Alastair Crooke, ConsortiumNews
"segundo testemunhas oculares da parte aberta das conversações, o primeiro-ministro israelense estava emocionalmente descontrolado e, mesmo, próximo do pânico. Netanyahu descreveu ao presidente russo um quadro do apocalipse que o mundo conheceria, se não se tomassem medidas para conter o Irã, o qual, como Netanyahu crê, estaria determinado a destruir Israel."
Traduzido pelo coletivo da vila vudu
Netanyahu e assessores, à beira de um ataque de nervos, recebem um não de Putin
Uma delegação de alto nível da inteligência israelense visitou Washington, semana passada. Em seguida, o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu apareceu em Sochi, durante um fim de semana de férias do presidente Putin, onde, segundo alto funcionário de Israel (citado no Jerusalem Post), Netanyahu ameaçou bombardear o palácio presidencial em Damasco e anular todo o processo de cessar-fogo de Astana, se o Irã continuar a "ampliar seu poder sobre a Síria."
O Pravda da Rússia escreveu que, "segundo testemunhas oculares da parte aberta das conversações, o primeiro-ministro israelense estava emocionalmente descontrolado e, mesmo, próximo do pânico. Netanyahu descreveu ao presidente russo um quadro do apocalipse que o mundo conheceria, se não se tomassem medidas para conter o Irã, o qual, como Netanyahu crê, estaria determinado a destruir Israel."
Assim sendo... o que está acontecendo? Seja rigorosamente acurada a citação do Pravda, ou não (embora a descrição tenha sido confirmada por conhecidos analistas israelenses), o que é absolutamente claro (como se lê em fontes israelenses) é que nas duas cidades, em Washington e Sochi, altos funcionários de Israel movimentaram-se muito, mas nada conseguiram. Israel está só. De fato, há notícias de que Netanyahu não teria "pedido a Lua" (a saída do Irã), mas apenas "garantias" relacionadas ao futuro papel que o Irã terá na Síria. Sim, mas... como poderiam Washington ou Moscou, com realismo, dar tais garantias a Israel?
Tardiamente, Israel compreendeu que apoiou o lado errado na Síria – e perdeu. Não está realmente em posição de exigir coisa alguma. Não conseguirá uma 'zona tampão' imposta pelos EUA além da linha do armistício do Golan; não conseguirá fechar a fronteira iraquiano-síria nem, sequer, que seja "supervisionada" a favor de Israel.
Claro que o aspecto sírio é importante, mas focar exclusivamente nisso seria "ver a árvore e perder a floresta". A guerra de 2006 que Israel fez para destruir o Hizbullah (incitada por EUA, Arábia Saudita – e também por alguns libaneses) – fracassou.[1]Simbolicamente, pela primeira vez no Oriente Médio, uma nação ocidental tecnologicamente sofisticada e luxuosa e ferozmente armada simplesmente fracassou. O que fez esse fracasso ainda mais retumbante (e doloroso) foi que um estado ocidental viu-se derrotado não só militarmente: foi derrotado também na guerra eletrônica e de inteligência humana – duas esferas nas quais o Ocidente supunha que sua hegemonia seria inabalável.
Fracasso e efeitos adversos
O inesperado fracasso de Israel gerou medos profundos no Ocidente, e também no Golfo. Um pequeno movimento armado (revolucionário) levantou-se contra Israel – contra todas as probabilidades –, defendeu o próprio campo e impôs-se. Esse precedente foi visto por muitos como evento capaz de "mudar o jogo" regional. As autocracias feudais do Golfo sentiram, no feito do Hizbullah, o perigo latente contra o próprio poder, que adviria daquela resistência armada.
A reação foi imediata. O Hizbullah foi posto em quarentena – com o máximo de sanções que os poderes norte-americanos conseguiram mobilizar. E a guerra na Síria começou a ser promovida como a "estratégia corretiva" contra o fracasso de 2006 (já desde 2007) — embora a tal "estratégia corretiva" só tivesse sido posta em prática depois de 2011, sem qualquer restrição.
Contra o Hizbullah, Israel jogou todo o seu poder militar (embora os israelenses digam agora que poderiam ter feito mais). E contra a Síria, os EUA, a Europa, os Estados do Golfo (e Israel, nas coxias) jogaram o lixo da pia da cozinha: os jihadistas, a al-Qaeda, o ISIS (sim!), armas, propinas, sanções e a mais brutal guerra de informações que o mundo jamais viu. Com tudo isso, a Síria – com a indiscutível ajuda de seus aliados – parece estar a um passo de se impor completamente: defendeu seu campo e impôs-se, contra probabilidades quase inacreditáveis.
Para esclarecer: se 2006 marcou um ponto chave de inflexão, a Síria ter "defendido o próprio campo" e prevalecido é virada histórica de magnitude muito maior. É preciso compreender que a arma da Arábia Saudita (e da Grã-Bretanha e dos EUA) – o sunismo radical incendiário – foi forçada a retroceder e destruída. E com isso, foram gravemente atingidos os Estados do Golfo, mas muito especialmente a Arábia Saudita. Os sauditas sempre confiaram na força do wahabbismo desde o primeiro momento de fundação do reino: mas o wahabbismo no Líbano, Síria e Iraque foi completamente derrotado e desacreditado (inclusive aos olhos de muitos muçulmanos sunitas). E pode bem ser derrotado também no Iêmen. Essa derrota mudará a própria face do Islã sunita.
