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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Porque o cessar-fogo falhou na Síria

Thierry Meyssan
O público ocidental entusiasmou-se com o cessar-fogo russo-americano na Síria e acreditou que ele podia trazer a paz. Ora, isto é não ter nenhuma memória do início da guerra e nada compreender sobre as motivações que ela visa. Explicações…
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Donbass-Levante : duas guerras com um mesmo objectivo. Encarregue de cortar a «nova rota da seda» que deve passar pela Sibéria e chegar à União Europeia via Ucrânia, o Presidente Petro Porochenko veio, a 21 de Setembro, repetir no Conselho de Segurança a propaganda anglo-saxónica a propósito da guerra contra a Síria e o Iraque, esta visando cortar o traçado da «Rota da Seda» histórico.
O cessar-fogo na Síria só durou a semana do Aïd. Foi a enésima vez desde a assinatura da paz entre os Estados Unidos e a Rússia. Este não durou mais que a tal paz, e que os precedentes.

Recordemos os factos: a 12 de Dezembro de 2003, o Presidente George W. Bush assinava uma declaração de guerra à Síria, o Syrian Accountability Act. Após uma série de tentativas para iniciar as hostilidades (cimeira da Liga Árabe de 2004, assassinato de Rafic Hariri em 2005, guerra contra o Líbano em 2006, criação da Frente de Salvação em 2007, etc.), as Forças Especiais do EU passaram à ofensiva, no início de 2011, dedicando-se a montar uma encenação visando fazer crer numa «revolução» interior. Após dois vetos no Conselho de Segurança pela Rússia e pela China, os Estados Unidos aceitavam uma negociação de paz em Genebra, que assinaram na ausência das partes sírias, a 30 de Junho de 2012.
Primeira nota : 
Aqueles que pretendem que o actual conflito não é o resultado de uma agressão externa, mas antes uma «guerra civil», não conseguem explicar as consequências da declaração de guerra à Síria pelo Presidente Bush em 2003, nem porque a paz de 2012 foi assinada pelas grandes potências sem a presença de qualquer Sírio.
Desde a assinatura da paz, há quatro anos, a guerra recomeçou, apesar das múltiplas tentativas de pacificação negociadas, cara a cara, pelo Secretário de Estado John Kerry e pelo seu homólogo russo, Sergey Lavrov.
Ao longo destes quatro anos, eu detalhei, passo a passo, os conflitos no seio do aparelho de Estado dos E.U. (as maquinações de Jeffrey Feltman e dos generais David Petraeus e John Allen contra o Presidente Obama, bem como os problemas dentro do CentCom). Hoje em dia, segundo a imprensa norte-americana, os homens da CIA e os do Pentágono travam uma batalha feroz na Síria; enquanto o Secretário da Defesa, Ashton Carter, afirmou publicamente que não acreditava que os seus homens aplicariam o acordo assinado pelo seu colega John Kerry; o qual se afirmou céptico sobre a sua própria capacidade quanto a fazer a sua assinatura, em nome do seu país.
Segunda nota : 
Não apenas o Presidente Barack Obama não está à altura de impôr a sua vontade aos diferentes ramos da sua administração, como nem sequer consegue arbitrar mais entre elas. Cada sector prossegue a sua própria política, ao mesmo tempo contra os outros sectores e contra os inimigos externos
Os Estados Unidos mudaram várias vezes de objectivo de guerra, o que torna a sua política pouco perceptível.
- Em 2001, Washington procurava controlar todos os recursos petrolíferos e de gás disponíveis no mundo, persuadido como estava que nos dirigíamos para um período de penúria. Foi sobre esta base que reuniu aliados contra a Síria. No entanto, no fim dos anos 2010, abandonava a teoria do «pico petrolífero» e, ao contrário, avançava para a independência energética.
- Em 2011, Washington organizou os motins de Deraa pensando, com isso, provocar um levantamento popular e assim trocar o governo laico sírio pelos Irmãos Muçulmanos. Era o modelo da dita «Primavera Árabe». Ora em 2013, após a derrube de Mohamed Morsi no Egipto, tira as conclusões do fracasso desta experiência e abandona a ideia de confiar o poder nos países árabes a esta Confraria Islamista.
