Russia Today [RT]: O senhor está terminando o ano com uma visita à Índia. A Rússia muito claramente apoia a Índia, que aspira a tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Como o muito criticado CS da ONU poderá ser beneficiado com a participação da Índia?
Serguey Lavrov [SL]: Em primeiro lugar, nem todas as críticas que se fazem ao CS são fundamentadas. A mais recente onda de crítica tem a ver com o fato de que se diz que o CS não poderia agir na Síria. Porque muitos queriam ver alguma ação do CS, os críticos tentaram fazer aprovar uma Resolução, baseada no Capítulo 7º, pela qual se aplicariam sanções e, eventualmente, se usaria a força na Síria. E Rússia e China estão 100% convencidas de que isso seria desastre total e que seria o primeiro movimento ladeira abaixo, na direção de uma repetição do que se viu na Líbia, o que não se pode admitir, nem a região suportaria. Assim sendo, os que dizem que o CS nada faz devem lembrar que a Carta das Nações Unidas assegura o direito de veto, não para ser simpática aos membros permanentes, mas porque os que criaram as Nações Unidas, depois da indigesta experiência da Liga das Nações, decidiram que, a menos que cinco grandes potências mundiais tenham idêntica opinião sobre algum tema, nenhuma decisão seria aprovada para gerar efeitos. Por isso, o direito de veto foi incluído na Carta da ONU, aliás, por muito empenhada insistência dos EUA.
Claro que muito tempo passou desde 1945, o Conselho de Segurança ampliou-se, para a categoria de membros não permanentes, e agora, depois de várias décadas de o Conselho funcionar sempre com a mesma composição, há movimento forte na direção de ampliar o número de membros, para que reflita melhor o pluralismo da comunidade mundial. A Rússia é empenhadamente favorável a essa ampliação, estamos convencidos de que países em desenvolvimento, novas economias e novas potências econômicas no Terceiro Mundo, como Brasil e Índia, por exemplo, devem ser representados no Conselho de Segurança. Somos favoráveis a que sejam recebidos como novos membros permanentes, desde, é claro, que se criem novos postos de membros permanentes. E é justamente nesse ponto que a ONU está dividida. Um grupo entende que deve haver novos membros permanentes; outro grupo, que também são países muito respeitáveis, entende, categoricamente, que não se devem criar novos postos para membros permanentes; e que só se poderiam acolher novos membros não permanentes.
A Rússia entende que esse tipo de divisão não pode ser decidida por voto “aritmético”. Que se deve buscar o consenso, sobretudo porque já se decidiu, há algum tempo, que a reforma do Conselho de Segurança deve ser objeto de acordo amplo entre os estados-membros. Assim, qualquer tipo de reforma, que resulte de acordo geral entre os estados-membros terá o apoio da Rússia. Não seria bom votar a reforma do Conselho de Segurança, antes de haver acordo amplo, porque a questão dividiria os estados-membros. E, aos olhos dos que votassem contra uma reforma imposta pela maioria “aritmética”, o CS “expandido” perderia legitimidade, em vez de obter mais legitimidade. E o que nós queremos é que o CS tenha cada vez mais legitimidade, ao mesmo tempo em que deve ser mais amplamente representativo. Mas, seja como for, estamos trabalhando muito para alcançar esse acordo geral amplo a favor de uma reforma, porque acreditamos que a Índia, sem dúvida, merece ter assento ao Conselho de Segurança como membro permanente.
Síria: “terroristas do mal” vs. “terroristas aceitáveis”?
RT: Como o senhor disse, a Rússia continua a bloquear os esforços de alguns estados-membros do CS, interessados em aprovar uma Resolução que permitiria uma intervenção de forças estrangeiras na Síria. O senhor acha que mesmo assim poderá haver ação militar, “pelas costas” da ONU, como aconteceu no caso do Iraque?
SL: Ora... Já aconteceu, e não só no caso do Iraque, também no caso da ex-Iugoslávia. Sim, é possível. Você citou um exemplo; há outros. Mas sinto que os que gostariam de interferir na crise da Síria não querem agir absolutamente sem nenhum tipo de cobertura, sem nenhuma legitimidade; ou, no mínimo, sem alguma ação na ONU que permita apresentar a intervenção como se fosse legítima. Temos de defender o texto da Carta, que absolutamente não tem “saídas de emergência” e que diz que o CS é autoridade em questões de paz e segurança internacional, e que sua função não é apoiar um lado ou outro, em conflitos internos. Isso, exatamente, é o que está em andamento na Síria.
