Entreouvido na Vila Vudu: O PROBLEMA DA IMPRENSA-EMPRESA udenista e golpista no Brasil – sempre, com certeza desde 1950 – nunca apareceu entre os problemas que os governos populares e democráticos teriam de enfrentar aqui. Nunca. Em 2006, o ministro José Dirceu já sabia (e acerta) TUDO o que seria feito (e foi e continua a ser feito) nos seis anos seguintes, nos governos Lula-Dilma do Brasil, até hoje, com o grande sucesso que, hoje, já todo o mundo reconhece e aplaude:
“Nosso programa para o segundo mandato é (1) mercado interno de massa, apoiado em um amplo programa de distribuição de renda; (2) revolução educacional; (3)política de exportações agressiva; e (4) integração sul-americana que adicione respostas continentais aos impasses econômicos gerados pela volatilidade mundial”.
(Ministro José Dirceu, “O que está em jogo em 2006”, 22/6/2006, Jornal do Brasil).
Mas nem o grande ministro José Dirceu diz coisa alguma, aí, sobre coordenar qualquer resistência democrática, democratizatória, contra a imprensa-empresa brasileira udenista golpista que, seis anos depois da frase acima, em 2012, ainda se dedica a tentar detoná-lo injustamente, golpistamente e canalhamente (embora legalmente).
Essa ignorância brasileira – que é construída e alimentada pela própria imprensa-empresa brasileira udenista golpista – sobre o dano que a imprensa-impresa udenista golpista faz ao Brasil, há mais de 50 anos é, provavelmente, a mais invisível, a mais trágica, das nossas ignorâncias brasileiras. É IMPRESSIONANTE.Peter Hart
Em outubro, afinal, o inevitável foi anunciado: a revista Newsweek deixará de existir como publicação impressa, no final de 2012. Mas a última revista semanal de massa que resta, Time, também anunciou fracasso semelhante: está abandonando o negócio da reportagem devidamente investigada.
“Quem diz a verdade? A guerra dos fatos” – dizia a matéria de capa da Time do dia 15/10. Com tal chamariz, seria de esperar uma brecha no jornalismo marketado, de campanha, o reconhecimento, afinal, de que o fato é o que importa, e que os políticos que fazem da mentira meio de vida, com longo currículo de manipular a realidade para efeitos ‘eleitorais-midiáticos’ começariam, afinal, a ser expostos.
Não. Em vez disso, a revista Time manteve o padrão e repetiu que os dois grandes partidos norte-americanos, ambos, cometem os mesmos pecados de “desrespeito factual”, porque a acuidade – e o fato – importam sempre menos que a aparência de equilíbrio e objetividade. No artigo, e na subsequente resposta aos críticos, a revista, simplesmente, ergueu a bandeira branca da rendição do jornalismo ante o mascaramento e a mentira que são rotina no mundo político eleitoral-midiático.
A matéria de capa, assinada por Michael Scherer, começa com algumas anedotas apresentadas como se fossem típicas. De um lado, Obama reclama contra as repetidas investidas de Romney, sempre fartamente reproduzidas, segundo as quais a Casa Branca estaria rebaixando as exigências de trabalho em seus planos de bem-estar social. Isso, em alguns momentos, foi ponto central da estratégia de campanha dos Republicanos. Scherer observa, corretamente, que o que Romney dizia não era verdade.
Mas na sequência, fiel ao pressuposto de que fazer jornalismo seria encontrar provas de que todos mentem, o jornalista encontra frase, no campo de Obama – nada além de um comentário lateral de um estrategista de campanha, para o qual, se Romney mentiu a seguradoras, teria cometido “crime” – “acusação condicional, mas, mesmo assim, acusação”, explica Sherer, o que seria justificativa suficiente para que a equipe de Romney tivesse de ser apresentada como “os que dizem a verdade”.
Os dois casos, expostos lado a lado, não são, nem de longe, equivalentes, o que ilustra bem um dos principais problemas da verificação de fatos, na empresa-imprensa: a necessidade de sempre parecer ouvir “os dois lados”, por mais que a realidade seja desequilibrada e não haja, praticamente nunca, dois lados equivalentes. Quem mais perde, e sempre perde, na Guerra dos Fatos, por ironia, é sempre o próprio fato.
