29/4/2016, Pepe Escobar, Sputnik News
Traduzido por Vila Vudu
Fortes turbulências, esse parece ser o nome do jogo em 2016. Mesmo assim, a atual turbulência pode ser interpretada como a calma antes da próxima devastadora tempestade geopolítico-financeira. Examinemos o atual estado de coisas, revisando os dilemas que afligem a Casa de Saud, a União Europeia e os BRICS Rússia, Brasil e China.
Petróleo e a Casa de Saud Poucos conhecem bem o Índice Báltico Seco [ing. Baltic Dry Index], mas é índice crucial para rastrear a demanda de commodities. Há dois meses, despencara para baixas recordes em todos os tempos. Desde então, subiu mais de 130%. Todos os preços de metais preciosos subiram muito em virtualmente todas as moedas. Por que isso é importante? Porque nos informa que a fé nas moedas – especialmente no dólar norte-americano – está caindo rapidamente.
A subida no Índice Báltico acompanha o aumento na demanda por petróleo na Ásia – especialmente na China. Oferta em queda e demanda em alta por petróleo provavelmente elevarão o preço do barril na segunda metade de 2016.
Não significa que a Casa de Saud reconquistará a confiança de EUA e Rússia. Fontes profundas continuam a confirmar que, no que tenha a ver com Washington e Moscou, a Casa de Saud é descartável. Ambos os países são realmente autossuficientes em energia (os EUA aspiram a isso). Poderosas facções em Washington abertamente acusam Riad de “terror” – ok, ok, é muito mais complicado que isso –, e Moscou avalia que a Casa de Saud sempre obedece ordens dos EUA para que destruam a Rússia numa guerra de preços do petróleo.
O moribundo – tomado pela demência – rei Salman e o jovem príncipe guerreiro Mohammed estariam acabados se as tais famosas 28 páginas sobre o 11 de setembro fossem divulgadas e já não há dúvida alguma de que a conexão saudita existiu. Depois disso, vem o quê? Mudança de regime. Golpe da CIA. E agente militar saudita em que aCIA “confie” posto no trono.
A única coisa que resta à Casa de Saud é tentar ganhar tempo. Em Riad o sentimento dominante é que as relações com Washington não melhorará enquanto Obama estiver presidente; com o próximo presidente – seja Hillary ou O Donald [Trump] – o negócio será muito melhor. Assim sendo, o Plano A por hora é manter a pose de essencial a Washington na “guerra contra o terô”. Significa o rei Salman voltando-se para Mohammed bin Nayef, o príncipe coroado, muito mais dado a manter poses que o príncipe guerreiro, autor da desastrosa guerra contra o Iêmen.
Paralelamente, o sultão Erdogan da Turquia continua fazendo avançar o jogo de tomar o petróleo do Curdistão iraquiano, eventualmente desviando para si toda a oferta, para fazer a independência da Turquia em matéria de energia – e convertê-la em superpotência regional.
Acima de tudo, em termos do Oleogasodutostão, Erdogan necessita de modo absoluto do gasoduto do Qatar, que atravesse a Arábia Saudita e a Síria, para se tornar independente da energia Russa. Nisso, os EUA concordam: esse é também um dos mais altos objetivos dos EUA. O que indica que, com certeza, o processo de paz na Síria enfrentará dificuldades perenes.
Erdogan tem também, jogada aos seus pés, a superpotência alemã, na forma de uma chanceler Merkel que geme e torce as mãos e implora. Se a Turquia já estivesse mais próxima de tornar-se potência no campo da energia, Merkel se atiraria pessoalmente pelos gramados daquele palácio dourado em Ancara, em tempo integral. A CIA já chegou à mesma conclusão, ao analisar como a Turquia continuará a “expandir sua influência” no Iraque, mediante milícias mantidas pelos turcos, à custa da segurança e da unidade política do Iraque.
Em America’s War for the Greater Middle East [Guerra dos EUA pelo Oriente Médio Expandido], Andrew Bacevich examina o modo como Washington impôs que a “preponderância militar” em todo o Oriente Médio seria o objetivo estratégico de uma guerra contra a URSS – desde quando o Dr. Zbig “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski reinava como El Supremo geopolítico. Essa guerra sempre foi pensada para não ter fim – e agora inclui o “Oriente Médio Expandido” que os neoconservadores tanto amam.
Rússia, Brasil e Guerra Híbrida
A maior bolsa de valores da Rússia está ativamente trabalhando para seduzir os corretores internacionais de compra e venda de petróleo para que se integrem ao seu emergente mercado de futuros. O objetivo não poderia ser mais claro: desconectar o mecanismo de definição do preço do petróleo do sistema Brent e, crucialmente, afastá-lo do petrodólar. Essa é também a condição chave que Pequim impôs à Casa de Saud para continuar a comprar o petróleo saudita.
Esquece-se muito facilmente que há apenas 20 anos, Moscou sonhava com integrar-se ao ocidente como boa cristã; e foi tratada como lixo. Washington via a Rússia como muito fraca; o governo de Ieltsin abriu as portas a saqueadores que devoraram a Rússia como praga de gafanhotos, fazendo o PIB russo cair 40%, com eles saqueando recursos naturais da Rússia e roubando de lá pelo menos 1 trilhão em dólares norte-americanos.
Hoje, o Excepcionalistão continua a requentar todos e quaisquer truques do manual para destruir ou, no mínimo, enfraquecer a Rússia com “Maidan” na Ucrânia, guerra de preços do petróleo, ataques ao rublo, oleogasodutos sírios. Arce a guerra híbrida, não convencional – e tudo isso, doravante, só ficará mais e mais sujo e violento. Os BRICS, como grupo, estão sendo atacados e sitiados. A revolução colorida, cujo objetivo é forçar a troca de regime por via soft, é só o primeiro estágio de uma nova e sofisticada estratégia de Guerra Híbrida, que será estudada nas academias por décadas e décadas futuras.
