Matthew Jamison, Strategic Culture
tradução btpsilveira
A chocante, inacreditável, surpreendente eleição de Donald Trump não é apenas um divisor de águas na história dos EUA. Também é o fim de uma era de liderança (norte)americana depois da Segunda Guerra Mundial e marca o início do crepúsculo da liderança global pelos Estados Unidos. As repercussões da eleição presidencial de 2016 serão sentidas por anos a fio e terão profundos efeitos nas políticas globais. A política isolacionista de “primeiro os EUA” de Trump pode levar o país a abdicar e eventualmente perder seu papel como polícia do mundo e o status de superpotência primordial.
O presidente eleito tem questionado e ridicularizado abertamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Com a chegada ao poder de Trump e seu “Trumpismo” na Política Externa (norte)americana, devem aparecer grandes tensões e fissuras dentro da OTAN. Com certeza ele trará um desequilíbrio na arrecadação de fundos da OTAN. Para ser justo com Trump há algumas coisas a dizer sobre o financiamento da OTAN. Os Estados Unidos sempre suportaram 50% das despesas da OTAN, enquanto outros países europeus, que estão sempre aptos a gozar da proteção da Organização, não têm cumprido com a sua parte. Isto sempre foi deixado de lado e tolerado por vários governos (norte)americanos, tanto Republicanos como Democratas. No entanto, agora, se Trump honrar seus pronunciamentos prévios sobre a OTAN, haverá uma sacudida violenta da organização e talvez até sua desintegração.
Em um comício no verão deste ano, Donald falou que gostaria de: “manter a OTAN, mas quero que eles (os outros países membros europeus) também paguem. Não quero bancar o trouxa”. Mais claramente, os Estados Unidos gastam 3% de seu PIB em suas forças armadas, enquanto o restante da OTAN gasta apenas 1.4%, mesmo depois de concordar formalmente em gastar 2%. As consequências desse desequilíbrio surgem naturalmente – por exemplo, na guerra do Afeganistão, os Estados Unidos providenciaram o envio de 100.000 tropas, enquanto todos os outros países da OTAN em conjunto enviaram apenas 35.000. Trump capitalizou esse desequilíbrio para propor a sua agenda “Primeiro os Estados Unidos”. Aparentemente, ele está disposto da desmantelar a OTAN, bem como desprezar aliados asiáticos de peso, e também a se retirar do Oriente Médio – uma espécie de “Trexit”.
Para o presidente eleito, tudo, incluindo alianças militares é visto através da ótica de um jogo de soma zero em transações comerciais. Mais detalhadamente, Trump comentou acidamente um dos mais sacrossantos princípios da OTAN, o Artigo 5, que reza que o ataque contra qualquer dos membros da OTAN é um ataque contra todos os membros: “as pessoas não sequer pagando a sua parte e depois balbuciam estupidamente: ‘mas nós temos um tratado’...” Mostrando um tom definitivamente isolacionista e quase xenofóbico, Trump criticou a ideia de ter que defender países que sequer estão pagando o que devem: “estamos protegendo países dos quais a maioria das pessoas dentro desta sala jamais ouviu falar e assim, acabaremos entrando na Terceira Guerra Mundial... Vamos dar um tempo”.
O fracionamento da OTAN agora deverá acontecer, se não houver cautela nas ações, levando ao fim da Aliança do Atlântico. Mas não é apenas as alianças dos EUA com países do Atlântico Norte que podem quebrar durante os anos do Presidente Trump. Ele já havia apontado o dedo antes na direção não só de países europeus como a Alemanha, mas também para outros aliados como Japão e Arábia Saudita, ameaçando que, quando fosse eleito, os Estados Unidos poderiam “ir embora” se não fossem pagos os custos dos soldados (norte)americanos estacionados nestes países para a sua proteção. O antigo Ministro de Relações Exteriores da Suécia, Carl Bildt reagiu depois dos comentários de Trump sobre a OTAN, afirmando: “nunca pensei que um candidato de peso para a presidência dos Estados Unidos fizesse ameaças sérias contra a segurança do ocidente. Mas é o que temos agora”.
