Jacob Appelbaum e Paulo Moreira Leite, sobre Assange - Noticia Final

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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Jacob Appelbaum e Paulo Moreira Leite, sobre Assange

Jacob Appelbaum

As ações de Julian não são baseadas em egoísmo ou megalomania – são baseadas em princípios de justiça universal, que depende de as pessoas conhecerem a verdade.

A disposição de Julian para aparecer na arena pública só é desqualificada como “dispensável” por gente que ainda terá de demonstrar que basta(ria) o anonimato para fazer todo o serviço.

Daniel Ellsberg tampouco é sujeito egoísta – poderia ter vazado anonimamente os Pentagon Papers, mas quis que se conhecesse seu nome, porque nunca acreditou que bastaria o anonimato.

Gente inspirada pela coragem das ações de Assange/Ellsberg inspiram outros e outros a, pelo menos, fazer alguma coisa protegido pelo anonimato, enquanto não se decide a fazê-lo também publicamente.

Não temos de criar e cultuar ídolos, mas não podemos deixar que os que assumem plenamente os seus riscos sejam desmoralizados, apenas porque se conhecem sua identidade e sua história pessoal.

Nem podemos desacreditar a ação positiva, apenas porque os valentes também têm defeitos, como todos nós temos.

Nelson Mandela

Nelson Mandela é grande exemplo de sujeito que, embora não seja perfeito, provocou mudanças profundas que merecem elogios, e não pode ser acusado de ter ego/id doentes.

Tanta gente tão sensacional, que trabalha por melhor justiça, é tão cheia de defeitos... E é bem fácil esquecer o quanto de intriga, ofensas, agressões, eles enfrentam na luta que fazem.

Tome qualquer um dos que lutam por justiça social, contra as guerras injustas, contra forças de opressão de, praticamente, todos os tipos – como são tão duramente atacados, sem alívio!

Esses ataques, ainda que haja na motivação alguns traços de verdade, não podem ser usados para desqualificar a luta que eles lutam, os objetivos positivos pelos quais lutam e os objetivos que as lutas buscam alcançar.

Alguns dos pais fundadores dos EUA foram racistas, mas lá estavam, lutando contra a tirania dos britânicos. Temos de tocar adiante a luta.

Nelson Mandela usou táticas que podem ser melhoradas, como fizeram os revolucionários norte-americanos contra os ingleses. E #wikileaks jamais recorreu à violência.

O fato de que #wikileaks obteve todo o impacto que se vê, trabalhando sobre as lições de lutas passadas, é a causa, precisamente, de tantos atacarem tanto o movimento e Assange.

Sem disparar um tiro, #wikileaks alterou resultados de eleições, expôs assassinos, mostrou corrupção massiva – expôs e impediu um sem número de ações de violência e de corrupção.

#wikileaks não seria #wikileaks sem Julian Assange e toda a equipe envolvida com ele, que assumiram riscos bem conhecidos, em nome de um mundo melhor.

Mesmo que alguém não goste de Julian em termos pessoais, ninguém pode permitir que seja enforcado. A humanidade ganhou muito, com o trabalho de #wikileaks. Assange não fez mal a ninguém, nem expôs alguém que não merecesse ser exposto [e só expôs gente que já estaria exposta há muito tempo, não fosse a grande empresa-imprensa, em todo mundo, o que é]. Assange ajudou o mundo.

Há os que dizem que #wikileaks não precisa de Assange e que Assange é um risco para #wikileaks, mas essa é, exatamente, a conclusão mais errada. Ninguém tem o direito de não ajudar Assange a conseguir o que quer conseguir para todos.

Quando falei a HOPE, substituindo Julian, citei Solzhenitsyn:
“E a única salvação possível para a humanidade depende de cada um fazer de todas as questões, assunto seu, e de o povo do ocidente tornar-se vitalmente envolvido em tudo que se pensa no ocidente, e de o povo do ocidente envolver-se vitalmente com o que acontece no oriente”.
Aleksandr Solzhenitsyn 

Isso precisamente é o que #wikileaks e Julian Assange fizeram: tornaram possível, para nós, fazer exatamente o que Aleksandr Solzhenitsyn esperava que se fizesse.

Hoje sabemos muito mais sobre quanta gente o Estado assassinou com as próprias mãos – apesar de o Estado não se deixar julgar e condenar por suas guerras e mentiras.

