Já não é novidade em todo o mundo que há um golpe em curso no Brasil, e que a direita brasileira está usando todo tipo de medidas arbitrárias e extraordinárias para derrubar a presidenta eleita Dilma Rousseff.
O que nem a oposição brasileira discute muito, em nenhuma das discussões que se travam sobre impeachment e corrupção no Brasil é o contexto mundial em que o golpe de 2016 se insere: o modo como o capital financeiro internacional está operando ao lado de Hillary Clinton e outros nomes das elites políticas dos EUA para reapertar as garras do Consenso de Washington no pescoço da América Latina; como toda a direita em todo o continente está operando em aliança; e como essa ação manifesta-se nos países-alvos.
Embora muitas das peças desse quebra-cabeça permaneçam ainda escondidas pelo menos em parte, é hora de começar a organizar as peças que temos, para ir vendo o grande quadro.
Brasil e Argentina:
Casos a estudar, de intromissão de Wall Street
Enquanto o mundo espera pelo próximo capítulo da novela brasileira em curso, é indispensável considerar por que motivo está montado esse espetaculoso processo de impeachment. Eleitos e reeleitos quatro vezes nas quatro últimas eleições, Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores, PT, são, inegavelmente, a formação política mais popular no Brasil, país tristemente conhecido como local do mundo onde há a maior desigualdade social, dividido desigualmente entre uma pequena elite de direita e rica, e as massas de trabalhadores, os mais pobres e parte das classes médias urbanizadas de esquerda que elegeram várias vezes os candidatos do Partido dos Trabalhadores.
Com essa dinâmica, não surpreende que o governo da presidenta Dilma Rousseff esteja sendo derrubado por uma coalizão de fundamentalistas de direita, que congrega desde os que apoiaram empenhadamente a ditadura militar que os EUA implantaram no Brasil, até os que simplesmente querem que o Brasil siga modelo mais neoliberal de desenvolvimento econômico.
Mas o que ainda talvez surpreenda muita gente é o papel determinante que alguns poucos mas poderosos grupos de interesses financeiros têm e continuarão a ter nesse processo e em qualquer outro governo que haja no Brasil.
Em meados de abril, quando a votação do impeachment ainda não começara, a Reuters revelou que o vice-presidente Michel Temer, da direita brasileira, já preparava listas com os nomes de seus presuntivos ministros, a serem empossados tão logo Dilma e o PT fossem derrubados. Temer estaria em contato com Paulo Leme, cogitando de lhe entregar o ministério das Finanças ou o Banco Central. Leme é presidente de operações do Goldman Sachs no Brasil – o que o põe como candidato presuntivo ao posto de representante de Wall Street no Brasil.
Evidentemente ninguém poderia desconsiderar a significativa influência que têm empresas como Goldman Sachs, que vão bem além dos negócios e holdings que o grupo controla diretamente no país. Por exemplo, o capital financeiro de Wall Street mantém relações muito próximas com o "homem mais rico do Brasil", Jorge Paulo Lemann, multibilionário suíço-brasileiro proprietário das empresas Heinz Ketchup [é sócio, portanto, de Teresa Heinz Kerry, mulher do secretário de Estado dos EUA; o casal se conheceu no Rio de Janeiro; não se sabe por quê, esse pensamento dá-nos calafrios... (NTs)], Burger King, sócio majoritário das empresas Anheuser-Busch e Budweiser, e íntimo de Warren Buffett. Com tal pedigree na famiglia do capital financeiro, não é surpresa que Lemann e os interesses que ele representa estejam muito ativos no golpe no Brasil, apoiando financeiramente grupos envolvidos nos protestos de rua que pregam a derrubada do governo Dilma Rousseff.
Tampouco alguém ainda se poderia surpreender com a informação de que outros grupos ativos nos protestos de rua sejam financiados por outros interesses de Wall Street, a saber os infames Irmãos Koch. Charles e David Koch são a fonte de dinheiro que mantém o Movimento Brasil Livre e os Estudantes pela Liberdade, mediante a Atlas Economic Research Foundation e Atlas Leadership Academy, onde foram treinados vários dos principais líderes das manifestações a favor do golpe no Brasil.
Por tudo isso, ninguém se deveria surpreender por atores chaves do golpe do impeachment da presidenta no Brasil deixarem ver que recebem ordens diretas dos, ou, no mínimo, estão em estreita colaboração com, os EUA. De fato, no dia seguinte, depois da primeira votação pró-impeachment no Parlamento do Brasil, um senador, Aloysio Nunes, do PSDB, apareceu em Washington para reuniões não oficiais com o senador Republicano Bob Corker, membro influente e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado; e com o senador Democrata Ben Cardin, apoiador-chave da candidatura de Hillary Clinton. Nunes também tinha reuniões agendadas com o subsecretário de Estado Thomas Shannon, ex-embaixador no Brasil; terceiro na hierarquia do Departamento de Estado e encarregado de assuntos da América Latina; e também devia encontrar-se com lobbyistas da ONG Albright Stonebridge Group, cuja presidenta é a muito empenhada apoiadora de Clinton, Madeline Albright.