- Em 2014, como a guerra continuasse, Washington decide utilizá-la para cortar o projecto do Presidente Xi Jinping de restauração da «Rota da Seda», o que o obriga a transformar o «Emirado Islâmico no Iraque» em Daesh.
- Em 2015, após a intervenção militar russa, sem abandonar o objectivo anti-chinês que se tinha fixado, Washington acrescenta-lhe um segundo : impedir Moscovo de contestar a sua hegemonia e a manutenção unipolar das Relações internacionais.
Terceira nota : 
As mudanças de objectivo têm forçosamente sido recusadas pelos poderes que sofreram os prejuízos : o Catar no que diz respeito às questões energéticas e os Irmãos Muçulmanos quanto ao derrube de regime. Ora, estes actores são apoiados por poderosos lóbis nos EUA: a Exxon-Mobil —a mais importante multinacional mundial— e a família Rockefeller quanto ao Catar, a CIA e o Pentágono quanto aos Irmãos Muçulmanos.
No campo de batalha, os meios mobilizados pela Rússia atestam, sem equivoco, a superioridade das suas novas armas sobre as da OTAN.
Quarta nota : 
Para os chefes de Estado-maior e comandantes inter-armas do exército dos EUA (CentCom EuCom, PaCom, etc.), o fim do seu domínio, em matéria convencional, não deve permitir contestar o seu estatuto de primeira potência militar do mundo. O que os leva a dessolidarizar-se da CIA quanto ao uso dos Irmãos Muçulmanos, continuando seus aliados a propósito da prevenção da implantação chinesa, e portanto a favor do Daesh (E.I.)
O acordo russo-americano do início de Setembro previa claramente a separação de alguns grupos —cujos líderes foram considerados “frequentáveis” pelas duas partes— de outros jiadistas [1]. Depois estabelecer uma coordenação militar para esmagar os jiadistas. E, finalmente, formar um governo de unidade nacional, incluindo chefes dos grupos que se tinha apartado; dentro do modelo dos governos locais impostos pelos impérios europeus no século XIX ao Império Otomano.
O Pentágono aceitou este acordo sob duas condições : primeiro, cortar a Rota da Seda. O que o levou a bombardear o Exército Árabe Sírio em Deir ez-Zor para impedir que se possa, a termo, contornar o Daesh (E.I.) pelo vale do Rio Eufrates. Depois, trabalhar com os russos, mas não num pé de igualdade.
A primeira condição constitui um acto de guerra contra a Síria, em pleno cessar-fogo, que atinge o conjunto da comunidade internacional. A segunda é evidentemente inaceitável para a Rússia.
Para mascarar o crime cometido pelo Pentágono e pelo Reino Unido em Deir ez-Zor, o MI6 britânico organizou o espectáculo do «bombardeamento» de um comboio humanitário.
Na realidade, este comboio tinha sido revistado pelo Exército Árabe Sírio. Ele não continha armas (ou mais armas) e tinha sido autorizado a passar após o fim do cessar-fogo. Tinha sido fretado pelo Crescente Vermelho sírio, uma ONG ligada ao governo de Damasco e estava destinado às populações sírias das zonas ocupadas pelos jiadistas. Contrariamente às declarações ocidentais ele jamais foi bombardeado, tal como mostram as imagens difundidas pelo MI6, sob a etiqueta dos «Capacetes Brancos». Em parte nenhuma se vê qualquer cratera ou perfurações das estruturas. O comboio foi atacado no solo, e foi queimado. As imagens de um drone do Exército russo mostram a presença de jiadistas no momento do ataque, quando era suposto a zona estar desmilitarizada.
Pouco importam os factos, os Estados Unidos acusaram a Rússia de ter violado o cessar-fogo, o que ela não fez, e isto quando eles próprios acabavam de o violar ao bombardearem o Exército Árabe Sírio em Deir ez-Zor. A propaganda anglo-saxónica foi repetida, a 21 de Setembro, com descaramento, pelos ministros e presidentes do campo Ocidental, John Kerry (EUA), Petro Poroshenko (Ucrânia), Jean-Marc Ayrault (França) e Boris Johnson (Reino Unido).
Última nota : 
As negociações entre John Kerry e Sergey Lavrov foram retomadas. Elas não tem por objectivo reescrever novamente um acordo de paz sobre o qual já tudo foi dito. Mas, sim, ajudar o Departamento de Estado a vencer as resistências que ele enfrenta no seu próprio país.
Tradução
Alva

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