16/2/2016, Alexander Mercouris, Rússia Insider
Tradução Vila Vudu
Nos últimos dez dias, afinal o ocidente parece ter-se dado conta de que o Exército Árabe Sírio, apoiado por Irã e Rússia – aproxima-se de colher vitória decisiva na Síria.
O exército sírio expandiu a área sob controle do governo sírio em torno de Damasco. Já saneou Hama e Homs, expulsando os rebeldes jihadistas que se estabeleceram ali em 2012. Quebrou o cerco de Aleppo, reabrindo as estradas que ligam Aleppo ao resto do país. E também conseguiu expulsar grande parte dos rebeldes da província Latakia, onde está localizada a base aérea Khmeimim da Rússia.
Esses passos iniciais de consolidação estão agora sendo seguidos por ofensivas militares ao longo de dois eixos.
O primeiro é no noroeste do país, com o exército sírio já bem próximo de cercar os rebeldes jihadistas que desde 2012 ocupavam e cercavam Aleppo, a maior cidade e capital econômica da Síria.
Parece que todas as principais estradas de ligação com a Turquia estão agora interrompidas, o que reduz os rebeldes jihadistas a terem de depender de estradas locais através da província Idlib onde ficam expostos a ataques aéreos pela força aérea russa.
O segundo eixo acompanha a principal estrada de Hama até Raqqa, dita ‘a capital’ do Estado Islâmico.
O cerco dos rebeldes jihadistas que sitiavam Aleppo ameaça fazer colapsar a rebelião no norte da Síria. A queda de Raqqa pode levar ao colapso do Estado Islâmico na Síria.
Como já expliquei muitas vezes, a natureza do Estado Islâmico implica que o movimento não pode perder o seu território ‘núcleo’ – e de modo algum pode perder a ‘capital’ Raqqa.
Movimento que apresenta como seu líder o Comandante dos Exércitos dos Fieis a Deus, e herdeiro político do Profeta de Deus, quer dizer, O Califa – não se pode permitir fracasso dessa magnitude. A derrota inevitavelmente levará ao descrédito todos aqueles ‘atributos’, e se for derrota realmente ampla, levará ao colapso do movimento, tão rapidamente quanto os seguidores deem-se conta de que “O Califa” pode não ter tão poderoso quanto se acreditara.
Al-Qaeda – que jamais se declarou regida por algum ‘Califa’ – sempre pode sobreviver às derrotas e reorganizar-se, convertendo-se ou em movimento de guerrilhas ou em movimento terrorista. O ‘Estado Islâmico’ não pode.
No ocidente – e em Ankara e Riad – a possibilidade de o governo sírio alcançar a vitória, e de os russos serem bem-sucedidos na Síria, depois de as potências ocidentais terem fracassado tão miseravelmente, provocou horror.
Resultado disso foi tentativa empenhada ao longo dos últimos dez dias para levar russos e sírios a aceitarem um cessar-fogo, deixando incólumes e onde estão os terroristas que ocupam Aleppo; e impedindo que o Exército Árabe Sírio avance para tomar Raqqa.
Para começar, foi a tentativa de obrigar os russos a suspender os bombardeios, com ameaças de que ‘a oposição se retiraria da conferência de paz de Genebra, a menos que os russos suspendessem os ataques (aos terroristas).
Os russos rejeitaram a chantagem e, para impedir que se concretizasse a cenográfica ‘retirada’, a ONU suspendeu a conferência.
A mídia-empresa ocidental então, imediatamente – e previsivelmente –, pôs-se a culpar os russos. O fato de a conferência de paz ter sido suspensa porque os rebeldes ameaçaram debandar mal foi noticiado.
Em vez de informação aproveitável, publicou-se que Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, culpara os russos pela suspensão da conferência de paz e os acusara de bombardeios indiscriminados.
Deve-se registrar que o gabinete de Ban Ki-Moon protestou contra o modo como as declarações do secretário-geral haviam sido distorcidas. Mas as agências-empresas de notícias ocidentais que distorceram aqueles comentários não noticiaram o protesto contra as distorções nem corrigiram os comentários distorcidos, que continuara a repetir fartamente.
O secretário de Estado dos EUA John Kerry pôs-se outra vez a tentar persuadir os russos a aceitar um cessar-fogo, na reunião que teve com Lavrov em Munique.
Os russos novamente disseram que não. O resultado foi uma declaração conjunta que, simplesmente, repete o que já havia sido dito nas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU: que todas as partes devem trabalhar para alcançar um cessar-fogo, mas que os movimentos de jihadis terroristas não ficam protegidos pelo acordo de cessar-fogo.
Imediatamente começou campanha nos veículos da mídia-empresa ocidental, para tentar pintar os rebeldes em Aleppo como integrantes do ‘Exército Sírio Livre’ [que não é exército, não é sírio nem é livre] apoiado pelo ocidente – o que os poria sob proteção do acordo de cessar-fogo, porque os retiraria da categoria de ‘jihadistas terroristas’.
Como com praticamente certeza total os ‘especialistas’ ocidentais que divulgaram essa ‘informação’ sabem perfeitamente, essa informação é, simplesmente, falsa. O chamado ‘Exército Sírio Livre’ – que não se sabe sequer se ainda existe – sempre esteve ativo no sul do país, perto de Damasco. Os russos já disseram que não apenas não estão atacando essa gente; disseram também que estão até trabalhando em cooperação com eles. Os rebeldes no norte e especificamente os que combatem em Aleppo são, do começo ao fim, jihadistas terroristas.