Com a demanda por petróleo aumentando, e a oferta em contração, os serviçais da Guerra Híbrida em todo o espectro terão de criar uma recessão, para não deixar que o caos perca ímpeto. Um dos cenários possíveis é deixar que o periclitante sistema bancário italiano desabe. E essa é a próxima fronteira a ser atacada na União Europeia.
A Europa Morta Viva, enquanto isso, subcontratou e/ou apenas deixou ver uma política de repressão aos refugiados, e assim desencadeou o maior programa de deportação em massa desde a 2ª Guerra Mundial, serviço completo, com campos de concentração pagos pelos contribuintes europeus e gerenciados pelo Grande Democrata Erdogan. O elo que faltava agora está aí, à vista: tudo acontece sob controle de think-tanks mantidos pela OTAN.
Por assustador que seja, nada disso é novidade. Tudo já estava previsto e inserido em acordos que a União Europeia impõe a nações africanas, quando “requalifica” o statusdelas e converte-as em Cérberos de fronteira. Essa é a missão chave da agência Frontex, que está progressivamente deslocando as fronteiras externas da União Europeia – para o oriente e para o sul – para poder repelir mais eficientemente quaisquer imigrantes. Nada que possa ligar algo/alguém com as guerras neoimperiais eletivas da OTAN, claro.
Não surpreende que Noam Chomsky já tenha observado que o apoio a democracias formais no ocidente esteja diminuindo, porque já não há democracias reais. Todas as grandes decisões que afetam a União Europeia são tomadas em Bruxelas por eurocratas não eleitos.
Em livro marco publicado na Espanha, Mercado-Estado-Carcel en la Democracia Neoliberal Española (ed. Anthropos), Daniel Jimenez, doutor em Sociologia Jurídica da Universidade de Zaragoza, expõe em detalhe o modo como a nova ordem institucional local trata, mesmo, é de desdemocratização, desnacionalização e construção de dependência: OTAN, FMI, Banco Mundial, Clube de Paris, Comissão Europeia, o Fed, são nodos de uma rede global de instituições, privadas, mas autodescritas como públicas, ou públicas mas administradas por interesses privados (como o Fed). Michael Hudson, dentre outros, tem mostrado como a União Europeia jamais desenvolve mecanismos sustentados de transferência de capital das economias mais ricas para as mais pobres dentro do bloco.
Frente à China, só quebro a cara
Técnicas derivadas de sofisticada Guerra Híbrida podem ser aplicadas a pleno vapor contra Rússia e Brasil. Mas contra a China, tudo dá chabu.
O boato da hora no Excepcionalistão é que a China não é tão economicamente sólida quanto parece. Por isso a opinião pública é bombardeada pela litania de sempre de “convulsões nos mercados financeiros chineses”, “aversão ao risco de investir”, “volatilidade” ou, então, de um inevitável crash chinês.
Nonsense. A liderança chinesa tem todos os imperativos estratégicos do país delineados em detalhes no mais recente Plano Quinquenal. Será bombeado para dentro do sistema todo o crédito necessário. O yuan não será desvalorizado – não importa o quanto Washington/New York berrem e esperneiem.
Uma desvalorização do yuan faria naufragar muitas firmas chinesas carregadas de dívidas em dólares. Mais importante, Pequim está ajustando seu sistema, uma transição cuidadosamente calibrada, de modelo dirigido à exportação, para modelo orientado ao consumo pelo mercado interno. Yuan forte preserva o poder de compra de dezenas de milhões de membros da Nova Classe Média Chinesa – todos com alta mobilidade para cima e todos proprietários.
Segundo o Tesouro dos EUA, apenas cerca de $1,2 trilhão de derivativos líquidos estão em mãos de chineses. E isso vai diminuir rapidamente – ao ritmo em que a China compra cada vez mais ouro. E como se fosse pouco, a China já fez sua economia dar meia volta. O que nos leva de volta àquele aumento dramático no Índice Báltico. Os preços do petróleo estão subindo. E a China está comprando tudo.
Pequim avança em todas as frentes; espalha negócios e influência comercial por toda a Eurásia, que as Novas Rotas da Seda modelarão como empório de massa; moderniza suas forças armadas; compra ativos estratégicos estrangeiros; constrói e firma a confiança global no yuan como moeda estável de reserva; permite que as elites chinesas diversifiquem sua enorme riqueza comprando propriedades no exterior, de vinhedos em Bordeaux a um gigante do futebol como o AC Milan.
Não surpreende que o impressionante alastramento do poder econômico chinês tenha deixado completamente doidos um sortimento variado de excepcionalistas do Excepcionalistão – de neoconservadores a neoliberais conservadores. Washington nada tem a oferecer, absolutamente nada, a nações da Ásia, África e América Latina – a todo o sul global, como se pode ver.
Todos esses já viram que Pequim não está no mercado como gangue de mafiosos, a exigir juros compostos sobre a dívida soberana dos países; “apoio” a ataques neoimperialistas puxados pela OTAN ou pela ONU; mais uma toca extraterritorial onde enfiar o Império de Bases dos EUA; ou dominação total sobre os bancos centrais nacionais.
Por outro lado, todos esses já viram o que podem esperar de Washington: guerra sem fim; esmagamento progressivo do estado-nação; democracia detonada, reduzida a farelo; e governança tecnocrática pelo 0,00001%.
É. Tudo isso se resume à calma que antecede a tempestade. O Império do Caos começou o revide. Há muito sangue pelas trilhas à frente.
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