Já se vê no Conselho de Cooperação do Golfo – fundado em 1981 por seis líderes tribais do Golfo, com o único objetivo de preservar na Península a regra hereditária das tribos deles –, hoje em guerra uns estados contra outros, num conflito interno que tem tudo para ser muito amargo e muito longo. O "sistema árabe" – prolongação das velhas estruturas otomanas pela complacência dos vitoriosos no pós 1ª Guerra Mundial, Grã-Bretanha e França – parece estar vendo o fim da "remissão" de 2013 (estimulada pelo golpe no Egito) e ter voltado à trilha de seu declínio de longo prazo.
O lado perdedor
O "quase pânico" de Netanyahu (se realmente aconteceu como se lê) pode bem ser um reflexo dessa mudança sísmica que se vê acontecer na região. Israel apoia desde há muito tempo o lado perdedor – e agora se vê "só" e temendo por seus representantes mais íntimos (os jordanianos e os curdos). A "nova" estratégia corretiva de Telavive, parece, manda conseguir que o Iraque (i) afaste-se do Irã; e (ii) empurrar o Iraque para a aliança Israel-EUA.
Se é assim, Israel e Arábia Saudita estão provavelmente atrasados demais para o jogo, e provavelmente subestimam o ódio visceral gerado entre iraquianos de todos os segmentos da sociedade pelas ações criminosas do ISIS. Poucos creem na narrativa improvável (ocidental) segundo a qual o ISIS teria surgido já armado e totalmente financiado, como resultado de um suposto "sectarismo" do ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki. Nada disso. De modo geral pode-se ter certeza de que por trás desse tipo de movimento bem nutrido – sempre há um estado.
Daniel Levy escreveu artigo interessante para argumentar que os israelenses de modo geral não subscreveriam o que escrevi acima. Diz ele:
"O longo período de permanência de Netanyahu no governo, seus muitos sucessos eleitorais e capacidade para manter unida uma coalizão governante… [são decorrência] de ele ter uma mensagem que tem ressonância num público mais amplo. Repete-se incansavelmente que Netanyahu … 'levou o estado de Israel à melhor situação em toda sua história, como força global ascendente (...) o estado de Israel está diplomaticamente florescente'. Netanyahu derrotou e fez retroceder o que ele tem chamado de 'notícia falsa' segundo a qual sem algum acordo com os palestinos 'Israel ficará isolada, enfraquecida e abandonada' diante de um 'tsunami diplomático'.
"Por difícil que seja para seus detratores políticos reconhecer, o que Netanyahu diz ressoa com o público porque reflete algo que é real, e isso mudou o centro de gravidade da política israelense cada vez mais e mais para a direita. É ideia que, se correta e repetida ao longo do tempo deixará um legado que permanecerá muito depois de encerrado o governo de Netanyahu e qualquer acusação que se possa fazer a ele.
"O que Netanyahu diz é que não está apenas tentando ganhar tempo no conflito de Israel com os palestinos para melhorar os termos de um eventual e inevitável compromisso –, mas visa à possibilidade de vitória final, com derrota permanente e definitiva dos palestinos e de seus objetivos nacionais e coletivos.
"Em mais de uma década como primeiro-ministro, Netanyahu rejeitou consistentemente e inequivocamente quaisquer e todos os planos ou medidas práticas que apenas começassem a dar atenção a aspirações palestinas. Netanyahu é absolutamente dedicado a perpetuar e exacerbar o conflito, não a administrá-lo e menos ainda a resolvê-lo… [A] mensagem é clara: não haverá estado palestino, pela suficiente razão de que a Cisjordânia e Jerusalém Leste são Israel Expandida."
Nenhum estado palestino
Levy continua:
"A abordagem inverte pressupostos que guiaram esforços de paz e a política norte-americana durante mais de ¼ de século: que Israel não teria alternativa a uma eventual retirada territorial com aceitação de algo que se pareça suficientemente a um estado palestino soberano dentro das fronteiras de 1967. Desafia o pressuposto de que a negação permanente desse resultado seria incompatível com o modo como Israel e os israelenses se autopercebem como democracia. Adicionalmente, Netanyahu desafia a suposição do esforço de paz, de que essa negação seria de algum modo inaceitável para aliados chaves dos quais Israel depende (...).
"Em bastiões mais tradicionais de apoio a Israel, Netanyahu fez aposta calculada – continuará a haver apoio suficiente de judeus norte-americanos, se Israel for cada vez menos liberal e mais etnonacionalista, facilitando assim a perpetuação de uma relação EUA-Israel assimétrica? Netanyahu apostou que sim e acertou."