Conhecemos muito mais, hoje, sobre as táticas de corrupção do Quênia ao Iraque; da Líbia, da Tunísia – do ocidente, do oriente e do Sul Global.

A ação de Julian com #wikileaks não foi pensada para acabar morta, nem exilada, nem famosa. Suas ações criaram oportunidade para que todos nós também entremos em ação.

Quando Howard Zinn falava sobre democracia, mostrava que é muito mais do que apenas votar, é conhecimento, cultura, discussões, informação transparente.

Quando Julian fala sobre democracia, ele age para criar condições melhores para o conhecimento, a cultura, para que as discussões melhorem, para abrir avenidas que levam à transparência.

Ninguém tem o direito de esquecer que Julian empreendeu ações de luta contra o autoritarismo que há em todas as estruturas exploráveis de governo.

No “ocidente”, falamos hoje de dissidentes e ativistas, como os do Bahrain, que praticamente não tem voz alguma. Até o departamento de Estado fala deles!

Ninguém tem o direito de esquecer que o povo oprimido do Bahrain merece liberdade, não porque seja povo do Bahrain, mas porque é gente que vive e sofre.

Por todo o mundo, Julian e muitos outros viabilizaram muitas lutas porque as conectaram a fatos há muito tempo conhecidos, mas que não se podiam provar.

O que está vindo e vira depois, terá de vir de nós, se não desperdiçarmos nossa geração. Não haverá mártires e, tampouco, não nos deixaremos ser esmagados pelo Estado.

Nunca mais poderemos esquecer que o Estado mente – todos os estados que se envolveram na caçada contra Assange mentiram e mentem aos seus cidadãos. Essa é uma questão estrutural.

A estrutura dos governos modernos pega gente boa e os mete em situações impossíveis. Uma corrente de realimentação que nós podemos alterar.

A estrutura desses governos é uma melhora em relação ao que havia antes, mas temos de melhorar a estrutura, para melhorar os resultados.

Muitos dos governos modernos, em parte como efeito de escala, perderam a confiança das pessoas, que já não confiam que façam a coisa certa, no exercício da representação.

Temos de lembrar a todos que vivem nas estruturas dos governos, que a justiça não é coisa que só apareça para gente que ocupa o centro do palco, como Julian.

Como faremos isso? Como comunicar esses objetivos? Como comunicaremos nossas ideias partilhadas de unidade e nossos objetivos de justiça?

Faremos o que fizermos, com ações. Ações individuais e ações tomadas em conjunto, como um todo, na busca para alcançar aqueles pontos de unidade, aqueles objetivos.

Temos de começar por fazer ver a todos que estejam em posição de poder que: acreditamos firmemente que o que acontece a Julian acontecerá a TODOS nós, mais dia, menos dia.

Julian Assange

Temos de convencê-los também de que, se o que se teme acontecer a Julian, acontecerá, exatamente igual, a eles, antes que aconteça a todos nós.

Temos de descobrir nomes e cargos de todos os responsáveis e impedir, a todo custo, que escapem. Iniciem ações judiciais, tranquem as portas, imprimam panfletos.

Temos de descobrir quem sabe o quê, quem sabia, quem não se manifestou – dos assassinatos com drones à caçada/perseguição contra Julian Assange – todos terão de responder pelo que tenham feito ou deixado de fazer.

Eu, que sou cidadão norte-americano, fui preso pelo exército dos EUA/ICE/DHS em solo norte-americano – roubaram-me os objetos que eu carregava, impediram que procurasse um advogado, ameaçaram me matar – é esse o mundo que queremos?

Nada disso representa qualquer avanço na direção da justiça , quando a polícia é protegida e tem o direito de mentir – e quando os militares não têm nenhum limite.

Todos esses são exemplos de tirania, de injustiça, de sistemas estruturalmente falhados.

#wikileaks trabalhou e trabalha para nos informar sobre, precisamente, esses sistemas. Não podemos perder essa chance. Não podemos permitir que o mundo desperdice Julian!

Cada um, cada pessoa impactada por ação do Grande Júri nos EUA deve vir a público e falar de suas experiências. Não podemos permitir que continuem a dizer que o que está acontecendo não está acontecendo.