A campanha ‘jornalística’ para esconder que os ‘rebeldes’ em Aleppo são terroristas vem acompanhada por intensiva campanha na mídia-empresa para criar dificuldades para os russos, ‘informando’ que estariam bombardeando indiscriminadamente e teriam matado milhares de civis.
Claro que morreram civis nos bombardeios, mas não na escala em que a mídia-empresa ocidental está ‘noticiando’.
Os russos divulgam relatórios muito detalhados dos seus raids – muitíssimo mais detalhados que os relatórios dos EUA e aliados. Além disso, partilham com os militares dos EUA informação detalhada sobre as rotas dos seus voos de ataque.
Nessas condições, é simplesmente impossível que os russos bombardeiem tão ‘indiscriminadamente’ como a propaganda dita ‘jornalística’ tem ‘noticiado’.
Evidentemente muitos jornalistas ocidentais sabem perfeitamente disso tudo, o que não impediu nenhum deles de bombardearem Medvedev e Lavrov, na conferência de segurança de Munique, com ‘exigências’ de que a Rússia parasse de ‘matar civis’, ao mesmo tempo em que distorcem ou simplesmente omitem qualquer informação correta sobre o que os ‘entrevistados’ realmente disseram sobre o que realmente está acontecendo em campo.
Apesar de toda a campanha do ‘ocidente’ para proteger os terroristas jihadistas, fato é que não conseguiram intimidar os russos nem levá-los a interromper os ataques –, o que, por sua vez, significa que o ‘ocidente’ não conseguiu deter os avanços do Exército Árabe Sírio. Disso decorrem dois efeitos principais.
O primeiro é que setores da mídia-empresa ocidental puseram-se agora a criticar a “fraqueza” do governo dos EUA, o qual, para esses setores, ‘deveria’ ter atacado as forças russas na Síria. É posição diametralmente oposta à da opinião pública ocidental e também de setores dos militares em Washington. Mas aqueles setores da mídia-empresa ocidental não têm melhor sugestão a fazer.
O segundo efeito do fracasso do ocidente na Síria é um plano concebido pelos sauditas para formar uma força ocidental de invasão para entrar na Síria e capturar Raqqa antes de que o Exército Árabe Sírio chegue lá.
Uma vez que por razões de política doméstica está totalmente fora de questão que os EUA enviem ‘coturnos em solo’ para capturar Raqqa – e com certeza quase total já não há tempo para organizar esse tipo de operação – na prática o tal ‘plano’ consiste simplesmente de uma invasão turca, para capturar Raqqa.
Ao mesmo tempo, os turcos estão tentando manter abertas as vias até Aleppo, bombardeando sem parar os curdos aliados do governo sírio no norte da Síria, em torno da cidade de Azaz, localizada junto à principal rodovia entre Aleppo e a Turquia.
Todos esses movimentos são acompanhados das mais estridentes ‘demandas’ dos sauditas, de que é preciso derrubar Assad a qualquer custo, “se necessário, pela força”.
Esses movimentos militares de turcos e sauditas devem ser vistos pelo que são: manifestações claras de pânico ante o colapso da estratégia deles para conseguir ‘mudança de regime’ na Síria.
Sem apoio dos EUA, nenhum avanço turco sobre Raqqa é sequer viável.
É altamente improvável que os EUA venham a apoiar tal movimento, porque seria pôr a Turquia contra os próprios aliados curdos dos EUA – para nem falar de pôr os EUA frente à frente (e contra) também os russos.
Seria também grave escalada na guerra, com o exército turco combatendo em solo estrangeiro, numa agressão que facilmente detonaria qualquer estabilidade interna na própria Turquia.
Nada disso interessa, de modo algum, aos EUA. Por isso se pode dizer que dificilmente os EUA se envolverão nesse ‘plano’ e mais provavelmente se oporão a ele.
Quanto a os turcos bombardearem sem trégua os curdos em torno de Azaz, não altera a situação em torno de Aleppo, ainda mais para o sul. E, além do mais, é mais um movimento dos turcos que os põe em campo adversário, para dizer o mínimo, dos EUA.
Como já discutimos outras vezes, é praticamente impossível prever, com razoável grau de probabilidade, o que fará um homem autoritário e de personalidade impulsiva, como Erdogan. Mas, até aqui, os movimentos de turcos e sauditas têm sido mais alarido, que ação.
Até aqui a guerra na Síria não apareceu como grande questão na campanha presidencial nos EUA – o que sugere fortemente que as pesquisas já mostraram aos candidatos que os norte-americanos não querem que os EUA envolvam-se em mais guerras.
Que o povo dos EUA não partilha o entusiasmo dos neoliberais e neoconservadores que querem que os EUA entrem em conflito com a Rússia, para assim ajudarem terroristas jihadistas que odeiam – e já atacaram – os EUA não é surpresa para ninguém. Essa opinião pública e a oposição também de militares no Pentágono são fatores fortemente limitadores em qualquer ação dos EUA e tornam muito improvável que os EUA intervenham oficialmente ao lado de terroristas jihadistas – e de turcos e sauditas.
Por tudo isso, parece certo que os movimentos de turcos e sauditas não passam de blefe. E blefe que provavelmente será rapidamente desmascarado.
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