Em coluna lateral, Alex Altman (“Quem mente mais? Outra disputa apertada”) parece inspirado na mesma noção de que haverá algum fato, se todos os políticos e candidatos forem mostrados como mentirosos perfeitamente idênticos e simétricos. Ali se reúnem dez declarações de cada um dos campos avaliados. São comparações absolutamente incomparáveis. De um lado, lista-se uma frase hiperbólica de Romney: “Estamos a milímetros de deixar de ser economia livre”. Nada com que se preocupar: Altman classifica a declaração como “altamente mentirosa”.
Do lado de Obama, aparece declaração “equivalente” – “Não precisamos, na Casa Branca, de um pioneiro da exportação de empregos”. Esse, na avaliação da revista Time, seria caso de “distorção”, porque, se a empresa Bain [de Romney], “investiu em empresas que exportaram empregos, não foi a primeira a fazê-lo”; e, além do mais, Romney não foi “diretamente responsável” pela exportação de empregos, quando aconteceu. Altman erra, aí – Romney era, sim, diretor da Bain quando a empresa “era proprietária de empresas pioneiras na prática de exportar empregos dos EUA para o exterior, para supervisionar empresas e call centers que fabricavam componentes de computadores”, como o Washington Post(21/6/2012) noticiou acuradamente. Mas, ainda que estivesse mentindo, o que Obama disse não é equivalente a declarar que os EUA estariam às portas do socialismo.
Confrontado à prova de que as mentiras e exageros de Romney eram coisas de outra ordem, Altman sai-se com nova justificativa:
Comparada à campanha de Obama, a campanha de Romney mentiu sempre mais ostensiva e mais agressivamentes. Mas não raras vezes, a mentira mais efetiva é a que fica mais próxima da verdade, e a equipe de Obama mostrou-se mais ativa que a de Romney, na sombria arte de distorção sutil.
Assim sendo, em resumo: Romney mente mais e “maior”. Mas Obama mente mentiras mais efetivas, mais acuradas.
Esse tipo de “análise” permite que Scherer, confiante e categoricamente, mostre os dois lados e as duas campanhas como iguais, no quesito desrespeito à verdade e ao fato:
Os dois candidatos que concorrem à presidência dizem que o adversário falseia fatos e dá provas de intenção de manipular o eleitor. Ambos cometem pessoalmente agressões à honestidade e ao fair play. E ambos conduzem campanhas que, repetidamente, deliberadamente, enganam as pessoas, embora as respectivas violações variem em amplitude e gravidade.
Na frase final, Scherer reconhece que um lado pode estar-se especializando em mentir mais que o outro – mas sua coluna não dá nenhuma pista sobre qual seria o lado “mais mentiroso”. Aparentemente, caberia ao leitor o trabalho de descobrir.
Scherer parece incomodado pelo imenso volume das mentiras ‘dos políticos’ que encontrou nas campanhas, e logo encontra a quem culpar: o eleitor. Escreveu ele:
E isso explica o descaso com o fato, que se vê nas campanhas eleitorais? A resposta mais evidente pode ser encontrada nas penalidades (ou falta delas), por tantas mentiras. Os eleitores mostram cada dia menos interesse em punir os que mentem.
Scherer conclui que:
até que os eleitores exijam outra coisa, não apenas dos políticos aos quais se opõem, mas também dos que apoiam, há poucas razões para desconfiar que isso mudará.
Culpar o eleitor, preguiçoso ou partidarizado, pelas mentiras dos políticos soa estranho, especialmente se há ou deveria haver jornalistas cujo ganha-pão é ou deveria ser informar corretamente o eleitor. Se jornalismo, jornais e jornalistas trabalham para mostrar que “todos mentem”... não se vê como poderia haver saída para melhor democracia.
Mas, segundo Scherer, a imprensa já estaria fazendo precisamente o que não está fazendo. Para ele, dessa vez, a imprensa teria “abraçado, em larga medida, a causa de corrigir os políticos, quando saem completamente dos trilhos.” A campanha de 2012 teria “testemunhado grande aumento no trabalho de verificação de fatos pela imprensa, com dúzias de repórteres dedicados, em tempo integral, a farejar mentiras”.