Cada um, cada pessoa, que tenha o que dizer contra o artigo 1021 da NDAA [1] que se manifeste. Nenhuma prisão sem tempo definido e sem julgamento, em lugar algum, nunca.

Temos de falar alto e falar forte, temos de escrever sempre que virmos mentiras impressas no New York Times ou no Washington Post.

Não podemos deixar nos esmagar pelo medo ou pelo medo de represálias – temos de nos recusar a nos deixar silenciar. Temos de expor os que nos pressionem e tentem nos ferir.

Quando alguém disser que Julian é irracional e paranoico – temos de responder e mostrar que os EUA estão rompendo todas as suas regras, nossas regras, na perseguição que move contra ele.

Em poucos anos, se não consertarmos os vícios e problemas estruturais que vemos hoje, nós já encontraremos a total tecnologia para o totalitarismo total, aí, à nossa espera, à nossa espreita.

O silêncio não nos protegerá – só estaremos protegidos se nos mantivermos unidos e fortes, apesar de todas as nossas fraquezas e defeitos, contra a injustiça, qualquer injustiça, todas as injustiças.

Enviem um amicus brief [2] ao processo Jewel vs NSA para lutar contra a tirania dos mandados genéricos de prisão. Enviem um amicus brief à ação contra o artigo n. 1.021, sectário.

Registrem manifestação a favor do FOIA [Freedom of Information Act], a propósito de tudo, qualquer causa – agitem, usem a verdade como instrumento de agitação social, forcem os desgraçados a prestar contas de tudo que façam de errado, sempre que usarem contra nós o poder que têm.

Se você está em Londres, a hora agora é de ocupar a Embaixada do Equador – sejam os olhos do mundo contra a tirania do Reino Unido.

Para cada um semelhante a Julian ou Bradley Manning, há dúzias cujos nomes não sabemos – temos de apoiar todos eles, em sua luta.

Não desesperem, se não conseguirmos ganhar todas as lutas. O importante é não nos deixar desanimar. A luta moral é lutada em nome da moral, não da chance de vencer.

Não desanimem, porque encontrem alguns covardes. Mostrem a cada covarde que eles podem mudar de ideia e, quando o covarde, afinal, estiver pronto, ajudem-no, na luta dele.

Nossa geração pode vencer a apatia e todos os fracassos das últimas décadas. Rejeitamos a noção de que o Estado seria perfeito ou honesto.

O destino de Julian Assange está em nossas mãos; agora, é hora de agir! Vamos à luta antes que seja tarde demais, para Julian e para nós.

redecastorphoto

Crítica a Assange reflete pressão dos EUA

Quando o WikiLeaks ofereceu 500 000 documentos secretos da diplomacia americana, Julian Assange tornou-se uma celebridade mundial. Foi cortejado pelos jornais, revistas, emissoras de TV, que divulgavam avidamente as informações que ele havia obtido. Falou-se no surgimento de um novo jornalismo e o próprio Assange foi apresentado como seu profeta.

Com o passar dos anos, o tratamento mudou. O tratamento a Assange adquiriu um tom essencialmente negativo. Oscila entre a futilidade mais rasteira do jornalismo de celebridade – como lembrar que sua mãe era hippie, que ele teve 37 endereços diferentes até os 16 anos, que seu padrasto era violento – até a crítica a seus métodos de gestão. Ele é acusado de narcisismo e de esconder talentos que ajudaram o WikiLeaks a fazer sucesso. Sem ficar envergonhado, um jornalista escreveu que Assange esconde as fontes de seu trabalho. Quer dizer que o tal sigilo das fontes não vale para o WikiLeaks?

Já ouvi relatos de que é temperamental demais, arrogante e assim por diante.

Em breve, leremos algum espertinho dando lições de auto-ajuda para o rapaz.

Este tratamento, que chega a lembrar um obituário precoce, cumpre uma função : esconder que Assange é, hoje, um perseguido político.

Isso porque, com os 500 000 documentos, Assange passou pela experiência de incomodar interesses realmente importantes, capazes de mobilizar recursos poderosos. Uma coisa é denunciar o presidente de um país sul-americano por fazer um esquema

de bandalheira. Ou mesmo acusar uma super potência — mesmo combalida — de abusos e desvios. Outra, muito diferente, é trazer tudo a público uma parte de seus segredos mais íntimos, denunciando hipocrisias e deslealdades. Com sua pequena

organização, Assange foi o cidadão que ajudou a mostrar que o Império estava nu.

