Yanis Varoufakis Blog
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Proposição, para encaminhar o Alpbach Keynote Debate 2016:
"Economia de mercado é o melhor modelo. E dará conta dos desafios que há pela frente." Você concorda?
Yanis Varoufakis: É uma questão excelente para os anos 1920s, talvez também para os anos 1980s. Hoje, é isca para nos afastar das questões que fazem diferença. Questão interessante para a academia, mas que absolutamente não tem importância alguma diante dos desafios atuais, que nos pressionam.
Em idos tempos, quando essa questão de mercado X estado, de ordem espontânea X agências estatais estava sendo discutida por intelectuais como Oskar Lange, Friedrich von Hayek, Joseph Schumpeter, John Maynard Keynes, Michal Kalecki etc. von Hayek comentou certa vez que o problema do socialismo planificado é que só pode ser aplicado por meios que os socialistas desaprovariam. O colapso da URSS e seus estados satélites confirmou a ideia de Hayek.
Mas depois, em 2008, para ser bem preciso, tivemos outra implosão. Assim como mercados financeiros não regulados estavam colapsando logo depois do [banco] Northern Rock [quebrar], Merrill Lynch e Lehman’s, assim também colapsavam os dogmas neoliberais segundo os quais mercados financeiros, liberados de qualquer regulação, encontrariam o próprio equilíbrio estável de autorregulação.
Não funcionou assim; os governos tiveram de correr para resgatar bancos sem estatizá-los, e terminamos com um darwinismo absurdamente invertido, baseado na sobrevivência dos mais gigantescamente fracassados: quanto mais fracassado fosse o banqueiro, quanto mais quebrado, maior capacidade ele tinha para se apropriar de partes da mais valia produzida pelos trabalhadores e pelo capital industrial. Assim, hoje, no mundo pós-2008, para parafrasear Hayek, soluções de livre mercado só podem ser implementadas por meios que von Hayek nunca aprovaria.
Compreendemos bem os fracassos do socialismo: grave incapacidade para levar as inovações às massas, e uma tendência para o autoritarismo sempre tingida de muita corrupção. Mas o problema inerente do capitalismo de livre mercado, por outro lado, é que existem dois mercados chaves que não podem de modo algum trabalhar de modo confiável, se forem deixados livres: um, o Mercado de Dinheiro; outro, o Mercado de Trabalho.
Quem tenha qualquer dúvida de que os princípios do mercado (a saber, os argumentos padrão sobre oferta e demanda em interação para gerar equilíbrio e eficiência) não dão conta do mercado de dinheiro, considere dois fatos da nossa realidade próxima, hoje:
(i) Taxas negativas de juros: Como pode(ria) o preço de uma mercadoria (i.e. do dinheiro-crédito) ser negativo, a menos que o dinheiro-crédito seja um tipo demercadoria com a qual os mercados não conseguem lidar?
(ii) O Programa de Compras do Banco Central Europeu para o Setor Privado [ing.ECB’s Corporate Sector Purchase Program]; i.e. o fato de que o banco central da Eurozona está obrigado, porque está perdendo a luta contra a deflação, a comprar a dívida privada, de empresas privadas. Em outras palavras, é o banco, não algum 'mercado' que seleciona quais os empresários serão 'resgatados' e quais empresários não serão resgatados...
Nem (i) nem (ii) acima é consistente com a crença comovente, dos neoliberais livre-mercadistas de que o dinheiro seria apenas outra mercadoria, igual a todas as demais, cuja quantidade e preço seriam determinados por oferta e demanda.
O segundo mercado que não pode (e não deve ser deixado) operar como livre mercado é o Mercado de Trabalho. Assim como o 'mercado' de dinheiro, no qual atualmente o preço (a taxa de juros) cais, mas a demanda por dinheiro (a demanda por fundos a serem investidos), mas não há o que a faça subir, assim também no mercado de trabalho o preço (os salários) frequentemente cai quando a demanda (o emprego) permanece catatônica (e em alguns casos diminui, como na Grécia).
Assim sendo, de uma perspectiva política, não é questão de livres mercados X coletivos ou agências estatais. Hoje, na Europa, demos jeito de combinar os piores aspectos dos mercados com os piores aspectos da intervenção estatal (de fato, supraestatal), para produzir uma crise existencial para a União Europeia e para nossa democracia. Estamos num momento 1930 (pouco antes de o setor financeiro colapsar completamente, já sob os ventos de uma Grande Deflação, e poucos anos antes de a Europa ultrapassar o ponto de não retorno, tombando de cabeça num abismo político e ético).
A Europa está-se desintegrando por causa de um mecanismo de mútuo reforço da deflação, baixo investimento, autoritarismo e fragmentação econômica cum política. As raízes dessa desintegração estão lá, no DNA da União Europeia. A União Europeia foi criada sobre bases nem de livre mercado nem de socialismo: foi criada como um cartel de indústrias pesadas e pesadamente oligopolistas, adiante ampliado (o cartel) para incluir o agronegócio e os bancos.