Muita gente tem grande interesse em internacionalizar o que se passa na Síria, para poder ampliar a guerra e a violência para além das fronteiras sírias; continuam a tentar e tentar, sobretudo nos casos em que haja refugiados obrigados a fugir da Síria, expulsos por ações de violência desproporcional das forças governamentais.
Mas, do outro lado, inúmeras gangues armadas da oposição, que não se ligam entre elas por nenhum tipo de comando ou de objetivo, também se têm servido de métodos inaceitáveis, absolutamente contrárias à lei humanitária internacional: fazem reféns, organizam ações terroristas.
É desalentador que nossos colegas ocidentais no Conselho de Segurança já comecem a falar favoravelmente desses ataques terroristas na Síria, dizendo que, sim, o terrorismo não é bom, mas é preciso levar em conta o contexto geral na Síria e os “motivos” pelos quais os terroristas estão recorrendo ao terrorismo. Esse raciocínio é absolutamente inaceitável.
Se seguirmos essa lógica, seremos empurrados para situação muito perigosa, não só no Oriente Médio, mas em outras partes do mundo, se nossos parceiros ocidentais começarem a classificar terroristas em “terroristas do mal” e “terroristas aceitáveis”.
De Damasco a Moscou: não se usarão armas químicas “em absolutamente nenhum caso”
RT: Outra questão que surge de tempos em tempos, como motivo para justificar a intervenção estrangeira é a Síria possuir armas químicas. O senhor acha que esse perigo é real, ou não passa de novo pretexto para uma invasão?
SL: Não acredito que a Síria use armas químicas. Seria suicídio político para o governo, se usasse. Sempre que se ouvem esses rumores, ou surgem fragmentos de notícias de que os sírios teriam feito algo com as armas químicas, nossa inteligência examina e reexamina, e novamente reexamina os indícios; e vamos diretamente ao governo e sempre nos dizem, formalmente, que não há nenhum tipo de plano para usar armas químicas, sejam quais forem as circunstâncias. A informação que temos – e que é a mesma informação que os EUA também têm, pelo que sei – é que o governo fez alguns movimentos com os estoques de armas químicas, mas para concentrá-las, porque haviam sido espalhadas em diferentes locais, em dois pontos; o objetivo é garantir que as armas químicas estejam protegidas.
De fato, todos concordam, inclusive os diplomatas ocidentais (os europeus e os norte-americanos) que, hoje, o maior risco é a probabilidade de os rebeldes chegarem às armas químicas. Problema é que, embora reconhecendo isso, nossos amigos ocidentais dizem que “seja como for, a responsabilidade pelo uso das armas químicas é integralmente do governo sírio... mesmo que os rebeldes cheguem às armas”... É lógica, de fato, estranhíssima: ao mesmo tempo em que eles mesmos ajudam e encorajam os rebeldes a não negociar com o governo sírio... eles, os mesmos, continuam a estimular a guerra, fornecendo armas, dinheiro e apoio moral e político aos rebeldes. É posição estranha, muito discutível.
A lógica dos que dizem “nada de negociar com Assad” é controversa. Mas, sobretudo, é extremamente perigosa. Nós absolutamente não justificamos o que o governo sírio faz. Cometeram muitos erros, têm usado força desproporcional; as forças de segurança claramente não estavam, nem estão, preparadas para enfrentar protestos populares, nem, tampouco, para enfrentar oposição armada nas cidades e vilas. O Exército Sírio, evidentemente, foi treinado para enfrentar agressão estrangeira. Absolutamente não foram treinados para manter a ordem e fazer cumprir a lei, no plano nacional.
Mas a oposição, hoje, vive de provocar o governo sírio. Já recorrem até a ataques terroristas, a sequestros, fazem reféns, e estão introduzindo, também, no conflito, uma dimensão sectária, extremamente perigosa. O que se passa na Síria já começa a reverberar em todo o mundo muçulmano – sunitas, xiitas, árabes, curdos... A composição étnica e confessional da Síria é tão complexa, que, se se estabelecer o caos na Síria, praticamente toda a região será afetada.
Mas, voltando à situação presente – se os que dizem “não negociaremos com Assad” supõem que a partida de Assad seria, seja como for, a questão mais urgente, prioritária, enganam-se. Eles têm de entender que, para alcançar o objetivo geopolítico deles, terão de pagar o preço – e o preço é cobrado em vidas de civis sírios.
