MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Agora que já há melhores detalhes sobre a reunião da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em Argel, semana passada, vê-se claramente que os boatos sobre morte iminente do cartel eram grosseiramente exagerados. A OPEP chocou o mundo, agora, com um corte na produção que era simplesmente considerado impossível no contexto da feroz rivalidade, entre o eixo central do cartel, a Arábia Saudita, e o Irã. Na reunião da semana passada, apesar do infindável comércio de cavalos, cavalos para lá, cavalos para cá, afinal foi possível um acordo, pelo qual a Arábia Saudita concordou com que o Irã, que ainda se recupera de anos de sanções ocidentais, seja isento da obrigação de fazer qualquer redução na produção de petróleo.
Como explicar esse desenvolvimento que deixou boquiaberto o ocidente? Permitam-me lembrar coluna que escrevi há um mês para Asia Times sob o título Pay heed to the butterfly effect of Putin-Salman oil deal in Hangzhou [Prestem atenção ao efeito borboleta do acordo de petróleo Putin-Salman, em Hangzhou].
O que vimos em Hangzhou foram os primeiros sinais de mudança tectônica na política mundial do petróleo, com a Rússia se movimentando para substituir os EUA "na posição que foi dos norte-americanos durante 70 anos, de pivô central no campo da energia, como parceiro número um da Arábia Saudita". Muito interessantemente, o ministro da Energia da Rússia Alexander Novak estava na cidade, e muito ativo, enquanto a OPEP reunia-se em Argel, apesar de a Rússia sequer ser membro do cartel.
Difícil dizer o quanto Novak teria conseguido aproximar seus contrapartes sauditas e iranianos, mas não há dúvida alguma que Moscou teve papel proativo, nos bastidores, para encorajar a construção de algum modus vivendi entre Riad e Teerã nesse front. Para os dois lados, Rússia e Arábia Saudita, o baixo preço do petróleo está ferindo as respectivas economias, porque implica redução na renda das exportações do petróleo, que é também sua principal fonte de renda. O Irã está até em melhor posição, porque, paradoxalmente, os anos das sanções ocidentais sobre suas exportações de petróleo forçaram Teerã a diversificar sua economia, afastando-a de depender criticamente do petróleo. Hoje, as exportações de petróleo não chegam a 1/3 da renda do Irã.
Contudo, o Irã insistiu em sua prerrogativa soberana de recobrar sua fatia do mercado de petróleo como existia na era antes de serem impostas as sanções ocidentais ao país, e Rússia e Arábia Saudita entenderam a legitimidade dessa demanda e a aceitaram.
Por outro lado, o acordo de Argel – reduzir a produção de petróleo do cartel, de 33,47 barris/dia, para 32,5 milhões de barris/dia, em agosto – só foi possível porque a Arábia Saudita aceitou assumir a maior parte da obrigação de reduzir o nível de produção. Que ninguém se engane: aí, a Arábia Saudita fez concessão de dimensões monstro.
Mas os sauditas devem ter calculado que, se o preço do petróleo puder ser mantido bem acima de $50 o barril, a renda deles aumentará, e hoje a necessidade imperativa da economia saudita é constituir um 'lastro' que lhes permita apoiar níveis acordáveis (e estáveis) de preços do petróleo.
Com os baixos preços do petróleo, a Arábia Saudita entrou num déficit de orçamento de cerca de 5% do PIB, o que obrigou o país a apertar o cinto e reduzir salários. Os sauditas já torraram cerca de $150 bilhões de suas reservas externas para subsidiar o orçamento. Já se foram quase ¼ das reservas sauditas. Interessante, o ministro do Petróleo saudita, Khalid al-Falih, chegou a Argel imediatamente depois de sair de uma reunião de gabinete que decidiu impor corte de 20% nos salários, no esforço para alcançar a 'austeridade' (Reuters).
De fato, para fazer acontecer o acordo de Argel – que está previsto para entrar em vigência em novembro – a Arábia Saudita terá de fazer maiores cortes na produção. Tirar do mercado 1 milhão de barris de petróleo por dia, todos os dias, não é coisa pequena. Mas, se o acordo der certo, segundo estimam os analistas do Bank of America-Merrill Lynch, deve-se esperar que o petróleo alcance $60 no início do próximo ano, e estará chegando em meados de agosto à meta de $70.
Não há dúvidas de que se acabaram os tempos de petróleo a preço sub-$40, e as consequências disso são profundas, tanto para países produtores como para países consumidores (como Índia). O acordo firmado na reunião da OPEP em Argel demarca uma nova realidade nos mercados mundiais de energia. Claro, a OPEP não é todo o mercado, e falta-lhe muito. E os grandes produtores fora da OPEP – EUA, Rússia, China e Canadá – podem aproveitar-se da limitação na produção do cartel. Mas, isso, só na teoria.
A Rússia, para começar, está nadando na maré montante da OPEP e pode até ser chamada de seu Flautista de Hamelin. Além do mais, a OPEP controla cerca de 40% do mercado mundial de petróleo e tem história de sucessos sempre que reagiu com cortes na produção, a preços baixos.
Não há dúvidas de que as capitais ocidentais, especialmente Washington, serão balançadas pela decisão da OPEP em Argel. Não só porque desaprovam o tipo de gestão do mercado em que a OPEP se empenha, mas também porque há um ângulo geopolítico, ao qual já me referi. Citando o que escrevi em Asia Times,
"Um entendimento entre Rússia e OPEP tem potencial para transformar completamente os alinhamentos geopolíticos no Oriente Médio (...). Essa deriva fatalmente impactará a reciclagem do petrodólar, que sempre foi, historicamente, um robusto pilar do sistema financeiro ocidental (...). A aliança sauditas-russos no campo da energia tem implicações sobre a recuperação econômica no ocidente, criticamente conectada aos preços do petróleo. Também em termos estratégicos, a tentativa em que Washington tanto investe, de 'isolar' a Rússia, perde qualquer efetividade, porque a Europa continuará pesadamente dependente da Rússia, como sua fornecedora de energia, por todo o futuro que se pode antever hoje."
Ao fim e ao cabo, o mais espantoso de tudo é o pragmatismo de que se mostram capazes Arábia Saudita e Irã, rápidos a pisar o centro de um mesmo palco, apesar da amarga rivalidade que opõe os dois países em tantos cenários, como Síria, Iraque, Líbano, Iêmen, Bahrain, etc. O FT publica artigo fascinante sobre como Arábia Saudita e Irã, "inimigos jurados em campos opostos de guerras por procuração que devastam o Oriente Médio", ainda assim conseguem firmar aquele pacto, na reunião em Argel: OPEC deal: How Riyadh and Tehran poured oil in troubled waters [Acordo da OPEP: Como Riad e Teerã derramaram petróleo em águas convulsas (só para assinantes)].
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