Esse cartel foi apaixonadamente nutrido, nos anos 1950s e 1960s, pelos EUA, os quais, como maior economia de mais valia do mundo, proveu o cartel Europa com a moeda e a gestão macroeconômica centralizada de que ele necessitava. Em resumo, os EUA estavam reciclando a própria mais valia, enviando parte desse dinheiro para a Europa e o Japão. E os EUA continuaram a fazer isso até que perdeu a sua mais valia, e deslizou para uma posição de déficit em conta corrente, em meados dos anos 1960s. Consequentemente, em 1971, os EUA puseram fim àquele sistema de reciclagem de mais valia, servindo-se do que tenho chamado de EUREXIT –, quando alijaram a Europa, para fora da zona do dólar (quer dizer, para fora do sistema de Bretton Woods).
Do final dos anos 1970s, até 2008, novamente os EUA proveram o mecanismo de reciclagem da mais valia global que tornou sustentável o cartel da Europa. Apenas que, dessa vez, mediante mercados financeiros descentralizados e o explosivo déficit em conta corrente dos EUA que garantia às fábricas alemãs (depois japonesas e chinesas) a demanda efetiva de que tanto precisavam. E como esse déficit foi financiado? Com encaminhar 70% dos lucros de alemães, japoneses e chineses para Wall Street, para financiar os déficits dos EUA. Nas costas desse tsunami de fluxos de capital, a financeirização cresceu e cresceu e levou, inevitavelmente... a 2008.
A união monetária "Europa" só pôde funcionar antes de 2008; depois de 2008 já não tinha a necessária capacidade para absorver choques, indispensável para que sobrevivesse. Desde o início, reforçou os desequilíbrios em conta corrente dentro da Eurozona (como tantos de nós, Cassandra, prevíamos), inundando as regiões deficitárias com empréstimos que inevitavelmente criariam bolhas que em seguida eclodiriam, garantindo que, na ausência de algum mecanismo para reciclar as perdas e os superávits dentro da Eurozona (ou algum procedimento racional para a insolvência), se tornaria inevitável uma crise deflacionária da dívida – que toma a forma de uma Grande Depressão em lugares como a Grécia, e de juros negativos e muito baixos, e investimento muito, muito baixo, em lugares como Áustria e Alemanha.
Depois de 2008, EUA e Europa não conseguiram retomar a pose e deixar o que Larry Summers chama de a "secular estagnação" deles. Mas a Europa está muito, muito pior que os EUA; está realmente em desintegração (diferente dos EUA que permanecem íntegros, apesar dos empenhados esforços de seus políticos). Para entender por que, devem-se investigar as perguntas que tomadores de decisões norte-americanos e europeus fizeram-se, eles a eles mesmos, em 2008.
Em Washington, luminares reunidos perguntaram-se: "O que temos de fazer para impedir que essa crise nos consuma?" Em Bruxelas, perguntaram-se: "O que podemos fazer para fingir que as 'regras' que inventamos há 15 anos, que hoje sabemos que são impossíveis de cumprir, estariam sendo cumpridas". A resposta à segunda pergunta – é minha opinião, que aqui submeto à discussão – só trará alguma solução à crise por algum acaso fortemente improvável...
Para arrematar, lembro de um cartoon dos anos 1980s, no qual dois empresários olham para baixo, pela janela de vidro de um arranha-céu em NY; um diz ao outro: "Precisamos desesperadamente de governo totalitário que imponha políticas econômicas liberais". Pronto. Na Europa hoje temos uma Troika totalitária, acima de parlamentos e governos, a qual, em nome de políticas econômicas liberais está obrigando os mercados de dinheiro a destruir fundos de pensão, nossos mercados de trabalho a destruir empregos e gerar miséria, a Europa a desintegrar-se.
No Brasil-2016 acontece exatamente o mesmo! Em nome de aplicar políticas econômicas neoliberais, os neoliberais por aqui DERRUBARAM GOVERNO ELEITO! Neoliberais, sim, são. Liberais, não: são fascistas neoliberais... [NÃO VAI DAR CERTO (NTs)].
Em conclusão, nossa escolha não é entre livres mercados e intervenção estatal.
Temos escolhas muito mais interessantes que essa. Podemos nos unir em toda a Europa, e nos levantar contra essa mistura envenenada de Grande Deflação, autoritarismo e xenofobia que hoje só se reforça, ao mesmo tempo em que acelera a desintegração da Europa, e empurra os europeus para nova versão dos anos 1930s.
Para termos sucesso, temos de recolher as melhores ideias de diferentes tradições ideológicas, e os melhores instrumentos que mercados e estados possam oferecer. É isso, ou, alternativamente, podemos desperdiçar nossas energias e continuar a bater cabeça contra uma cesta de políticas falhadas e rombudas, enquanto se discutem questões que mal e mal dariam conta dos anos 1920s, se tanto.
blogdoalok
segunda-feira, 5 de setembro de 2016
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Quem disse que Economia de mercado é o melhor modelo? Por Yanis Varoufakis
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