Dado que já se sabe que grande parte do “farejamento” foi partidarizado, Scherer sai-se com um conselho bizarro:
Os especialistas do canal MSNBC, do Huffington Post e da página de editoriais do New York Times fazem excelente trabalho de denunciar as mentiras de Romney, mas se você quiser ouvir sobre as mentiras de Obama, encontrará o que procura no Drudge Report, no canal Fox News ou nos editoriais do Wall Street Journal.
Quer dizer: é fácil! Se o leitor quiser fatos bem investigados sobre Barack Obama, que assista a uma hora do programa de Sean Hannity [Ou, traduzido para o Brasil: Se o leitor quiser fatos bem investigados sobre os governos Lula-Dilma, que assista a uma hora de William Waack, em GloboNews, ou leia a coluna de Augusto Nunes na revista (não)Veja, ou assista ao Jornal Nacional... (NTs)].
É quase inacreditável, é bizarro, mas, isso é o que resta ao leitor-eleitor-consumidor, se se aceita a premissa de que seria impossível separar fato e ficção no jornalismo contemporâneo; e que a única opção que resta ao leitor-eleitor-consumidor de jornalismo pago seria ouvir discursos igualmente distorcidos, sem qualquer consideração a qualquer fato, só que enviesados, cada um para um lado, em direções opostas!
O problema, como explica Scherer, é que o eleitor não deseja ouvir fatos bem investigados “do outro lado”:
“Em vez disso, o público faz campanha contra, cada vez mais, os veículos que publicam os fatos”.
Por ironia, ele cita o ex-assessor de imprensa de Al Gore, Chris Lehane, que argumenta em direção exatamente oposta:
“No passado, a imprensa cumpriu efetivamente o papel de mediador (...) Hoje, se integrou à torcida de grupos organizados”.
Assim, talvez o verdadeiro problema não seja que o público leitor-eleitor-consumidor não manifeste qualquer apreço pelos que “fornecem fatos”. O mais provável – como diz Lehane –, é que público leitor-eleitor-consumidor já não creia que os jornalistas forneçam algum fato.
Os repórteres parecem enquadrados num conjunto de “regras” as quais, segundo eles, os impediriam de expor a realidade aos leitores e telespectadores. No blog Time Swampland 9/10/2012), Scherer respondeu às críticas contra sua matéria de capa na Time:
Adoraria poder dizer a vocês que Mitt Romney mente mais que Barack Obama ou vice-versa (...). O problema é que não há mecanismo para cumprir esse sagrado dever em tempo real (...). Há excesso de avaliações subjetivas a fazer, para chegar a qualquer conclusão.
Esse é ponto de vista que não se pode considerar “imparcial” ou “objetivo”, como se lê na resposta de Jim Naureckas, editor de Extra! (FAIR Blog, 9/10/2012). “O que se vê aí é, mais, algum tipo de “pós-modernismo radical” – negar que seja possível saber o que realmente se passa no mundo ou fazer qualquer avaliação sobre o que se passa no mundo. Como se o jornalismo só pudesse, mesmo, narrar o que uns e outros dizem sobre o mundo”.
O maior medo de Scherer parece ser que os fatos acabem empilhados mais num dos pratos da balança, que no outro. Cita, em sinal de concordância e aprovação, Brooks Jackson, de FactCheck.org, que explica que operações de avaliar fatos como a que Scherer comenta só fazem fingir que tentam fixar parâmetros pelos quais se poderia mensurar a desonestidade de uns ou outros:
Ainda que fosse possível trabalhar sobre uma planilha para aferir mentiras de candidatos, e fosse possível afirmar, cientificamente, que um candidato mente mais que outro, acho que nem assim algum jornalista usaria a tal planilha... para não haver risco de alguém supor que o jornalismo, o jornal ou o jornalista estaria apoiando o candidato “menos mentiroso”.
Enquanto o medo de ser visto como tendencioso definir o tom das reportagens da mídia-empresa e impedir qualquer verificação séria de qualquer fato, nenhum jornalismo, jornal ou jornalista será serviço, veículo ou agente “de noticiar fatos”.
Verdade é que já não passam de instrumento, veículo, empresa ou gente que vive de arranjar cuidadosamente, à sua moda, cada peça de um quebra-cabeça, no esforço para criar a ilusão crível de que apenas contemplam peças de um quebra-cabeça jogado sobre a mesa e “reportam” o local onde caíram as peças... “porque sim”, ou “por destino”, ou sabe-se lá por quê.
Redecastorphoto
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