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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Trump: Afeganistão em Primeiro Lugar, por Tony Cartalucci

Tony Cartalucci, New Eastern Outlook

Traduzido pelo coletivo da vila vudu

Para os que sabem de onde flui o poder real no establishment político dos EUA, a continuação da guerra de 16 anos jamais interrompida dos EUA contra o Afeganistão absolutamente não foi surpresa.
Mas com certeza surpreendeu os eleitores que acreditaram que o presidente Donald Trump representaria o desejo dos norte-americanos de sair das múltiplas guerras à distância e envolvimentos escusos, e poria "EUA em Primeiro Lugar", o anúncio que Trump fez, de que nada disso acontecerá, mas, isso sim, as guerras serão expandidas.
Seja como for, talvez seja a primeira de uma longa série de lições muito duras que o povo dos EUA terá de aprender: não importa quem os cidadãos elejam em Washington, as agendas que o eleito terá de cumprir já lhe chegam prontas, vindas de outro lugar, e são impostas aos eleitos.

The Hill, no artigo intitulado "5 takeaways from Trump’s Afghan speech" [Cinco inferências a partir do discurso de Trump sobre o Afeganistão], tocou em vários pontos do tal discurso sobre o Afeganistão, onde os EUA têm atualmente 8.400 soldados, e para onde se preparam, para mandar outros milhares de soldados. 

The Hill escreveu:


Trump fala de mandar cerca de 4.000 soldados a mais, mas nem divulgou um número nem disse como serão distribuídas no país as forças adicionais dos EUA. 

"Não falaremos sobre número de soldados ou nossos planos para futuras atividades militares," disse Trump. "As condições em campo, não cronogramas arbitrários, guiarão nossa estratégia a partir de agora. Os inimigos dos EUA não saberão dos nossos planos... Não direi quando atacaremos, mas atacaremos."


Nada mais contrastante com as promessas de campanha, como The Hill lembrou:


"Por que continuamos a treinar aqueles afegãos que, em seguida, atiram nos nossos soldados pelas costas? Afeganistão é total desperdício. É hora de voltar para casa!" – Trump escreveu pelo Twitter em 2012.


The Hill também lembra:


Os EUA têm agora cerca de 8.400 soldados no Afeganistão. As forças têm missão dupla de treinamento e assessoramento, e de ajuda às forças afegãs na luta contra os Talibã e em missões de contraterrorismo contra grupos como al Qaeda e o Estado Islâmico no Iraque e Síria, EIIS (ing. Islamic State in Iraq and Syria, ISIS).


E isso, precisamente, é o que políticos e líderes militares não se cansam de repetir sobre o conflito afegão já há uma década e meia – período correspondente aos governos de George Bush, Barack Obama e, agora, de Trump. 

O presidente Trump diz agora que o objetivo já não é a retirada em prazo a ser anunciado, mas que os movimentos serão ditados pelas condições em campo:


"Um dos pilares centrais de nossa nova estratégia é uma mudança, de abordagem baseada no tempo, para abordagem baseada em condições. Já disse várias vezes o quanto é contraproducente para os EUA anunciar datas em que planejamos começar ou encerrar opções militares."


As chamadas "condições" exigem, ao que tudo indica, que o regime-vassalo dos EUA que está no poder em Kabul "assuma a propriedade do seu futuro", apesar das muitas repetições de que os EUA não têm qualquer compromisso com "construir nações" à "imagem dos EUA." São condições – mesmo que sem qualquer análise – contraditórias e repetitivas que repetem promessas feitas e em seguida quebradas pelo antecessor do presidente Trump, o ex-presidente Obama.

Flertando com mais guerras no Paquistão


O presidente Trump – como Bush e Obama antes dele – também ameaçou o vizinho Paquistão, acusando o país de estar reduzindo a própria presença militar no Afeganistão. O presidente Trump chegou a alertar:


"Pagamos bilhões e bilhões de dólares ao Paquistão, ao mesmo tempo em que eles dão abrigo aos terroristas contra os quais nós combatemos. Mas isso terá de mudar e mudará imediatamente" – Trump prometeu. 

"É hora de o Paquistão demonstrar comprometimento com a civilização, a ordem e a paz."


Verdade é que os EUA nem invadiram o Afeganistão nem permanecem lá até hoje para combater algum terrorismo. As organizações que os EUA estariam supostamente combatendo não são financiadas nem comandadas pelo Afeganistão: são financiadas e comandadas pelos mais próximos e mais íntimos aliados dos EUA no Oriente Médio – inclusive por Arábia Saudita e Qatar.

Os EUA ocupam até hoje o Afeganistão pela mesma razão pela qual o país foi invadido e ocupado muitas vezes pelo Império Britânico: como tentativa para expandir a própria hegemonias para a Ásia Central e Sul da Ásia.