Sem dúvida esses encontros indicam o claro desejo, dos conspiradores brasileiros, de colaborar de todos os modos requisitados, com o Consenso de Washington – Republicanos e Democratas, capital privado e agências do governo dos EUA – e fazer uma transição suave, com mudança de regime no Brasil apoiado pelos EUA. Pode-se mesmo acreditar que tenham programado uma reencenação do golpe de 2009 em Honduras, autorizado e comandado porHillary Clinton e seus amigos e lobbyistas dentro do governo dos EUA.
Tudo sugere que aquelas palestras muito lucrativas que Clinton vendeu a executivos e convidados do banco Goldman Sachs não visavam simplesmente a impressionar o gigante de Wall Street com promessas de que seu governo seria muito amigável, em termos financeiros, dentro de casa; visavam também a demonstrar os muito importantes serviços que seu governo pode oferecer aos seus patrões também no campo da política externa. Para ver como esse pessoal trabalha em perfeita coordenação e harmonia, basta olhar, ao sul do Brasil, o ofuscante exemplo da Argentina.
Em novembro de 2015, Mauricio Macri derrotou seu opositor e elegeu-se presidente da Argentina. Mas, se a vitória era claramente sucesso para a direita Argentina, ela foi também o equivalente político de uma tomada hostil do país, por Wall Street. Poucos dias depois do sucesso eleitoral, Macri já revelava o núcleo duro de sua equipe econômica,recheada de insiders de Wall Street e de representantes do Big Oil, dentre outras indústrias.
Em governo de Macri, a economia da Argentina está hoje nas mãos de Alfonso Prat-Gay (ministro de Finanças), há muito tempo banqueiro em Wall Street, ideólogo neoliberal e ex-presidente do Banco Central da Argentina. Francisco Cabrera (ex-empregado do banco HSBC e de outras fachadas financeiras) assume como ministro da Indústria; e outro ideólogo do neoliberalismo, Federico Sturznegger, é agora presidente do Banco Central. Como se fosse pouco, o novo ministro da Energia Juan Jose Aranguren foi presidente da divisão argentina da petroleira Shell.
Na essência, Macri nunca escondeu que seu governo seria gerente de interesses do capital financeiro e do big business, como a equipe que se vê em volta dele comprova. E o próprio Macri, como presidente, logo deixou claro o que ainda não estivesse claro, ao capitular ante as exigências do bilionário e capitalista abutre Paul Singer, em fevereiro, quando a Argentina aceitou pagar quase $5 bilhões (75% do que os abutres exigiam) ao grupo de Singer, que continuava na guerra 'jurídica', desde que o governo de Cristina Fernandez recusara-se a fazer o que os bilionários de Wall Street queriam. Com esse simples movimento, Macri já demonstrou ao mundo, especialmente aos financistas em New York e London, que a Argentina volta a abrir-se a todos os negócios e negociatas.
Hillary Clinton e a Agenda Neoliberal na América Latina
Não há dúvidas de que um dos alvos na América Latina ainda são algumas matérias primas e commodities: os dois países, Brasil e Argentina, são conhecidos como ricas fontes de energia e produtores de outras mercadorias; e a Venezuela ainda é dos maiores produtores mundiais de petróleo. Assim sendo, e considerando-se só esse aspecto, esses países interessam muito aos chacais de Wall Street. Mas a coisa é muito mais profunda, dado que a América Latina foi convertida em ponto focal na avançada para estender a hegemonia de EUA-Wall Street-Londres, no campo econômico e no campo político.
Pode-se dizer que as peças centrais dessa avançada são os muito discutidos 'tratados comerciais', o Tratado da Parceria Trans-Pacífico (ing. Trans-Pacific Partnership, TPP) e o tratado da Parceria Trans-Atlântico para Comércio e Investimento (ing. TTIP), pensados para criar uma infraestrutura de negócios supranacional que, na essência, subordina as nações signatárias ao comando hegemônico de grandes empresas e do capital. Claro que as forças progressistas na América Latina e seus aliados postaram-se como uma muralha, para impedir que aqueles tratados fossem implementados. Mas tudo sugere que, depois de Macri, e se o golpe no Brasil for bem-sucedido, os tratados logo entrarão em plena vigência.
Macri já sinalizou que quer usar o Mercosul como veículo para integrar-se ao Tratado Trans-Atlântico, que abre o continente aos capitais e empresas europeias e norte-americanas. Sinalizou também que quer aproximar a Argentina dos países da Aliança do Pacífico, três dos quais – Chile, Peru e México – já assinaram o Tratado da Parceria Trans-Pacífico. O sucesso desses movimentos continentais depende crucialmente de dois importantes fatores.
