MK Bhadrakumar, Indian Punchline
A conferência de seis países sobre o Afeganistão a realizar-se em Moscou na 4ª-feira – Rússia, China, Índia, Irã, Afeganistão e Paquistão – já está, de fato, sob a mira dos EUA. Comentário da Voz da América já mostrou isso, ao tomar a iniciativa: "Rússia, sempre mais interessada em minar os EUA do que em resolver os problemas regionais." O comentário lamentava que EUA e OTAN não tenham sido convidados à conferência em Moscou. Mas mesmo assim admite que analistas regionais "observam esse desenvolvimento com mais otimismo".
Washington está terrivelmente preocupada com o "retorno" da Rússia ao Afeganistão. Os EUA temem que a Rússia venha a fazer outra "Síria" no Afeganistão, apressando o fim definitivo da guerra e arrasando todo o Estado Islâmico, expulsando-o para fora do Hindu Kush e da Ásia Central, o que, claro, arrasaria também a raison d'etre da presença militar sem fim, que se vai eternizando, dos EUA no Afeganistão.
Essa questão está também conectada ao futuro do "Euro-Atlanticismo" e à importância da OTAN como organização de segurança. Evidentemente, guerras criam interesses empresariais, e a guerra afegã, em seus já quinze anos, a mais longa da história dos EUA, criou fluxo suculento que envolve dezenas de bilhões de dólares (grande parte dos quais absolutamente clandestinos). Os fornecedores de guerra norte-americanos e os políticos que trabalham para eles estão vivendo à forra. Agora transpira que o Pentágono tem consumido bilhões de dólares em salários para "soldados fantasmas" afegãos, que só existem no papel!
E há também a questão maior das relações EUA-Rússia. A inteligência dos EUA e o Pentágono não estão a favor da ideia do presidente Donald Trump, de melhorar as relações do país com a Rússia. Também rejeitam a noção de Trump, de que a OTAN seja "obsoleta". A guerra afegã é a vitrine indispensável para mostrar a todos o quanto a OTAN continua(ria) indispensável.
O mais lógico será os EUA aceitarem a já antiga oferta que lhe fez a Rússia, para que os dois países cooperem para levar a guerra do Afeganistão a uma conclusão bem-sucedida. Mas os norte-americanos não querem saber de russos. Preferem continuar a combater uma guerra sem fim, seguindo o próprio doce balanço. Claro, a geopolítica tem muito a ver com isso, dada a localização estratégica do Afeganistão.
Enquanto isso, a guerra civil que ruge nas esquinas da Avenida Beltway em Washington, entre o governo Trump e os Guerreiros da Guerra Fria – da qual a saída do conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn é o episódio mais recente –, também é bastante necessária para inflar a imagem da Rússia como "inimiga". Com um olho em tudo isso, o senador John McCain realizou uma audiência na Comissão das Forças Armadas do Senado (presidida por ele) na 5ª-feira passada, para discutir o "impasse" na guerra afegã. A agenda real foi, claramente, repetir que a Rússia está(ria) "legitimando" os Talibã e "minando" EUA e OTAN.
O principal comandante militar dos EUA no Afeganistão General John Nicholson fez o que foi mandado fazer, e produziu a gritaria encomendada. Nicholson só fez repetir que a presença militar dos EUA no Afeganistão é crucial para a defesa dos interesses da "segurança nacional dos EUA", argumento que tem a ver com o que diz Trump.
McCain representa o Arizona estado onde está instalada a indústria de armas dos EUA, e Nicholson é defensor da guerra afegã. Nasceram um para o outro. O tiroteio saído das duas horas de audiência especial da comissão do Senado foi do mesmo calibre do que levou Barack Obama a trair sua promessa de campanha eleitoral, em 2008, de que poria fim a guerra; em vez do fim, veio aquela catastrófica "avançada" [orig. "surge"] no Afeganistão. Agora as coisas parecem repetir-se.
O Pentágono está genuinamente muito incomodado por a Rússia movimentar-se tão à vontade, sobre o tabuleiro de xadrez, sempre com a iniciativa. Uma 'trilateral' com China e Paquistão em dezembro em Moscou serviu de base para a criação do atual novo formato de seis países. E Moscou também trabalhou duro por trás das cortinas para trazer Cabul para a mesa de negociações. A visita que fez o ministro das Relações Exteriores do Afeganistão Salahuddin Rabbani a Moscou semana passada ajudou os dois países a compreender melhor as intenções do outro lado e a harmonizar o modo de pensar (aqui e aqui).
Se se sabe como trabalha a diplomacia russa nesses tempos difíceis, o próximo movimento de Moscou será dar uma mão para promover relações mais cordiais entre Cabul e Islamabad. De fato, nessa empreitada altamente sensível, é muito útil o "degelo" nas relações russo-paquistanesas. (O projeto de gasoduto Norte-Sul ampliará a influência russa.)
De fato, as conversas de Rabbani com o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov dispararam sinais de alarme no Pentágono. Menos de 48 horas depois de Rabbani conversar em Moscou com Lavrov, Trump telefonou ao presidente afegão Ashraf Ghani para enfatizar "a crescente importância da Parceria Estratégica EUA-Afeganistão" e o apoio dos EUA à liderança em Cabul.
Há uma imperiosa necessidade, para a opinião pública regional, de pôr fim àquela guerra, que só faz produzir e espalhar mais e mais grupos terroristas como o Estado Islâmico. A posição da Índia na conferência de Moscou bate nessa corda certa. Porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores da Índia, disse que:
- A Índia é grande parceira em desenvolvimento do Afeganistão e está ao lado dos afegãos na luta contra seus importantes desafios, principalmente contra o terrorismo. A Índia sempre acreditou em cooperação próxima e construtiva com vistas à paz, à estabilidade, à segurança e ao desenvolvimento no Afeganistão. Com esse objetivo participamos ativamente de várias consultas bilaterais e multilaterais. Nesse contexto, aceitamos com muito gosto o convite dos russos, para consultas.
A conferência de Moscou tornou-se oportunidade excepcionalmente adequada e bem-vinda, para afirmar a opinião regional. McCain, Nicholson & Co. que migrem para o Iêmen ou para a Líbia, ou para onde bem entendam, e arrastem com eles o seu lucrativo envenenado trem da morte.
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