Muito convenientemente, o Afeganistão tem fronteiras com Irã, Paquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e até com China. Uma presença militar permanente dos EUA no Afeganistão e total controle sobre o regime em Kabul, dá aos EUA uma plataforma a partir da qual ampliar a própria influência geopolítica direta e indireta. Evidências indicam também que explorar esse tipo de base estratégica é processo que começou há muito tempo.

Durante décadas os EUA tentaram pressionar Irã e Paquistão, com planos há muito tempo elaborados para os dois países.

Para o Paquistão, antes da invasão de 2001 ao Afeganistão, os EUA tinham bem poucas opções para coagir Islamabad. Mas com os militares dos EUA já na fronteira do Paquistão e com missões executadas regularmente com forças especiais e veículos comandados a distância também em território paquistanês, a capacidade de Washington para coagir e influenciar Islamabad foi dramaticamente ampliada.

Se acontecer de o presidente Trump anunciar ação militar direta contra o Paquistão, não importa por qual motivo, os EUA já têm lá, convenientemente construídas na fronteira várias bases militares das quais aquela ação pode ser lançada. Essas bases desenvolveram a própria infraestrutura ao longo de 16 anos, e continuam. Se os EUA decidirem ampliar o apoio clandestino que os EUA já dão a movimentos separatistas dentro do Paquistão, é serviço que pode ser feito muito confortavelmente a partir do Afeganistão.

O alvo é a China

Embora à primeira vista talvez não pareça coisa grave – a capacidade dos EUA para projetar influência sobre o Paquistão a partir do Afeganistão implica ameaça direta à China e também aos interesses regionais chineses.

A emergente iniciativa chinesa "Um Cinturão, Uma Estrada" inclui extensiva infraestrutura no vizinho Paquistão que envolve portos, rodovias e ferrovias, oleodutos, gasodutos, produção de energia e muito mais.

O porto de Gwadar na província do Baloquistão, no oeste do Paquistão, está localizado no exato centro dos principais esforços de terroristas e grupos de oposição patrocinados pelos EUA para separar toda essa área, tirando-a do controle do Paquistão, e estabelecendo ali um estado independente.

Movimentos no Baloquistão – tanto políticos como militantes – têm recebido imenso apoio dos EUA, inclusive de programas da agência norte-americana National Endowment for Democracy que promovem movimentos independentistas, organização política, protestos e veículos da mídia-empresa mobilizados contra o governo paquistanês.

Nas páginas de documentos políticos norte-americanos políticos conspiraram abertamente para organizar no Baloquistão uma resistência armada contra Islamabad, observando o quanto esse tipo de movimento seria estrategicamente danoso a qualquer aspiração de crescimento na região que tivessem o Paquistão e a China.

Em documento de 2012 publicado pela ONG Carnegie Endowment for International Peace intitulado, "Pakistan: The Resurgence of Baluch Nationalism" (PDF) [Paquistão: O ressurgimento do nacionalismo Baloque], lê-se claramente [negritos meus]:


Se o Baloquistão tornar-se independente, será que o Paquistão suportará mais um desmembramento – já se passaram 34 anos desde a secessão de Bangladesh – e que efeito teria isso na estabilidade regional? O Paquistão perderia grande parte de seus recursos naturais e ficaria mais dependente do Oriente Médio para suprimentos de energia. Embora atualmente os recursos do Baloquistão estejam sendo subexplorados e só beneficiem províncias não baloques, especialmente o Punjab, esses recursos com certeza contribuiriam para o desenvolvimento de um Baloquistão independente.

A independência do Baloquistão também ceifaria as esperanças de Islamabad quanto ao porto de Gwadar e outros projetos relacionados. E seria o fim de qualquer possibilidade de o Paquistão tornar-se mais atraente para o resto do mundo.


Mas nem só o Paquistão perderia em relação ao Porto de Gwadar: a China também perderia, o que faria aumentar as chances dos EUA, no esforço para restabelecer sua supremacia regional na Eurásia.

Contudo, se os EUA retirassem seus soldados do Afeganistão – aqueles planos estariam gravemente prejudicados, se não completamente falidos. Assim, temos mais um presidente dos EUA que prometeu retirar o país da guerra sem fim no Afeganistão, mas que muito previsivelmente já se desmentiu. Em vez de combater contra Al Qaeda e o chamado "Estado Islâmico" na fonte – na Arábia Saudita, no Qatar ou até mesmo na própria Washington – o presidente Trump propôs aos norte-americanos desperdiçar ainda mais sangue e dinheiro para fingir que os combate no Afeganistão.


E por menos que o presidente Trump tenha prometido "construir a nação" afegã, é claro que uma das condições necessárias para que os EUA se retirem do Afeganistão é que haja em Cabul regime criado à própria imagem dos EUA e de seus interesses, os quais mandam minar sempre qualquer estabilidade que haja no vizinho Irã, na região paquistanesa do Baloquistão e, afinal, qualquer condição que favoreça a influência regional sempre crescente, da própria China.

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