Ramin Mazaheri, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo coletivo da vila vudu
Quer dizer então que o ISIL anda dizendo que fez seu primeiro ataque no Irã... Pois a resposta do Irã parece ser "E daí?!"
Apesar de um ataque ocorrido perto do aeroporto internacional de Teerã, não houve qualquer interrupção nos embarques e desembarques e viagens. Os cidadãos foram instruídos a manter-se fora do metrô, mas nada parou. Nada de lei marcial. Sequer se decretou algum estado de emergência. Nenhuma restrição imposta às liberdades civis. Nenhuma "Lei Patriota" em preparação. Ninguém assumiu à força o comando executivo do governo.
Apesar do ataque próximo do Parlamento, os deputados continuaram o trabalho regular, mesmo que se ouvissem tiros nas áreas em torno dos prédios oficiais. Sequer foram interrompidas as transmissões da rádio do Parlamento que transmitia a sessão ao vivo.
Deputados corajosos, não é? Assumo que seus eleitores consideram hoje que, sim, escolheram bem.
(Muita gente acha que coragem é ir à guerra armado com uma metralhadora. Engano. Muito mais valente é o jovem que vai à guerra carregando uma faixa ou uma bandeira – tudo que tem é esperança e espírito de autossacrifício.)
Comentaristas estrangeiros só fazem repetir que, afinal, o ISIL teria conseguido atingir o Irã – como se, por isso, todos devêssemos tremer de medo.
E a razão é simples: a maioria dos iranianos hoje ou lutaram e sobreviveram ou cresceram durante os anos da mais terrível guerra convencional jamais combatida entre exércitos regulares de países em desenvolvimento – a guerra Irã-Iraque, de 1980-1988.
Talvez eu erre, porque escrevo apenas algumas horas depois que os ataques foram neutralizados, mas duvido. Conheço o Irã e tenho fé que os terroristas não vencerão, porque não nos assustarão nem farão de nós vidas rendidas e submissas.
Dê-lhes tempo, e prevejo que comentaristas ocidentais acabarão por admitir que o governo iraniano não está usando esse ato terrorista como meio para ampliar os próprios poderes e controlar a população. Afinal de contas, a situação está sob controle, e as forças do Estado foram muito efetivas!
Esse ataque ajuda o Ocidente (a mostrar como as respostas naquela parte do mundo são desproporcionais)
Mas a resposta dos iranianos, de "segue a vida como sempre" é impensável no Ocidente. Ok, os britânicos até falam de "fiquem calmos e toquem a vida", mas todos sabemos que a instrução não passa de slogan vazio dirigido aos consumidores.
Uaaau! A BBC até chegou a noticiar, notícia absolutamente falsa: "Contudo, funcionários do governo iraniano decretaram estado nacional de emergência, em resposta aos ataques". Não é verdade. Será que ainda assumem, arrogantemente, que fazemos o que nos mandem fazer? Como se esse mau jornalismo nunca se canse de comprometer cada vez mais e mais, a própria reputação...
O que houve nos EUA? Ora, basta lembrar o ataque contra a Maratona de Boston: a cidade parou. Todo o sistema de transporte foi fechado. 19 mil soldados da Guarda Nacional ocuparam a cidade.
"Veículos blindados andavam de um lado para outro pelas ruas. Gente inocente teve a casa invadida por homens armados, ou tiveram armas apontadas para a cabeça simplesmente porque espiavam pelo canto da cortina das janelas" – como recorda o Atlantic. (Claro, imediatamente justificavam a violência oficial: "Que ninguém condene as precauções".)
E o incidente também inspirou o slogan "Boston forte ".
JJ [risos] Acho que significa "forte por trás de portas bem trancadas"? Forte como "garotões de internet", que vivem de contar vantagens, tão mais 'valentes' quanto mais desvalidos são ou se sentem.
Não, não, não estou insultando os bostonianos, não digo que sejam covardes. Sei perfeitamente por que se trancaram em casa: por medo de serem presos. Sabem que se não obedecem serão metidos numa cela e alguém jogará fora a chave: aqui é America.
