Discurso à 73ª Assembleia da ONU, New York (Presidência do Irã, tradução não oficial, para simples leitura)
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
“Sanções unilaterais ilegais são uma modalidade de terrorismo econômico.
São agressão ao ‘Direito ao Desenvolvimento’. Ponham fim a essas sanções. Ponham fim ao extremismo.”
Em nome de Deus Generoso e Misericordioso.
Louvado seja Deus, Senhor do universo. Paz e bênçãos ao Mensageiro de Deus e sua Família e Companheiros.
Senhora presidenta,
Colho a oportunidade para felicitá-la por sua eleição à presidência dessa 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU.
Reunimo-nos aqui hoje, enquanto o mundo sofre pela temeridade, pela imprudência e pela desatenção de alguns estados, contra os valores e as instituições internacionais. A mensagem de nossa presença aqui é que a preservação de interesses e da segurança no mundo, pela maneira menos custosa, só é possível mediante a cooperação e a coordenação entre países.
Contudo, infelizmente, estamos assistindo a governos e governantes no mundo que supõem que cuidariam melhor dos próprios interesses – ou pelo menos, que no curto prazo contariam com o apoio popular, seduzindo os sentimentos das populações –, com fomentar o nacionalismo e o racismo extremistas; reforçando tendências xenofóbicas; mobilizando disposições nazistas; atropelando regras globais; e minando instituições internacionais. Inclusive em movimentos anormais e grotescos, como ‘convocar’ uma reunião de alto nível do Conselho de Segurança.
Essa ilusão deve ser afastada, de uma vez por todas, de que seja possível aspirar a garantir mais paz e segurança para um, ao preço de negar paz e segurança a todo o resto do mundo. Não devemos admitir que prospere a linha de pensamento que mantém cativos, como reféns, o resto do mundo, depois de ter inventado uma insegurança ‘sob medida’.
Nessa linha, confrontar o multilateralismo não é sinal de força; é sintoma, isso sim, de fraqueza intelectual – é ação que revela uma incapacidade para compreender um mundo complexo e interconectado.
Nessas circunstâncias, a ineficácia ou qualquer negligência das instituições internacionais põe em risco a paz mundial. Os que buscam a dominação e a hegemonia são inimigos da paz e perpetradores da guerra.
O governo dos EUA – pelo menos o atual governo – parece determinado a tornar inefetivas todas as instituições internacionais. Esse governo, tendo-se retirado de um acordo multilateral avalizado pelo Conselho de Segurança – em clara contravenção das regras e normas da lei internacional –, convida a República Islâmica do Irã para conversações bilaterais. Governo que convide o Irã para conversações não consulta sequer os próprios especialistas, nem quer reconhecer o que se exige de estado moderno, inclusive o princípio fundante da continuidade da responsabilidade do Estado. E viola abertamente as obrigações assumidas pelo presidente do governo anterior.
Sobre que critérios, sobre que bases podemos formalizar qualquer acordo com governo que aja desse modo, tão inadmissível? Todas as conversações devem acontecer no âmbito e em continuação do Plano Abrangente de Ação Conjunta para o Irã, PAAC/Irã [ing. Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA (“acordo nuclear iraniano”)] e da resolução n. 2231 do Conselho de Segurança – e não para desrespeitar todos esses documentos e instâncias, fazendo tudo voltar à situação passada.
Chega a ser engraçado, que o governo dos EUA sequer cuide de esconder o plano para tentar derrubar o mesmo governo que, do outro lado, está convidando para ‘conversações’!
Ilustres colegas,
A abordagem em que opera a República Islâmica do Irã no campo da política exterior sempre se baseou no multilateralismo, em respeito aos princípios reconhecidos da lei internacional. Nosso respeito pelo Tratado de Não Proliferação [de armas nucleares] e pelas longas e difíceis negociações com o Grupo 5+1, que levou ao PAAC/Irã (“acordo nuclear iraniano”), é clara manifestação dessa abordagem.
