MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo coletivo da vila vudu
O bloco dos quatro países árabes puxados pela Arábia Saudita que impôs um embargo contra o Qatar dia 5/6 apresentou afinal sua carta de exigências. Despacho da AP [leia aqui], lista as 13 demandas. As que mais chamam a atenção incluem que Doha reduza os laços com o Irã, que rompa relações com o Hezbollah e a Fraternidade Muçulmana, que feche uma base militar turca que há no país e que extinga a rede estatal de comunicação Al Jazeera e vários outros veículos.
Interessante, o Qatar também deve "aceitar auditorias mensais durante o primeiro ano depois de aceitar todas as demandas; depois uma por trimestre, durante o segundo ano. Pelos seguintes dez anos, o Qatar será monitorado anualmente, para verificar o exato cumprimento das demandas." Tudo isso significa que só a capitulação incondicional, abjeta do Qatar satisfará seus 'grandes irmãos' – nada menos. E há também um cronograma a seguir – dentro dos próximos 10 dias –, ou todas as demandas perdem a validade.
Para mim, o Qatar verá rapidamente que essa 'ação' não passa de mal disfarçado movimento para 'mudança de regime'. A resposta do regime só pode ser uma: que aqueles figurões árabes se enforquem.
O que acontece a seguir? Dito em poucas palavras, o Oriente Médio Muçulmano (sunita) está à beira de um racha histórico, que terão consequências profundas para a segurança regional e internacional.
Que ninguém se engane: esse mais recente desenvolvimento é uma bofetada na cara do governo Trump. Só na 3ª-feira passada, o Departamento de Estado dos EUA alertou a Arábia Saudita para que ponha fim ao impasse sem qualquer demora, antes que a intervenção direta dos EUA seja necessária, criticando a posição adotada por Riad (na qual todos veem a marca do novo Príncipe Coroado Mohammed bin Salman), e mostrando simpatia ao Qatar (onde está instalado o Comando Central dos EUA). Curiosamente, o porta-voz dos EUA também aludiu ao envolvimento passado da Arábia Saudita com terroristas "seja mediante financiamento ao terror ou outros meios".
Evidentemente, o orgulho saudita foi cutucado, e Riad levou a sério a censura dos norte-americanos. Sem dúvida, aquelas demandas são mostra de desafio também a Washington. Tudo agora provavelmente tomará feições de crise prolongada, que seriamente comprometerá as estratégias regionais dos EUA – a menos, claro, que o Qatar ceda completamente – e enfraqueça a guerra que faz contra o ISIS.
De fato, a Turquia levará muitíssimo a sério a demanda saudita para que sua chamada base militar em Doha seja fechada sem cerimônias. O presidente Recep Erdogan verá essa demanda como afronta intolerável ao legado otomano. A Voz da América noticiou na 5ª-feira que a Turquia está transportando grande quantidade de alimento e soldados para o Qatar.
Obviamente, o xis da questão é que o vírus da Primavera Árabe está hibernando no Qatar e ameaça converter-se em epidemia a qualquer momento, ameaçando os regimes autocráticos no Oriente Médio. Só Turquia, Irã e Israel são imunes ao vírus do empoderamento democrático. Evidentemente, Al Jazeera e a Fraternidade Muçulmana estão enlouquecendo os xeiques na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrain e ameaçam a ditadura militar no Egito.
A credibilidade dos EUA na 'rua árabe' está agora irremediavelmente arranhada. Para o presidente Donald Trump, tudo isso se traduz em grave embaraço político doméstico. (Bloomberg) Falta saber como os EUA conseguirão pagar para manter por muito tempo a própria posição beligerante na Síria e Iraque, sem qualquer aliado regional no mundo árabe.
A estratégia de contenção do governo Trump contra o Irã parece destinada a colapsar antes mesmo de ser lançada, e o projeto que é a menina dos olhos de Trump, de criar uma "OTAN árabe" já não passa de piada macabra. Algum dia os EUA conseguirão restaurar sua hegemonia sobre o Oriente Médio Muçulmano? Duvido. Uma grande fatia da história moderna da hegemonia ocidental sobre os árabes está rachando e começa a flutuar em direção ao horizonte. Para garantir, os russos estão chegando!
blogdoalok
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