Não é preciso simpatizar com a visão vagamente anarquista de suas ideias para juntar alguns neurônios. Num ato que envergonha as frequentes proclamações democráticas do governo americano, o soldado Bradley Manning, que foi, supostamente, responsável pelo vazamento dos 500 000 documentos, encontra-se preso, incomunicável, sem julgamento, há dois anos e meio. O governo sueco alega que gostaria de levar Assange para Estocolmo para que seja julgado pela acusação de crimes sexuais mas não oferece garantias de que não será extraditado para os EUA. O próprio governo norte-americano faz silêncio sobre o assunto. Não é difícil imaginar a razão.

Essa postura me deixa envergonhado. Assange não se tornou pior nem melhor depois que divulgou os 500 000 documentos. Seus métodos de gestão não se revelaram mais questionáveis em função disso. A mudança é de natureza política.

Ele passou a ser tratado como inimigo pelo governo dos Estados Unidos – e o tratamento que recebe de outros governos, de grandes corporações com interesses em Washington, é apenas um reflexo disso. Jornais e jornalistas que assumem essa postura apenas atuam como porta-vozes dessa pressão. Confesso que essa reação não é tão surpreendente.

Só não era possível adivinhar que fosse tão completa e automática.

No caso brasileiro, o esforço para ignorar a importância de Assange tem um aspecto especialmente bocó. Estamos em luta há pelo menos três décadas pela abertura de arquivos do regime militar, capazes de esclarecer aspectos relevantes de nossa história. Esses segredos, que insultam nossa memória e nossa cidadania, deveriam ajudar a entender a importância dos documentos que Assange revelou.

Não custa recordar, também, que boa parte da história política do país – antes, durante e depois da ditadura permanece em segredo nos EUA – por decisão do governo norte-americano, que não tem interesse que se conheça a verdade.

E aqui chegamos ao centro da questão.

O gesto de Assange foi uma transgressão de regras e costumes. Nós sabemos que o governo norte-americano divulga periodicamente seus documentos oficiais. Mas o acesso não é liberado inteiramente, como muitas pessoas acreditam. Isso se faz de acordo com regras rígidas e controles severos. Os prazos de divulgação autorizada são longos e nem sempre são cumpridos. Os serviços secretos podem vetar a divulgação de um texto sempre que consideram que isso pode ser inconveniente para os interesses do país. Imagine como seria importante conhecer, por exemplo, os arquivos da CIA, com seus agentes e informantes das últimas décadas?

Não seria útil esclarecer – por exemplo – o papel de oficiais americanos no treinamento das técnicas de tortura?

Assange quebrou isso. Atravessou controles burocráticos e acertos políticos que envolvem a divulgação de informações realmente sensíveis, para expor segredos e verdades sem hora marcada. Num mundo onde as grandes notícias exclusivas, os grandes furos, sempre atendem a um interesse que permanece oculto e bem protegido, Assange abriu os arquivos e colocou no ar — doa a quem doer. É respeitável pelo que fez e também pelo exemplo que deixou. É perseguido pelas mesmas razões.

E é por isso que tentarão puní-lo de forma exemplar. Neste jogo, vale tudo. Inclusive empurrar Assange para os braços do inimigo e depois acusa-lo de ter-se aliado aos adversários. A tese, agora, é dizer que se tornou aliado de Rafael Correa, o presidente do Equador que é aliado de Hugo Chávez. Seria condenável porque afinal, Correa é acusado de pressionar a imprensa de seu país.

Queriam o quê? Uma aliança com Obama, que mandou cortar o acesso do Wikileaks a seus financiamentos? Com o primeiro ministro inglês David Cameron, com muitos amigos no império de Rupert Murdoch e seu jornalismo sujo, e que chegou a ameaçar invadir a embaixada do Equador?

Paulo Moreira Leite

Jornalista desde os 17 anos, foi diretor de redação de ÉPOCA e do Diário de S. Paulo. Foi redator chefe da Veja, correspondente em Paris e em Washington. É autor do livro A mulher que era o general da casa -- Histórias da resistência civil à ditadura.

Época

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