Muito nos alegra que a comunidade internacional não tenha aceito a retirada unilateral e ilegal do governo dos EUA, do PAAC/Irã, e tenha adotado posição categórica ante aquela decisão. O “acordo nuclear iraniano” é resultado de mais de dez anos de esforços diplomáticos e de um período de negociações intensas para resolver uma crise artificial.
Aquele documento foi aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU, na Resolução n. 2231 e codificado como obrigação internacional. Segundo aquela resolução, todos os países e organizações regionais e internacionais são convocadas a apoiar a implementação do PAAC/Irã, e a se abster de quaisquer ações que minem a implementação de compromissos assumidos nos termos do PAAC/Irã.
Baseado em 12 relatórios consecutivos da Agência Internacional de Energia Atômica, AIEA, o Irã até o presente cumpriu todas as obrigações e deveres que lhe cabem.
Os EUA contudo, desde o primeiro momento, jamais cumpriram uma, sequer, das suas obrigações e deveres. Adiante, o atual governo, recorrendo a pretextos os mais insuficientes, e em flagrante violação de seus deveres, afinal, se retirou do acordo. A ONU não pode admitir que suas decisões caiam vítimas de eleições domésticas e de jogos de propaganda de alguns estados-membros, e não pode aceitar que estado-membro simplesmente ignore obrigações internacionais.
Além do mais, os EUA também pressionam outros países a violar o acordo nuclear. E, mais perigosamente, os EUA ameaçam todos os países e organizações internacionais com ‘castigos’, caso cumpram o que determina a resolução n. 2231 do Conselho de Segurança.
É a primeira vez na história da ONU em que esse tipo de ‘convite geral à violação da lei’ aparece combinado a ‘ameaças de castigos a quem cumpra a lei’! Não acontece só contra o PAAC/Irã, mas se aplica até ao modo como os EUA abordam a Corte Criminal Internacional.
Apreciamos os esforços da comunidade internacional, da União Europeia, de Rússia e China, no apoio à implementação do PAAC/Irã. Entendemos o completo cumprimento do que lá está estipulado, como precondição para a sobrevivência daquela significativa conquista da diplomacia.
Senhoras e senhores,
Sanções unilaterais ilegais são uma modalidade de terrorismo econômico. São agressão ao ‘Direito ao Desenvolvimento’.
A guerra econômica que os EUA iniciaram sob a rubrica de novas sanções não agridem só o povo iraniano, mas trazem também repercussões danosas para o povo de outros países, e essa guerra já causou ruptura no processo do comércio global.
O povo iraniano já demonstrou inabalável resiliência ao longo dos últimos 40 anos, apesar das dificuldades e limitações causados pelas sanções, e mostrou que pode superar também essa fase de dificuldades. A história multimilenar de nosso país demonstra que o Irã e os iranianos jamais quebraram frente a qualquer tempestade de vento – sequer se curvaram.
Aqui declaro, nos termos mais claros, que a política dos EUA para a República Islâmica do Irã foi errada desde o primeiro momento. Que a abordagem dos EUA contra os desejos do povo iraniano manifesto em numerosas eleições, está condenada a fracassar. O Irã, com sua longevidade histórica e civilizacional, sua rica herança cultural e posição geopolítica de liderança, é realidade inegável. A política de engajamento e cooperação com o Irã produziu resultados positivos para outras nações, que se veem tão claramente refletidos na cooperação entre Irã e países amigos na luta contra o terrorismo.
Os EUA têm compreensão autoritária das relações internacionais. Para os EUA, a violência geraria direitos. Essa compreensão do que seja o poder, não de autoridade legal e legítima, reflete-se no bullying, nas atitudes de provocação e imposição por chantagem. Nenhum estado pode ser levado, pela força, à mesa de negociações. E se acontece, o que se vê é acumularem-se naquela nação as ‘vinhas da ira’ – que os opressores, adiante, se apressarão a colher.
