Esta é a principal razão de tantas desinformações, a repetição de preconceitos e falsas identidades, pois, colocadas a nu, políticas adotadas por governos, reportagens e entrevistas apresentadas nos veículos de comunicação de massa, pressões internacionais seriam não apenas repudiadas como poderiam levantar um clamor e ações populares que não interessam aos donos do poder.
O leitor poderá objetar que também estaria me associando, por outro lado, às farsas, embora movido por outros objetivos. Acho perfeitamente natural. Mas septuagenário, aposentado, de bem com a vida, nada teria a ganhar, a não ser o descrédito de quem me conhece, se viesse agora procurar enganar a quem quer que fosse, principalmente sobre uma área onde trabalhei, no Brasil e no exterior, por mais de trinta anos e deixei um bom conceito profissional.
Analisarei nestas considerações três áreas que se entremeiam e são fundamentais para a compreensão do petróleo e de suas circunstâncias: econômica, administrativa e geopolítica.
Todos sabem que o século XIX foi do desenvolvimento colonial europeu, com destaque para o inglês, como forma de dominação econômica e cultural. Viu-se, assim, etnias, idiomas e cultos serem exterminados e riquezas serem transferidas de todos os continentes para a Europa. Ao final do século surge um novo modelo colonial que vai ser preponderante nos próximos anos; o dos Estados Unidos da América (EUA). Com este empoderamento estadunidense o petróleo ganha um status especial entre os produtos, não apenas como estratégico insumo energético, mas revolucionando a produção química e os serviços de transporte.
No alvorecer do século XX, as guerras quentes decorrem desta disputa geopolítica entre um colonialismo que perde espaço, representando um continente e uma cultura, e outro que triunfa, e com ele novos padrões civilizatórios. É curioso observar quão atrasadas estão nossas “elites” que ainda hoje, nos anos 2000, repetem e vivenciam os padrões derrotados há mais de cem anos.
O modelo industrial dos EUA, o consumo de massa e seus padrões de comunicação reforçam a demanda por petróleo que, até a terceira década do século XX, é suficiente no próprio território norteamericano. Ao se lançar para o exterior, os EUA e os demais países que entraram no negócio do petróleo, para evitar uma predatória concorrência, se reunem em 1928, em Achnacarry, dando o nome desta área e do castelo escocês ao Acordo, um Tratado de Tordesilhas, para a participação de cada um no negócio do petróleo ao redor do mundo.
Mas não foram os donos e dirigentes das empresas que se reuniram? Aqui está então a primeira desmistificação: o petróleo e vários outros produtos e tecnologias são, antes de tudo, expressões geopolíticas do poder dos Estados. Poderia enumerar guerras e pressões entre países unicamente devidas ao petróleo. Fico no exemplo que foi minuciosamente descrito pelo agente Kermit Roosevelt, da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA: a deposição de Mohamed Mossadegh em 1953, no Irã (ver Stephen Kinzer, Todos os homens do xá, Bertrand Brasil, 2004, RJ). E, em outro, ocorrido na Petrobrás nos anos 1980. A geofísica assumia um relevante papel na exploração marítima e a aquisição e o processamento de dados sísmicos evoluíam tecnicamente de modo acelerado. O centro de processamento de dados exploratórios da Petrobrás negociou um computador que atendesse a estas exigências. Foi definido com a empresa estadunidense, fabricante destes equipamentos, o modelo adequado a estas novas necessidades, mas o governo dos EUA interferiu, para colocar restrições e controle sobre o processamento de dados, no caso sísmicos, na Petrobrás, que a eles se submeteu. Até o acesso ao local onde estava instalado o computador era supervisionado pelos EUA. E tratava-se de uma empresa industrial norteamericana e privada negociando com uma empresa de petróleo, uma commodity internacional, o seu produto comercial: computador. Não tenho prova, mas a robusta convicção que a espionagem dos órgãos estadunidenses, revelada pela Operação Lava Jato, teve aí o seu começo.
Observamos então que, ainda hoje, tão estratégico e importante produto como o petróleo é zelado por todos os governos. Se os seus ganhos são dados a particulares ou ao orçamento público, é uma questão de definição política de cada país, mas nenhum, salvo colônia ou quando dirigido por corruptos, entrega a terceiros o controle da produção de petróleo e mais ainda de suas reservas, ao que voltaremos mais adiante.
