G-20 dos Infernos, por Pepe Escobar - Noticia Final

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terça-feira, 11 de julho de 2017

G-20 dos Infernos, por Pepe Escobar

Pepe Escobar, SputnikNews

Traduzido pelo coletivo da vila vudu

Uma história futura do G20 em Hamburgo pode começar com a pergunta que o presidente Donald Trump – na verdade, o assessor que redige seus discursos – propôs dias antes, em Varsóvia:

"A questão fundamental de nosso tempo é se o Ocidente tem vontade de sobreviver."

A ideia, que inicialmente não passou de tirada de Stephen Miller de choque de civilizações juvenil/reducionista – do mesmo redator autor da épica "carnificina norte-americana" do discurso de posse de Trump e de proibir que muçulmanos viajassem – pode, na verdade, ter encontrado algumas respostas em Hamburgo.
O G20 no todo foi uma distopia militar tóxica travestida de reunião global. "Bem-vindo ao Inferno" e outros muitos protestos, em múltiplos níveis, foram uma espécie de resposta a outra das perguntas de Trump-in-Varsóvia: "Temos vontade e coragem de preservar nossa civilização, frente aos que a subverteriam e destruiriam?"



Enquanto os líderes trabalhavam em salas confortáveis, trocavam fofocas e maledicências, ouviam a Ode à Alegria e refestelavam-se no proverbial banquete, do lado de fora só se viam incêndios e saques; uma espécie de comentário feroz, ao estilo das ruas, não apenas sobre o que aqueles líderes pensem da "civilização", mas também sobre o que Trump-in-Varsóvia convenientemente esqueceu de dizer: que são as "políticas" de EUA e OTAN que acabam por gerar o revide do terror que ameaça a "civilização", os "nossos valores" e nossa "vontade de sobreviver".



E ainda vai piorar. No próximo ano, produção conjunta Bundeswehr/OTAN, uma cidade fantasma construída num campo de treinamento militar em Sachsen-Anhalt – não distante de Hamburgo – tornar-se-á local-cenário para treinamento militar para guerra urbana. A 'austeridade' está longe de acabar, e os euroagricultores terão de continuar a rebelar-se em massa.



Multilateralize-se ou exploda 

É doce a tentação de identificar a emergente nova ordem como uma espécie de mundo Putin-Xi-Trump-Merkel. Ainda não – e ainda não é sequer multilateral. O que estamos vendo são armadilhas do multilateralismo, mas não ainda a coisa verdadeira — e a oposição de Washington, em incontáveis níveis.



Frau Merkel queria que a cúpula "dela" se concentrasse em três questões cruciais: mudança climática, livre comércio e gestão da migração global massiva – nenhum dos quais interessava muito a Trump, praticante de abordagem darwiniana na política global. Por tudo isso, o mundo só conseguiu a mais tediosa confusão – contradições internas e tudo.



O Patrão, mais uma vez, foi o presidente Xi Jinping da China, conclamando os membros do G-20 a privilegiar uma economia global aberta; a fortalecer a coordenação da política econômica; e a não descuidar dos enormes riscos inerentes ao turbo-capitalismo financeiro. Disse clara e corretamente que o mundo precisa de um "regime de comércio multilateral".

Como apoio, a China serviu-se de diplomacia de panda gigante cuidadosamente aplicada: ofereceu dois desses animais, Meng Meng e Jiao Qing, ao zoológico de Berlin como gesto de amizade. O comentário de Merkel foi bem menos fofo: "Para Pequim, a Europa é uma península da Ásia. Nossa visão é diferente".


Bem, para todos os efeitos práticos o que os interesses do business chinês e alemão realmente veem adiante nessa estrada é a integração da Eurásia – com as Novas Rotas da Seda do século 21, também chamadas Iniciativa Cinturão e Estrada, começando na China oriental e terminando no vale do Ruhr. Essa, sim, é definição prática de como deve funcionar um "regime de comércio multilateral". Acrescente-se a isso o grande acordo comercial que acaba de ser firmado entre União Europeia e Japão. Para todos os efeitos práticos, geopoliticamente e geoeconomicamente, a Alemanha está andando em direção ao leste, para o Oriente.



Os países BRICs – China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul – reuniram-se em reuniões laterais e – como se poderia esperar – querem "sistema comercial multilateral, com regras, transparente, não discriminatório e inclusivo."



O presidente Putin deu um passo a mais – disse que sanções financeiras mascaradas sob pretextos políticos ferem a confiança mútua e prejudicam a economia global. Todos sabem, todos concordam, mas as sanções, que são elemento da política geoeconômica de "do nosso jeito ou caia fora" dos EUA, tão cedo não desaparecerão.