Entendemos que, feitas todas as contas, não há melhor caminho que o diálogo. Mas diálogo é via de duas mãos: deve basear-se na equidade, na justiça, na integridade e na honra humanas, e tem de ser conduzido por regras, conforme a lei internacional. A resolução n. 2231 do Conselho de Segurança da ONU não é um ‘pedaço de papel’.
Convido-os a voltar àquela resolução do Conselho. Nós os convidamos a voltarem à mesa de negociação que abandonaram. Se lhes desagrada o PAAC/Irã, por ser legado de seus rivais políticos domésticos, considerem-se convidados a voltar à Resolução do Conselho de Segurança; considerem-se convidados a permanecer sob o abrigo das instituições internacionais. Não se comprometam com impor sanções. Sanções e extremismo são dois lados da mesma moeda. O extremismo envolve negar o pensamento dos demais; sanções envolvem negar a vida e a prosperidade de outro povo.
Para que aconteça o diálogo, não é preciso esperar pela foto nos jornais. Os dois lados podem se ouvir um o outro, bem aqui, nessa Assembleia.
De minha parte inicio aqui o diálogo, e digo – em termos inequívocos – que a segurança internacional não é joguete da política doméstica de governos dos EUA.
O diálogo pode ser reiniciado nessa Assembleia, a partir do mesmo ponto e pela mesma pessoa que deixou a mesa de negociações e saltou fora do acordo. O diálogo começa com se pôr fim às ameaças e sanções injustas que negam os princípios da ética e da lei internacional.
Nossa proposta é clara: compromisso em troca de compromisso; e passo a passo, em vez de palavrório por palavrório.
O Irã fala com clareza: sem guerra, sem sanções, sem ameaças, sem bullying; agir sempre nos termos da lei, cumprindo-se todos os compromissos. Somos pela paz e pela democracia em todo o Oriente Médio. Entendemos que a tecnologia nuclear é obrigatória, e que todas as armas nucleares têm de ser completamente proibidas.
Como vítimas de terrorismo que sempre fomos no passado, como somos hoje, sempre estivemos e estaremos na linha de frente da luta legítima e genuína contra o terrorismo.
Hoje, choramos o martírio de dezenas de pessoas inocentes recentemente assassinadas a sangue frio por terroristas que, desavergonhadamente, aceitaram a culpa, de várias capitais ocidentais, por seus crimes de ódio –, terroristas que falam em entrevistas por veículos com sede no ocidente e que são mantidos por petrodólares. No Irã, condenamos sem vacilar todos os atos de terrorismo, e continuaremos a fazê-lo. Consideramos bem-vinda a declaração, em termos fortes, sobre essa questão, do Conselho de Segurança.
Mas por que os líderes daquelas operações de terrorismo – incluída a organização que se declara publicamente culpada pelo crime do sábado – vivem e operam em plena liberdade em países ocidentais, e até pedem e recebem dinheiro abertamente? Essas ações e práticas não violariam, talvez, as normas do contraterrorismo internacional?
Por que os estados financiadores oficiais de organizações terroristas anti-Irã – com o longo currículo que têm de financiar a al-Qaeda, o ISIS[‘Estado Islâmico] e a [Frente] al-Nusrah – não são jamais punidos? Por que, em vez disso, são apoiados e armados?
Quem queira que o mundo leve a sério o discurso de combate ao terrorismo, tem de começar uma campanha global conjunta para lutar contra essa escória, contra toda a escória terrorista, sem qualquer diferença entre vítimas e culpados de ‘primeira classe’ e ‘outros’.
Distintos colegas,
Nessa mesma linha, desde o início da crise na Síria, alertamos contra qualquer intervenção estrangeira nos assuntos internos daquele país e contra o uso de meios ilegais, inclusive contra se apoiarem grupos extremistas e terroristas como ‘tática’ para pressionar o governo sírio. Também enfatizamos consistentemente que a crise na Síria só pode ser resolvida pelo diálogo interno, entre todos os sírios.