Passemos então a analisar um segundo tópico: reservas de petróleo. Quando aluno de administração, me ensinaram que era pelo mercado que se combatia. Aprendi que no petróleo são as reservas que importam. O que distingue uma empresa industrial de outra, para um banqueiro, podem ser os ativos e também o mercado. No caso do petróleo são sempre as reservas de óleo e gás, que lhe dão esta característica: empresa de petróleo.
Atualmente o mundo vive uma abstinência de descobertas. Deve-se, em primeiro lugar, à intensa exploração a que já foram submetidas as bacias sedimentares; em segundo lugar ao preço do barril de óleo cru.
A Petrobrás teve no “tenente” Juracy Magalhães seu primeiro presidente (02/04 a 02/09/1954), saiu com a morte de Getúlio Vargas, e a quem coube implantar o Plano Básico de Organização, obra de Hélio Beltrão que, com as alterações óbvias da dinâmica do negócio, manteve suas bases teóricas até 1994.
É relevante comentar este trabalho de alta qualidade, que Beltrão elaborou aproveitando, com inteligência, o estado da arte organizacional dos anos 1950. Conseguiu, numa estrutura departamental, unir a coerência e a hierarquia com a descentralização decisória, em ambiente de controle e segurança gerencial. E para se precaver das tentações, que um negócio tão rico impulsionasse, criou a decisão colegiada com paridade participativa, tanto na área executiva quanto na política.
Dentro deste modelo, coube ao ex-geólogo chefe da Standard Oil, Walter K. Link, modelar a exploração. Muito se acusou Mr. Link de agir contra o Brasil. Não é minha opinião. Competente exploracionista, constatou que, nas condições tecnológicas e preços previsíveis, as bacias terrestres brasileiras não produziriam petróleo em quantidades adequadas e recomendou a ida para o mar. E fez mais, orientou os geólogos a se aperfeiçoarem e o fazerem sempre num modelo que foi adaptado e seguido até os anos 1980. A capacitação técnica, que este continuado treinamento e o estudo de uma geologia complexa trouxeram à equipe da Petrobrás, pode ser avaliada na descoberta do campo terrestre de Majnoon, no Iraque, em 1975. Antes da Petrobrás (Braspetro), este campo gigante, com reservas hoje estimadas em 12,6 bilhões de barris, passou por diversas empresas internacionais, entre elas a Shell. E nada encontraram.
A ida para a plataforma continental foi uma sequência de êxitos técnicos e econômicos para o Brasil. A Petrobrás, seguindo a orientação de substituição das importações, desenvolveu, desde o final dos anos 1960, um programa de incentivo à empresa brasileira. Criou-se, assim, em torno da Petrobrás e logo ampliado para outras áreas da energia e da engenharia em geral, um significativo parque industrial e de desenvolvimento de tecnologia nacional, incorporando universidades públicas.
O ápice veio com a descoberta do pré-sal que não só colocou o Brasil autossuficiente em petróleo, como consolidou a posição de vanguarda de sua equipe de exploração e engenharia de produção. E esta descoberta foi a única significativa nos últimos 30 anos em todo o mundo, o que explica, entre outros motivos, o golpe aplicado no executivo em 2016.
Vejamos um tópico pouco analisado na grande (sic) imprensa, que o jornalista Paulo Henrique Amorim denomina PIG – Partido da Imprensa Golpista: o risco exploratório. Para que se alcance a descoberta de um reservatório, a empresa de petróleo perfura em torno de 17 a 20 poços secos, isto é, uma descoberta em vinte insucessos. O custo desta descoberta é, sem qualquer outro investimento para delimitar a reserva e produzi-la, aquele dos 18, 19 poços secos e das atividades para suas locações. Cada poço, com todos os custos envolvidos na área do pré-sal, está na ordem de centenas de milhões de dólares. Ora, no pré-sal ocorre praticamente o oposto: 15 poços descobridores para três ou quatro secos. Este governo atual, eliminando, na prática, a Petrobrás de prosseguir na exploração do pré-sal e entregando a empresas estrangeiras esta enorme riqueza, está também dispensando-as do dispêndio do risco exploratório. Este bônus, retirado de todos os brasileiros, é um presente do Senador, hoje Ministro, José Serra ao estrangeiro; no mínimo uma impatriótica ação.