Os moradores de Boston não temem os terroristas – temem a polícia. Temem o sistema judiciário. Temem um exército doméstico pronto a atacar sem aviso e o sistema legal pronto a absolver todos os policiais que ataquem cidadãos.
Claro que as empresas da mídia mainstream não dizem nada disso. O norte-americano médio nem quer aceitar esse tipo de verdade, porque é vergonhosa demais. Nem por ser vergonhosa é menos totalmente verdade.
Os moradores de Boston certamente teriam marchado valentemente na Praça Harvard, em comício contra o terrorismo... se os cidadãos tivessem liderança genuína. Mas não têm. Os líderes nesses momentos somem nos seus bunkers: "Sou importante demais" – é a essência do individualismo ocidental.
E a França, então?! [Risos] Seis meses de estado de emergência, declarado às 4h da madrugada, depois do ataque com o caminhão em Nice, e nem foi ataque terrorista: foi ação de um louco solitário sem conexões com organizações terroristas.
Sujeito acorda e "Oui oui? Ah, bon?" Mais polícia do estado ditatorial, a um passo da lei marcial? Ça va... Temos croissants no café da manhã…"
E ninguém aí dirá que foi operação sob "falsa bandeira", como se diz no ocidente? A única coisa que se ouve são exilados iranianos reclamando como sempre, de tudo. Alguém algum dia ouviu algum cubano dizer do governo popular de Cuba as monstruosidades que esses exilados dizem contra o próprio país, só porque outros, não eles, foram eleitos?! Nunca ouviram nem jamais ouvirão.
Como já demonstrei, o Irã é efetivamente uma nação socialista, e é possível que a ideia da "guerra social permanente" dê firmeza à espinha dorsal do Irã contra qualquer tentativa de assalto contra nossas liberdades democráticas? Os iranianos com certeza absoluta precisam de suas liberdades democráticas, na luta contra os capitalistas e imperialistas que ocupam praticamente todos os países nossos vizinhos, além de muitos outros países.
Irã não precisa servir-se dessas tragédias para aterrorizar os próprios cidadãos, porque não se interessa por aterrorizar seja quem for, seja onde for. O Irã realmente combate contra o terrorismo – no Afeganistão, no Iraque, na Síria e na Palestina.
Não há dúvida de que manipular ataques terroristas para calar a democracia é precisamente o que fazem países ocidentais. A questão é por que. Por que o fazem? A impressão que tenho é que o ocidente está realmente apavorado ao ver o próprio modelo social repetidas vezes questionado, por causa das ações repetidas vezes ilegítimas dos governos ocidentais.
E por que não seriam questionados, nessa era infindável de arrocho do trabalho e dos trabalhadores, de desigualdade sempre crescente, de xenofobia rampante e futuros bloqueados?
Mas o governo iraniano não tem esses temores, porque o povo iraniano vê a legitimidade de seu próprio governo.
O Ocidente absolutamente não entende o Irã
O principal homem do The New York Times no Irã é Thomas Erdbrink –, mas não espere que ele compreenda o Irã (apesar de ter base lá há 15 anos, desde 2002).
Tampouco espere que ele perceba que esse ataque do terror é nada, para "Geração Queimada", a minha geração, que sobreviveu à guerra do Iraque".
O que é isso? Ora... Como o próprio Erdbrink escreveu em 2012, [essa minha geração] "se autodenomina 'geração queimada' porque sente que perdida, isolada da evolução natural da vida. Enquanto os pais cuidaram de arranjar empregos, casar e comprar casas, as ambições dessa geração ficaram confinadas pelas decisões políticas dos líderes iranianos e das pressões estrangeiras que se seguiram."
Não. Nada disso. Nós nos autodenominamos "geração queimada" porque fomos queimados por armas químicas na guerra Irã-Iraque. Essa geração cresceu durante a guerra e viu incontáveis atrocidades.
Triste. O quão completamente as pessoas erram.
O que se vê aí é negligência quase criminosa. Ser tomado por jornalista "top" e interpretar de modo tão completamente errado algo tão crucialmente importante. E assim vocês compreendem por que, depois de cinco anos, esqueci completamente esse desagradável comentariato.
