Pepe Escobar, SputnikNews
Traduzido pelo coletivo da vila vudu
Uma hipótese de trabalho muito séria está em discussão já há algum tempo entre analistas independentes de geopolítica. Aqui vai ela, em resumo.
O Daech talvez esteja morrendo – mas o mundo ainda terá de lidar com o cadáver ambulante. O Plano B dos chefões do Daech pode ter sido doutrinar ondas repetidas de jovens desencaminhados por toda a União Europeia e 'seduzi-los' para um terror jihadista de tipo Faça-você-mesmo, criando medo e insegurança em toda a Europa. Acabo de voltar de Barcelona – e por lá não funcionou. Medo zero.
O Daech pode também manipular a própria griffe de modo a se apresentar como autor do que se pode chamar um "Novo Cinturão de Guerra" no sudoeste da Ásia. Tampouco está funcionando, porque os "4+1" – Rússia, Síria, Irã, Iraque plusHezbollah – com o acréscimo da Turquia, e com a China num papel de "liderar pela retaguarda", todos esses, estão operando juntos.
A guerra inacabada em todo o "Siriaque" combinada a espasmos de jihadismo na Europa com certeza poderia desdobrar-se em metástase num só massivo câncer eurasiano, espalhando-se como praga do Afeganistão à Alemanha e vice-versa, e do Mar do Sul da China até Bruxelas passando pelo Paquistão e vice-versa.
Sob esse cenário cataclísmico aconteceria o descarrilamento completo das Novas Rotas da Seda promovidas pelos chineses, também chamadas "Iniciativa Cinturão e Estrada" (ICE); a integração daquelas novas rotas com a União Econômica Eurasiana (UEE) puxada pela Rússia; e haveria ameaça massiva contra a segurança e a estabilidade doméstica da parceria estratégica Rússia-China, com cenários belicosos incontroláveis que se desenvolveriam muito perto das respectivas fronteiras.
Não há quem não saiba quais os elementos e as instituições que muito apreciariam que se estabelece total caos político interno nos dois países, na Rússia e na China.
Charlie se fortalece
O Dr. Zbig "Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski pode já ter morrido, mas a geopolítica ainda arrasta o seu cadáver insepulto. A obsessão da vida de Brzezinski foi que em nenhum caso se poderia admitir que qualquer concorrente dos EUA prosperasse. Imagine o moribundo que assiste à concretização de seu pior pesadelo: uma aliança paneurasiana Rússia-China.
O cenário menos desastroso nesse caso seria seduzir ou Moscou ou Pequim, para que se converta em parceiro dos EUA, parceira a partir da qual, no futuro, se reduziriam quaisquer "ameaças". Brzezinski concentrou-se na Rússia como ameaça imediata, com a China como ameaça no jogo de longo prazo.
Daí a obsessão do estado profundo nos EUA e da máquina dos Clintons para demonizarem a Rússia sobre todas as coisas – uma espécie de neo-McCarthysmo infantiloide 'bombado'. Inevitavelmente, esse charivari geopolítico só conseguiu precipitar o avanço ainda mais rápido da China em todos os fronts.
Para nem lembrar que a parceria estratégica Rússia-China continua a se fortalecer cada dia mais – um eco fantasmático da fala do Capitão Willard em Apocalypse Now de Coppola: "Cada minuto que fico nessa sala mais me enfraquece; cada minuto que Charlie rasteja pelo mato mais o fortalece".
E Charlie não se agachou nem se arrasta: está conquistando com comércio e investimento. E não está no mato: está por toda parte nas planícies eurasianas.
Uma cesta de surtos hobbesianos
O outro dalang norte-americano, Henry Kissinger, ainda vive, com 94 anos. Conselheiro do presidente Trump antes da posse em janeiro, e posando de suprema eminência parda em assuntos de China, Kissinger sugeriu que seria hora de cortejar a Rússia.
E então é que veio o golpe. Tendo identificado claramente que a chave da integração da Eurásia está na aliança Rússia-China-Irã, Kissinger deixou a ver o que realmente se passava em sua cabeça: para ele, indispensável era neutralizar o elo mais fraco, o Irã.
Daí sua recente proclamação/alerta sobre um "império radical iraniano" que estaria em desenvolvimento/desdobramento de Teerã até Beirute, no "vácuo" deixado pelo Daech e que estaria sendo preenchido pelos persas.
E eis Kissinger, mais uma vez, como inabalável Guerreiro da Guerra Fria que sempre foi: sai o comunismo, entra o Khomeinismo como "o mal" supremo. E que Deus abençoe e proteja sempre, cobrindo de honrarias, a matriz wahhabista dos produtores de jihadistas: a Casa de Saud.
A receita Kissingeriana soa como música aos ouvidos do estado profundo dos EUA: não é o caso de extinguir o Daech, mas de "realinhá-lo" como ferramenta contra o Irã.
Quem se incomoda se a simples ideia de algum "império radical iraniano" não preste nem como piada? O Líbano é país multicultural. A Síria continuará a ser governada pelo Partido Baath secular. O Iraque rejeita o Khomeinismo – com o aiatolá Sistani, tremendamente influente, privilegiando o sistema parlamentar.
Os "4+1" – apoiados pela China – forjaram aliança seríssima, no fogo da guerra na Síria. Nada disso se deixará modificar por decretos de Kissinger. Quanto a "preencher o vácuo", a alternativa é Daech e Jabhat al-Nusra, também chamada al-Qaeda na Síria." "Mas... epa!" – dizem os neoconservadores/neoliberais do Partido da Guerra – "Isso aí, para nós, está ótimo!"
Com o que chegamos circularmente de volta ao nosso ponto de partida e à hipótese de trabalho inicial. Não deixarão morrer o Daech – assim como a reengenharia política do que o Dr. Zbig costumava chamar de "Bálcãs Eurasianos" recusa-se a morrer.
ISIS-Khorasão, ou ISIS-K – que se reagrupa no Afeganistão – pode ser utilíssimo, bem à mão, para provocar tumulto generalizado na intersecção da Ásia Central com o Sul da Ásia, tão perto dos corredores de desenvolvimento da Iniciativa Cinturão Estrada.
Mas Moscou e Pequim sabem exatamente o que está acontecendo. O arremedo de Califato foi útil como tentativa para quebrar a ICE no Siriaque, assim como Maidan na Ucrânia foi útil para rachar a União Econômica Eurasiana.
Outros fronts de guerra virão – das Filipinas à Venezuela, todos dedicados a destruir quaisquer projetos de integração regional, sob uma estratégia de Dividir para Governar dos sátrapas norte-americanos manipulada para produzir surtos Hobbesianos assimétricos.
16 anos depois do 11/9, o nome do jogo não é mais "Guerra Global ao Terror" (GGaT): agora se trata de, sob a máscara da GGaT, impedir a todo custo a expansão geoestratégica de gente que pode fazer diferença – Rússia e China como "pares e concorrentes".
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