E Levy oferece mais um ponto interessante:
"Assim os eventos tiveram ainda mais um movimento a favor de Netanyahu, com a chegada ao poder nos EUA e em partes da Europa Centro-oriental (e com a maior proeminência em outros pontos na Europa e o Ocidente) de tendências marcadamente etnonacionalista com as quais Netanyahu se mostra comprometido, trabalhando para implantar democracias não liberais, onde antes havia democracias liberais. Ninguém deve subestimar Israel e a importância de Netanyahu como vanguarda ideológica e prática dessa tendência."
Ex-embaixador dos EUA e respeitado analista político, Chas Freeman escreveu recentemente, sem meias palavras: "o objetivo central da política dos EUA no Oriente Médio é já há muito tempo obter a aceitação regional a favor do estado judeu ocupante e colonizador da Palestina." Ou, em outras palavras, para Washington, sua política para o Oriente Médio – e todas as ações dos EUA – foram sempre determinadas por um claro "ser ou não ser": "Ser" (com Israel) ou "não ser" (com Israel).
Israel perde terreno
O ponto chave agora é que a região acaba de passar por um movimento sísmico na direção do campo "não ser". Haverá muita coisa que os EUA possam fazer para mudar isso? Israel está, sim, sozinha, tendo só a Arábia Saudita a seu lado, e há limites claros ao que a Arábia Saudita possa fazer.
Os EUA parecem pode-se dizer pouco adequados, a convocar estados árabes para que se engajem com o primeiro-ministro do Iraque Haider al-Abadi. O Irã não quer guerra com Israel (como vários analistas israelenses já reconheceram); mas, sim, o presidente da Síria já declarou muito claramente que seu governo visa a recuperar "toda a Síria" – e toda a Síria inclui as colinas ocupadas do Golan. E essa semana Hassan Nasrallah conclamou o governo libanês a "traçar um plano e tomar a decisão soberana de libertar as Fazendas Shebaa e as Colinas Kfarshouba" ocupadas por Israel.
Muitos comentadores israelenses já dizem que "está tudo escrito no muro" – e que seria melhor para Israel devolver unilateralmente os territórios, em vez de se arriscar a perder centenas de soldados numa tentativa fútil de preservar territórios ocupados. Isso porém não parece congruente com recentes declarações do primeiro-ministro de Israel nem com seu caráter, de não ceder "nem uma polegada".
Esse etnonacionalismo garantirá a Israel uma nova base de apoio? Bem, em primeiro lugar, não vejo a doutrina de Israel como "democracia não liberal", mas, isso sim, como sistema de apartheid orientado para subordinar os direitos políticos dos palestinos. E com o cisma político que se alarga no ocidente, com uma 'ala' buscando deslegitimar a outra e todos se acusando de racistas, fanáticos e nazistas, é claro que os verdadeiros militantes de "EUA em primeiro lugar" tentarão distanciar-se a qualquer preço de todos os extremismos e extremistas.
Daniel Levy lembra que o líder da Alt-Right ['direita alternativa'] Richard Spencer, descreve o próprio movimento comoSionismo Branco. Essa gente conseguirá arregimentar apoio para Israel? Quanto demorará até que os "globalistas" usem precisamente o meme da 'democracia não liberal' de Netanyahu para provocar a direita dos EUA, porque esse é precisamente o tipo de sociedade ao qual eles também aspiram: com mexicanos e negros norte-americanos tratados como Israel trata os palestinos?
'Nacionalismo étnico'
O eleitorado no Oriente Médio a favor do "não ser" usa palavra mais simples para o "nacionalismo étnico" de Netanyahu: chamam simplesmente de colonialismo ocidental.
O primeiro round da parte de "ser com Israel" do Oriente Médio, para Chas Freeman, foi o assalto de choque-e-pavor contra o Iraque. E hoje o Iraque já está aliado ao Irã, e a milícia Hashad (PMU) está-se tornando força de combate amplamente mobilizada. O segundo estágio foi 2006. Hoje, o Hizbullah já é força regional, não só libanesa.
O terceiro ataque foi contra a Síria. Hoje, a Síria está aliada a Rússia, Irã, Hizbullah e Iraq. O que virá com o próximo round nessa guerra "ser ou não ser"?
Por mais que Netanyahu se vanglorie de Israel continuar forte e de ter espantado o que "ele tem chamado de 'notícia falsa' segundo a qual sem algum acordo com os palestinos 'Israel ficará isolada, enfraquecida e abandonada' diante de um 'tsunami diplomático'", o mais provável é que Netanyahu tenha simplesmente compreendido, nessas últimas duas semanas, que ele confundiu com "vitória" o que não passou de humilhar mais uma vez palestinos enfraquecidos. Então, no instante do seu suposto triunfo, viu-se ele mesmo só, num novo "Novo Oriente Médio".
Talvez o Pravda esteja certo. É muito provável que Netanyahu tenha dado sinais do mais absoluto sincero pânico, durante aquele encontro solicitado na correria e organizado às pressas, em Sochi, Rússia.*****
[1] Para conhecer a avaliação que Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah, faz dessas duas vitórias, ver "Israel em pânico depois das derrotas do Daech", 31/8/2017, Discurso de Hassan Nasrallah, Secretário-geral do Hezbollah, traduzido em Blog do Alok [NTs].
blogdoalok
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