petróleo e dinheiro para pagar salários e manter ativas e operantes as várias instituições. Exaurir as finanças do Irã é objetivo declarado, pode-se dizer, dos EUA.
Pela segunda vez depois da Revolução Iraniana, o Irã manda tropas aos milhares para fora do país, para combate (não são só dezenas de conselheiros e instrutores).
O Hezbollah libanês também está fortemente engajado na Síria onde já perdeu milhares de soldados entre mortos e feridos (o Irã financia todos os custos).
Por fim, mas não menos importante dentre os objetivos dos EUA, os estrategistas norte-americanos ainda esperam que a Rússia se engaje mais profundamente na Síria, que “suje as mãos” de um modo ou de outro e que, seja como for, fracasse na operação de apoiar o presidente Assad e aliados na luta contra ISIS, al-Qaeda e aliados [e contra a OTAN, claro (NTs)].
Em todos esse passos e objetivos – que são, predominantemente, objetivos dos EUA-OTAN – o ISIS funciona como máquina de matar, mas, também, como “marionete”.
[1] Ver, por exemplo, Entrevista do presidente Bashar Al-Assad à AFP: 26/1/2014, inredecastophoto: “Na Síria não lutamos contra alguma ‘oposição': lutamos contra terroristas” [NTs].
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