Porque me parece que, depois de 15 anos e casado com uma iraniana, ele sabe, claro, a definição correta –, mas acho que distorce o que sabe do modo como o faz para promover sua agenda capitalista e imperialista e também, claro, para agradar aos seus patrões sionistas.
Muito me surpreende que ainda seja tolerado no Irã. Uma coisa é fazer jornalismo crítico, mas distorcer deliberadamente a informação significa que você deixou de ser jornalista, para se converter num propagandista.
Não que Erdbrink seja o único, e com certeza não era o único quando o Irã lutava contra a agressão iraquiana. Naquele momento, até a URSS estava também armando o Iraque.
Fawaz Gerges, professor de Relações Internacionais na London School of Economics, disse à CNN que "A mensagem soa alta e clara: essa gente está atacando a legitimidade da República Islâmica".
Como seria possível que um ataque de terroristas salafistas sequer invoque a legitimidade do governo do Irã? Como no caso da Síria, a mídia-empresa ocidental vê o ISIL como se fossem combatentes da liberdade... quando atacam um governo moderno num país muçulmano.
Mas, não, Gerges, absolutamente ninguém acredita em você dentro do Irã. Fora do Irã, suas ideias foram retuitadas por France 24 (estatal controlada pelo governo francês) e assemelhados, porque toda a mídia-empresa mainstream odeia a escolha democrática do povo iraniano e usará qualquer pretexto para atacar a legitimidade daquela escolha.
Mas, sinceramente, fato é que não se tratou, sequer, de algum ISIL.
E faz diferença que tenha sido ISIL? O que realmente faz diferença é quem está por trás do ISIL, certo?
Terá sido ataque do ISIL? Duvido muito. Aposto que foi coisa da Organização MKO, Mujaheedin Khalq Organization (aqui podem ler matéria que escrevi sobre eles há anos e que foi completamente apagada do Google), porque é quem quase sempre está por trás desses ataques, como também está por trás (depois de receber treinamento do Mossad), do assassinato de cientistas iranianos especialistas em física nuclear.
Esse culto insano não tem qualquer credibilidade no Irã, porque eles lutaram ao lado de Saddam Hussein e contra o Irã durante a guerra Irã-Iraque...
Mas os terroristas da MKO têm passaportes iranianos, falam o idioma, conhecem as trilhas e caminhos, sabem integrar-se nos grupos locais, etc. Qualquer deles pode tomar cianureto para suicidar-se, como é comum na MKO, quando não se incineram em praça pública pelas capitais europeias.
O monumento em homenagem a Khomeini já foi atacado antes – por um suicida-bomba em 2009. Provavelmente também foi ação da MKO. Foi terrível porque eu acabava de visitar o local – que passava por ampla reforma modernização.
O ataque não interrompeu o processo de reforma – apenas atrasou-o um pouco. O mesmo acontecerá em 2017.
Seja como for, digamos que o ISIL tenha afinal chegado ao Irã. Quem os apoia e mantém na empreitada terrorista?
Segundo o Líder Supremo do Irã Ali Khamenei: "ISIS é integralmente apoiado, ideologicamente, financeiramente e em toda a logística pela Arábia Saudita: são uma e a mesma coisa."
Todos sabemos disso, quero dizer "todos fora do Ocidente", pelo menos.
O Irã sabe o que é o fascismo. O ocidente, não
Um dia antes dos ataques no Irã, um policial foi atacado com um martelo na Catedral de Notre Dame. 900 pessoas foram encurraladas dentro de Notre Dame e obrigadas a permanecer com as mãos para cima. Uma história de turistas absolutamente extraordinária...
Fui intimado por jornalistas franceses a parar imediatamente o que estava fazendo – cobrindo o atropelamento, pelo grupo de direita de Macron, dos direitos previstos na legislação trabalhista – para cobrir a outra história, em Notre Dame. Que novidade...
Claro que atacar um policial armado com um martelo e duas facas de cozinha é definição de insanidade. Mas o homem gritara "Isso é pela Síria".
Mesmo assim, um jornalista local de idioma inglês escreveu: "O motivo da ação do homem armado com o martelo permanece desconhecido..."