Nesses termos, nossos conselheiros militares estão presentes na Síria, atendendo a convite formal do governo sírio e nos termos da lei internacional, e visam a oferecer assistência ao governo sírio na luta contra o terrorismo extremista. Irã, Rússia e Turquia, em cooperação com o governo e outras entidades sírias, conseguimos, mediante o Processo de Astana – cuja terceira reunião de cúpula aconteceu em Teerã no início desse mês – desempenhar papel positivo para reduzir as tensões na Síria. Em nosso mais recente esforço comum, conseguimos impedir a escalada e o derramamento de sangue na região de Idlib.
Todos sabemos da tragédia e da catástrofe humanitária no Iêmen ao longo dos últimos três anos, que já causou a destruição da infraestrutura do país, morte e ferimento de centenas de milhares, e deslocamento de milhões de inocentes, hoje vítimas de doenças que se alastram e da fome mais cruel. São atos desumanos, claros exemplos de crimes contra a humanidade e de crimes de guerra. A crise no Iêmen só pode ser resolvida por conversações entre os próprios iemenitas, sem interferência estrangeira. Para essa finalidade, estamos prontos a colaborar por todas as vias possíveis.
Mas a crise mais grave, em todo o Oriente Médio, é a questão da Palestina. O tempo que não para não pode ser usado para justificar a ocupação mais brutal. Os incontáveis crimes de Israel contra os palestinos nunca seriam possíveis, sem a ajuda material e militar – e o apoio político e a propaganda – dos EUA.
Israel – que administra um arsenal nuclear e vive de ameaçar outros países com a aniquilação nuclear – é a mais aterrorizante ameaça à paz e à estabilidade regionais e globais.
A obscena decisão dos EUA, de transferir sua embaixada em Israel para Jerusalém, e a recente imposição da lei racista que cria um Estado Judeu, são violações da lei internacional e das normas internacionais – e inequívocas manifestações de apartheid.
Senhora presidenta,
A expansão das relações com vizinhos, e a criação de região mais segura e mais desenvolvida estão entre as mais altas prioridades da política exterior do Irã.
Há poucas semanas, com os outros quatro estados litorâneos, assinamos a Convenção do Status Legal do Mar Cáspio, que fortalecerá relações de boa vizinhança e trará prosperidade e progresso para todos os estados litorâneos. Desejamos relações igualmente produtivas com nossos vizinhos do sul, no Golfo Persa. Acreditamos na criação de um mecanismo coletivo para a região do Golfo Persa, com presença e participação de todos os países regionais. A segurança do Golfo Persa e do Estreito de Ormuz sempre foi importante para nós, e assim como defendemos a segurança dessa região durante a guerra que nos foi imposta pelo Iraque, assim também confrontaremos, no futuro, quaisquer ameaças que se criem para essa via criticamente importante de trânsito.
Somos pela paz nas relações políticas e internacionais, e jamais buscamos guerra, antes ou hoje. O Irã não precisa de mais império. O Irã já é império em termos de civilização e cultura – nunca por algum tipo de dominação política.
O Irã serviu como elo de ligação entre oriente e ocidente e assim continuará. Continuaremos a ser guardiões aplicados da via que levará a mundo livre de violência.
A República Islâmica do Irã é o mesmo estado que compreendeu a natureza fascista do regime Ba’athista no Iraque, antes de qualquer outro estado no mundo. E resistiu bravamente à agressão. Lutamos contra o Partido Ba’ath do Iraque, antes de o Kuwait ser ocupado.
A República Islâmica do Irã é a mesma que esteve na linha de frente da luta contra o terrorismo dos Talibã, e entregou muitos mártires naquela luta. Já lutávamos contra a Al-Qaeda e os Talibã antes dos ataques em New York e Washington.
A República Islâmica do Irã é a mesma que lutou contra o Daech – representação distorcida, forjada, do Islã. Já lutávamos contra o Daech antes das operações em Paris, Londres e Bruxelas.
Avaliem essa realidade histórica, que é a realidade histórica do Irã. Abandonem para sempre as sanções. Ponham fim ao extremismo. O mundo não terá melhor aliado que o Irã, quando, e se, buscar a paz.
Obrigado por sua atenção.
blogdoalok
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