Mas voltemos à análise do século XX, que em sua segunda metade viu uma nova e profunda alteração no poder mundial. Os rentistas da velha dominação financeira do período colonial inglês nunca se conformaram com a hegemonia industrial estadunidense. Usando o escudo ecológico, da proteção ambiental e do preservacionismo, foram minando aquele modelo industrial sem dúvida poluidor. A partir de 1947, com a Sociedade Mont Pèlerin, na Suíça, foram constituídos o Clube de Roma, em 1968, o Forum Econômico em Davos, em 1970, e criam, com David Rockeffeler, em 1973, a Comissão Trilateral, que se operacionaliza para América Latina, em 1982, com o Diálogo Interamericano, onde encontramos os brasileiros Fernando Henrique Cardoso (FHC), Celso Lafer e Roberto Civita. Forma-se então, com ingleses e norteamericanos principalmente, um novo sistema financeiro internacional, que denomino a banca, e que divulgará e imporá a doutrina neoliberal.
Esta nada mais é do que a repetição do liberalismo colonial inglês, que, como no boteco da esquina, o dono pinta a porta e escreve: sob nova direção.
Este empoderamento do sistema financeiro se consolida quando Margaret Thatcher, no Reino Unido (UK), e Ronald Reagan (USA) decretam o “liberou geral” para banca. A consequência econômica, política, social e ética desta medida tem sido, pouco a pouco, revelada. Apenas como um dado, a banca passou a receber todo o ganho ilícito (drogas, armas, tráfico de pessoas, corrupção e fraudes) de modo legal e formal. Deixou de haver crime de todos os lados do equador.
E a Petrobrás? Bem ou mal, conseguiu se equilibrar de João Figueiredo a José Sarney, mas sucumbiu, principalmente, com a reorganização promovida nos governos FHC. Criou-se a fantasia de centros de negócio, como se uma empresa de petróleo tivesse ou necessitasse de outros. Cada centro passou a agir com a indecorosa impunidade que a ausência dos sistemas de Helio Beltrão revelariam. Além disso e como a verdadeira razão, buscava-se, no exemplo da Argentina de Carlos Menem, se desfazer da empresa de petróleo, talvez almejando as mesmas comissões. Os caminhos foram desde a compra de refinarias no exterior, à venda de refinaria brasileira, à transferência de direitos de exploração e a várias outras impatrióticas, quiçá ilícitas, decisões, que levaram o caos moral do neoliberalismo e sua transferência de recursos para dentro da Companhia. Preparava-se sua destruição por clamor público e por inaptidão interna.
A Petrobrás já sofria a falta de uma reforma organizacional que a colocasse, não só tecnicamente, pois ainda se mantinha capaz nesta área, mas administrativa e gerencialmente focada na companhia e com sistemas adequados a seus objetivos empresariais e nacionais. O golpe de 2016 foi uma rude punhalada na empresa que tinha e tem toda condição de ser um orgulho nacional, e em toda economia e tecnologia brasileira que ela desde sua constituição promoveu.
Agora, que o mundo começa a questionar, do modo que é possível, o governo da banca, estes golpistas de todos os poderes, mostrando ser a vanguarda do atraso, aprofundam o caos neoliberal no Brasil. Vale perguntar como Cícero, o orador romano, até quando abusarão de nossa paciência.
Esta é a triste situação atual; corroída por dentro e por fora a Petrobrás vai perdendo o que causava inveja a todas as nações e era um exemplo para aquelas em desenvolvimento. A imprensa noticia como da Petrobrás a iniciativa de alienações de atividades rentáveis, por preços vis, a ausência em concorrências, que gerariam maior retorno e lucros, dando assim a impressão que a empresa está falida e realizando verdadeiro saldo de estação. E, também, para dar impressão da empresa estar de costas para o interesse nacional a contratação de serviços e produtos no exterior, tudo por imposição do senhor Pedro Parente, da senhora Magda Chambriard e das autoridades governamentais. E não se vê a revolta popular, talvez adormecida nos canais de televisão do oligopólio midiático, não tendo a dimensão do prejuízo para o Brasil que o golpe de 2016 vem produzindo.
Obs. Petrobrás, oxítona terminada em a, deve ser acentuada. Os neoliberais também destroem o vernáculo.
Autor: Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado
Dinamica Global agradece o autor por compartilhar o conhecimento e pelo discorrer histórico legível. Somos todos leitores gratos.
Publicado em dinamicaglobal.wordpress.com
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