Durante as declarações congratulatórias pela eleição à presidência dos EUA, a Chanceler alemã, Angela Merkel, fez a Donald Trump um alerta nas entrelinhas. Disse ela: “Alemanha e EUA estão ligados por valores: democracia, liberdade, respeito pela lei e a dignidade dos direitos humanos das pessoas, independentemente de suas origens, cor da pele, religião, gênero, orientação sexual ou posições políticas. Com base neste valores, ofereço ao futuro presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, nossa mais estreita cooperação”.
O presidente francês François Hollande foi ainda mais específico em sua “congratulação”, declarando que a vitória de Trump: “abre um período de incerteza”. Falando do Palácio Eliseu, o presidente Hollande disse que agora haverá necessidade de uma Europa ainda mais unida, capaz de fazer valer sua influência em nível internacional e promover seus valores e interesses seja onde for que eles sejam desafiados.
Tema similar foi abordado pela Chefe da Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini em seu twitter sobre o resultado das eleições (norte)americanas, ao falar sobre a necessidade de redescobrir ”a força da Europa”. De fato, a eleição de Donald como presidente pode providenciar uma catálise dramática através dos países europeus para providenciar uma organização defensiva separada e europeia. A eleição de Trump pode ter a consequência de agilizar e fazer surgir o entendimento da necessidade de impulsionar a criação mais rápida de um novo Exército Europeu, como já delineado por Jen-Claude Junker no verão, para contrastar com a OTAN.
Está em risco o núcleo dos princípios estratégicos dos Estados Unidos pós Segunda Guerra Mundial – de que tentar deixar de lado os problemas dos outros não funciona, e que, de fato, isso ajudou a levar o mundo para duas guerras mundiais. No entanto, Trump rejeita esses princípios, e parece preferir que os Estados Unidos não interfiram tanto nos assuntos de outros países. Parece mesmo rejeitar os elementos essenciais da força dos EUA no mercado internacional e no sistema mundial de segurança e parece indiferente ou mesmo hostil às tendências pós Segunda Guerra Mundial que levaram ao compromisso de defesa do Atlântico entre EUA e Europa, o qual deveria facilitar a surgimento de uma Comunidade Europeia de Defesa ao lado da OTAN, a qual eventualmente deveria substituir a OTAN como o principal pilar para a defesa da segurança europeia dando à União Europeia uma identidade e capacidade global.
Neste sentido, caso Hillary Clinton tivesse sido eleita, a consequência seria que os movimentos no sentido de uma postura de defesa comum da Comunidade Europeia poderiam ser mais lentos e restritos, envolvendo de certa forma a OTAN. A Organização permaneceria como a pedra angular no sistema de defesa e segurança dos EUA e da Europa. Sob uma administração Clinton, as tentativas de reforçar a relevância, a identidade e a unidade da OTAN aconteceriam com certeza, através de iniciativas que tivessem o condão de revigorar a Organização.
Uma forte tendência dentro da administração Trump, que ironicamente pode causar uma enorme divergência entre Europa e Estados Unidos, disparando alarmes estridentes e divisões profundas dentro da OTAN, é a possibilidade de détente entre EUA e Rússia, sob a liderança, respectivamente, de Trump e Putin. O presidente Trump quase com certeza tentará estabelecer novas e próximas relações entre Washington e Moscou, particularmente no que tenha a ver com o combate ao Estado Islâmico e a estabilização da Síria.
Tanto a OTAN quanto a União Europeia, particularmente os países do Leste Europeu, deverão resistir a tal impulso de cooperação estreita e relações mais fortes entre Rússia e Estados Unidos. Ficou claro que uma administração Trump dará mais atenção ou levará em conta os interesses russos, em vez de buscar confronto ou conflito, deixando de dar qualquer atenção às preocupações da Europa, ocidental ou oriental. Desta forma, a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos representa um realinhamento geopolítico de grandeza sísmica, e o fim do ocidente como o conhecemos atualmente desde o final da Segunda Grande Guerra mundial. A OTAN pode acabar desmantelada ou se tornar obsoleta, enquanto os Estados Unidos podem se mover para mais perto da Rússia e os europeus para mais longe dos EUA.
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