Bem... se os jornalistas não entendem que não se trata de Islã, mas da política exterior da França, depois que os irmãos Kouachi, Amedy Coulibaly e praticamente todos os outros terroristas franceses criados na França desde 2012 disseram sempre a mesma coisa… por que esperar que dessa vez entenderiam?
E é a mesma coisa com a relação que há entre Arábia Saudita, Ocidente e ISIL – cegueira deliberada. Mas também apatia: as pessoas preferem gás a preço baixo, a forçar seus políticos para que deixem de apoiar o ISIL fascista.
A Geração Queimada do Irã e os iranianos mais velhos sabem o que são a guerra e o fascismo. Pessoas estranham que os iranianos mantenhamos fotografias de soldados mortos por toda parte – não é para glorificar nossos mártires, mas, isso sim, para ensinar aos mais jovens que a guerra é real. Para o caso de esquecerem ou interpretarem erradamente a história...
O Ocidente não compreende o fascismo – já estão até bem perto de eleger fascistas pelas vias democráticas, pelas urnas, por toda a Europa. Nos EUA, já aconteceu de elegerem um fascista.
O Ocidente tampouco compreende a guerra: a França teve dúzias de guerras desde a 2ª Guerra Mundial – todas iniciadas pela França e combatidas em solo estrangeiro. Os EUA não têm guerra em casa desde 1865, e a ideia que têm do que seja a guerra é distorcida por uma imensa abençoada ignorância.
O Irã conhece a guerra e não se deixará envolver numa dessas patéticas falsas guerras que EUA e França dizem que fizeram contra ataques terroristas relativamente de pequena monta.
A resposta correta é: esse ataque foi "trivial"
O ocidente citou repetidas vezes o presidente do Parlamento do Irã Ali Larijani, que tratou os ataques como "assunto trivial" do qual as forças de segurança já se haviam encarregado.
Acho que querem mostrá-lo como homem cruel, sem sentimentos, ou – o principal crime que o Ocidente identifica rapidamente hoje em dia –, como homem insensível ao sofrimento do próximo.
Mas os iranianos sabem exatamente o que Larijani disse – um ataque terrorista isolado não é, não, de modo algum, igual a uma guerra. Lamento furar as bolhas que cercam os falcões de sofá da imprensa ocidental e os generais ocidentais incontinentes, doidos para brincar com seus novos brinquedinhos, mas verdade é que um ataque terrorista não é nem sombra, nem fac-símile desbotado, de uma guerra.
E, apesar do que o Ocidente quer que aquele ataque convença os iranianos a pensar, não nos deixaremos enganar. De modo algum seremos induzidos a supor que todo o nosso rico modelo social poderia ser abalado por terroristas salafistas. Quem são eles para questionar nossa sociedade?! Seja como for, há questões muitíssimo mais prementes: educação, assistência à saúde da população, direitos dos trabalhadores, proteção ao trabalhador e ao trabalho, etc., que tocam diretamente cada pessoa, ao longo da vida inteira. Não implica que não lastimemos as vítimas e o sofrimento dos familiares. Nossos respeitos e nossas condolências, claro.
Se a França quer jogar pela janela os direitos legais dos franceses, por eventos que são o dia a dia no Afeganistão, no Iraque ou na Síria – a escolha é deles. Mas não esperem que os iranianos façamos o mesmo.
12 mortos e dúzias de feridos (até o momento em que escrevo), claro que é terrível. Mas creio que muitos no Irã veem o que acontece no Iraque, no Afeganistão, na Síria, na Líbia, na Palestina, no Mali, na República Centro-africana... e nos EUA, França e Reino Unido... e pensam: poderia ser muito, muito pior.
A coluna ficou mais longa que de hábito. Agora preciso sair para garantir um bom lugar no Campo de Marte, para o momento em que a Torre Eiffel muda de cor. Claro que não exibirá as cores da bandeira do Irã. Acabo de entender que, dado que a Torre Eiffel não foi iluminada e permaneceu escura quando a Al-Qaeda foi finalmente expulsa de Aleppo, Paris talvez queira chorar o fato de o Irã não se deixar derrotar por terroristas fazendo com que a Torre exiba a cor da bandeira do ISIL – o mais impenetrável preto.
blogdoalok
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