E há também o grupo Attac antiglobalização, que critica Merkel por encenar "uma produção cínica": enquanto a chanceler se posiciona como "líder do mundo livre", o governo alemão está, na verdade, "implantando uma estratégia agressiva de superávits de exportações na balança comercial". Com isso, temos o Attac, de esquerda/progressista, perfeitamente alinhado com Donald Trump.



Sempre teremos Paris[1]

Os sherpas de Hamburgo estavam ocupados em sua variante específica de "Bem-vindos ao Inferno". O eufemismo de Merkel – "discussões tensas" – mascaram um motim de fato contras os sherpas dos EUA nos quesitos mudança climática e comércio: até o último segundo combateram contra uma cláusula dos EUA que fala de Washington "ajudar" países a obter acesso a combustíveis fósseis limpos.



No final, chegaram à proverbial ponte. Eis o parágrafo como apareceu no comunicado final, que destaca a decisão do governo Trump de abandonar o acordo de Paris:



"Registramos a decisão dos EUA de separar-se do Acordo de Paris. Os EUA anunciaram que cessarão imediatamente a implementação da atual contribuição nacionalmente determinada e afirmam seu compromisso firme com uma abordagem que reduza as emissões ao mesmo em que apoie o crescimento econômico e melhore as necessidades de segurança energética. Os EUA declaram que trabalharão em proximidade com outros países para ajudá-los a ganhar acesso e a usar combustíveis fósseis de modo mais limpo e com mais eficiência; e para ajudá-los a usar fontes de energia renovável e outras fontes de energia limpa, dada a importância do acesso à energia e da segurança em suas contribuições nacionalmente determinadas."



Imediatamente depois desse parágrafo vem o que se lê abaixo, sobre o G-19:



"Os líderes dos demais membros do G20 declaram que o Acordo de Paris é irreversível. Reiteramos a importância de cumprir o compromisso da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, para todos os países desenvolvidos, que devem prover meios de implementação, incluindo recursos financeiros para ajudar países em desenvolvimento no que diga respeito a ações de mitigação e de adaptação alinhadas com os resultados de Paris; também consideramos o relatório da OECD "Investing in Climate, Investing in Growth" [Investir no Clima, Investir no Crescimento]. Reafirmamos nosso forte compromisso com o Acordo de Paris, movendo-nos rapidamente na direção de sua total implementação, segundo o princípio de responsabilidades comuns, embora diferenciadas, e respectivas capacidades, à luz de diferentes circunstâncias nacionais e, para esse objetivo, estamos de acordo com o Plano de Ação de Clima e Energia para o Crescimento do G20 de Hamburgo, como expresso no Anexo."



Em Hamburgo, a Organização Trump estava por todos os lados. A Primeira Filha Ivanka até assumiu a cadeira do papai no fórum dos momentos fugazes, enquanto ele trabalhava nos momentos bilaterais. Fato é que fez acontecer, apresentando um programa de $300 milhões a serem emprestados pelo Banco Mundial para mulheres que queiram ingressar no mercado financeiro com empresas start-ups no mundo em desenvolvimento. A Casa Branca e o Banco Mundial confirmam que foi ideia de Ivanka.



Longe dos temas infernais, sob perspectiva mais ensolarada, fontes eólias e solares devem se consagrar como a forma mais barata de gerar energia nos países do G-20 até 2030. Já em 2017, mais de um terço da energia na Alemanha (35%) é extraída do vento, do sol, da biomassa e de fontes hídricas (nos EUA, só 15%). Assim, a Alemanha ainda não é verde – mas está andando rápido e logo será.

Em Hamburgo, Merkel teve uma vitória na mudança climática; vitória relativa no comércio (com os EUA autoexcluídos); mas amargou perda miserável na migração em massa. Nenhum país da OTAN presente no G-20 teria colhões para fazer publicamente a conexão entre as amaldiçoadas guerras EUA/OTAN no Afeganistão, Líbia, na guerra por procuração na Síria, e os milhões de refugiados para os quais a única esperança é a Europa.


Geopoliticamente, Washington está de fato separando-se da Alemanha, ao mesmo tempo em que Inglaterra já não tem poder algum. 



O governo Trump considera inimigos Alemanha e Japão, dedicados a destruir a indústria dos EUA pela manipulação fraudulenta da moeda. No meio prazo, é razoável esperar que a Alemanha aos poucos se reaproxime da Rússia. O momento unipolar de Washington vai-se esvaindo bem depressa. E a "Guerra dos Tronos" está só começando, no reino do G-20.*****



[1] Frase de "Casablanca" (1942), referência frequente nos artigos de Pepe Escobar [NTs].

blogdoalok

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