PRIMEIRO: é indispensável remover do poder o governo de Dilma Rousseff do Brasil, que, embora interessado em participar das conversações sobre o Tratado da Parceria Trans-Pacífico, não dá sinais de desejar subordinar os interesses do Brasil aos interesses do capital de Washington e Londres.[2]
SEGUNDO: é indispensável que Hillary Clinton seja eleita à presidência dos EUA – a principal representante de Wall Street nas eleições de 2016 nos EUA. Os laços que ligam a candidata a Goldman-Sachs e outros bancos poderosos são bem documentados; mas noticia-se menos – e a campanha eleitoral 'repercute menos' – nos EUA e na América Latina o empenho com que Clinton defende a guerra comercial como arma a serviço da política dos EUA.
Clinton mentiu descaradamente em debates nacionais entre candidatos Democratas sobre suas posições relacionadas ao Tratado da Parceria Trans-Pacífico; disse que hoje se opõe ao Tratado. Mas há apenas três anos, em 2012, como secretária de Estado, ela disse que o Tratado da Parceria Trans-Pacífico "define o padrão ouro em matéria de acordos comerciais". Hoje, a candidata tenta fazer-se passar por progressista, fingindo que se opõe a um tratado que gerará graves dificuldades aos trabalhadores em todo o mundo – e também nos EUA. Verdade é que Hillary dedicou toda a sua vida política a apoiar esse tipo de política e acordo supostos "de livre comércio", mas que são violentamente oligopolistas.
Por sua vez, Donald Trump – que merece o benefício da dúvida, no mínimo – declarou que se opõe ao Tratado da Parceria Trans-Pacífico, mesmo que o argumento dele (que o tratado beneficiaria a China) seja ridículo. Mas, pelo menos, Trump não dá sinais de sofrer de amor carnal pelo tal tratado; e ele, com certeza, se eleito, mais atrapalhará que ajudará a organizar os interesses a favor do tratado. Por isso também, Hillary Clinton emerge como candidata preferencial de Wall Street.
Esse talvez seja o motivo pelo qual Charles Koch, um bilionários de direita Irmãos Koch, recentemente admitiu que há alta probabilidade de ele apoiar Hillary Clinton, se Donald Trump obtiver a indicação como candidato dos Republicanos. Fato é que essa já é posição declarada de grande número de pensadores e estrategistas da direita e extrema direita neoconservadora, entre os quais Max Boot, que se referiu a Hillary Clinton como "vastamente preferível"; Robert Kagan, para quem Hillary está "salvando os EUA" e Eliot Cohen que descreveu Clinton como "o mal menor, sem sombra de dúvida, por larga margem."
E por que todos esses neoconservadores privateiros de direita e extrema direita, e tantos ideólogos neoliberais da política dos EUA alinham-se tão organizadamente na defesa de Hillary Clinton? Por uma simples razão: se eleita, Clinton fará o que diz que fará. E no que tenha a ver com a América Latina, é importante para os EUA, para assegurar o controle e a exploração econômica, levar a cabo todas as mudanças de regime em curso naquele continente.
Desde a ascensão de Hugo Chávez, a América Latina anda pelas próprias pernas, democratizando as relações sociais e afastando-se cada vez mais do velho status de "quintal dos EUA".
Com Hillary Clinton e Wall Street trabalhando mãos nas mãos com os seus prestimosos serviçais de direita na América Latina, Washington tenta reposicionar-se e reassumir o controle. Todos pagaremos o preço disso, os povos da região e, sem dúvida, também os norte-americanos.*****
[1] Eric Draitser é analista independente de Geopolítica, com base em New York City. Edita o website StopImperialism.org e aCounterPunch Radio. Recebe e-mails em ericdraitser@gmail.com.
[2] A ideia dessa subordinação existe no Brasil desde 1952, quando o general Golbery da Costa e Silva escreveu, numa monografia para uso da Escola Superior de Guerra e em 1967 repetiu em seu Geopolítica e Poder, que o Brasil só teria futuro se se desenvolvesse "ancorado aos países desenvolvidos" (no pós-guerra, significava, claro, 'ancorar o Brasil' aos EUA). É a mesma ideia-projeto que está por trás do golpe militar de 1964 – do qual o general Golbery foi um dos principais teóricos, que levou o Brasil a quase meio século de ditadura militar, da qual ainda subsiste hoje muito "entulho autoritário". E também, claro, que está por trás do neogolpe hoje em curso, atentado pelo vice-presidente Michel Temer, com a ajuda da tucanaria da privataria [NTs, com informações dehttp://mondediplo.com/2013/06/08latinam , traduzido ao português em http://www.conferenciapoliticaexterna.org.br/index.php/todas-as-noticias/13-internacional/43-brasil-cada-vez-maior-das-dificuldades-da-solidariedade-internacional-no-mundo-do-capital-global – leitura interessantíssima.]
Eric Dreitser,[1] TeleSur (ing.)
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
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