A Rússia entende que não nos interessa, como prioridade absoluta, a cabeça de alguém. Nossa prioridade absoluta é fazer cessar a violência e a matança. Se os que se recusam a negociar estivessem realmente interessados em salvar a Síria e os sírios, estariam conosco e contra as gangues que matam livremente dentro da Síria; e também desejariam chegar, o quanto antes, à mesa de negociações e sem precondições. Fato é que o destino de Assad tem de ser decidido pelo povo sírio, não por forças de fora, ativas ao lado da oposição síria.
RT: Mas há diferentes grupos de sírios em guerra entre eles mesmos; começou como um levante e, hoje, já é guerra civil. As chances de aquelas várias gangues sentarem para negociar numa mesma mesa de negociações são zero.
SL: Bem... A história ensina que todas as guerras levam a alguma paz; e que não há paz sem negociação. É inescapável. Não me parece concebível que os sunitas, que são a espinha dorsal do Exército Livre Sírio, assim como muitos outros grupos da oposição que lutam alinhados com o ELS, suponham hoje, em termos realistas, que alguém conseguirá controlar a Síria inteira, varrendo do mapa todos os demais grupos religiosos; falo de alawitas, outros grupos xiitas, cristãos, curdos... Ainda que alguém acalente esse sonho delirante, essa “dominação” por um dos grupos jamais acontecerá na Síria. E se por acaso chegar a configurar-se, será momentânea e não durará. Não é sustentável.
A Rússia não está no business de “mudança de regime”
RT: O senhor sabe o quanto, desde o início desse conflito, a Rússia foi criticada no ocidente por bloquear os esforços dos EUA e aliados para resolver as coisas na Síria. O senhor acha que, se a Rússia tivesse conduzido as coisas de outro modo, desde o início, se, digamos, há um ano a Rússia tivesse convencido Assad a renunciar, as coisas seriam diferentes na Síria?
SL: A Rússia não está no business da “mudança de regime”. Alguns atores regionais nos sugeriram “Por que vocês não dizem ao presidente Assad que saia de lá? Conseguiremos abrigo seguro para ele”. Minha resposta é muito simples: se os que nos sugeriram isso estivessem de fato interessados nessa solução, deveriam levar a ideia diretamente ao presidente Assad. Por que tanto interesse em nos usar como intermediários? Se o presidente Assad se interessa, é assunto que teriam de discutir diretamente com ele.
O presidente falou várias vezes em público, inclusive por esse canal de televisão que também transmite em árabe, e disse que não deixaria a Síria; que nasceu lá e morreria lá com seu povo, que seu principal interesse é seu país. Nessas circunstâncias, estaríamos interferindo na decisão que o presidente tornara pública, se lhe sugeríssemos o que fazer, porque, como já disse, é assunto que cabe ao povo sírio decidir.
Em segundo lugar – nossa política para a Síria não depende do quê ou de quem fale sobre ela, com críticas ou elogios. Ouvimos críticas, mas também ouvimos muitas vozes de encorajamento, de países que entendem a importância da questão, não só para a região, mas para a política mundial, pelo modo como se faz e segue-se a política mundial.
Quando a crise começou, em agosto de 2011 – poucos meses depois do início da crise – foi a Rússia quem sugeriu que o Conselho de Segurança reagisse. E aprovou-se uma declaração, consensual, na qual se diziam as coisas certas: que todos os combates tinham de cessar e que era indispensável que se iniciasse o diálogo.
Depois, em setembro de 2011, Rússia e China propuseram uma minuta de Resolução que daria firmeza aos elementos, aos componentes do acordo, todos bem claros naquela Resolução. Os países ocidentais disseram que não estava ao gosto deles, porque a Resolução exigia que a oposição suspendesse os ataques, assim como o governo. A proposta não funcionou.
Em seguida, apoiamos o plano da Liga Árabe. Persuadimos o governo sírio, e absolutamente não foi fácil, a aceitar o plano da Liga Árabe. Endossamos a ideia de enviar observadores da Liga Árabe à Síria, e trabalhamos muito também com Damasco, para que os recebessem. Infelizmente, a missão foi abortada, sem que se saiba exatamente por quê. Foi abortada exatamente quando, em dezembro de 2011, aqueles observadores entregaram seu primeiro relatório ao Conselho de Segurança, relatório absolutamente objetivo, e que não culpava exclusivamente o governo, mas também descrevia as atrocidades e violências que estavam sendo cometidas pelas gangues de oposição. Então, a Liga Árabe abortou toda a missão.
Foi a vez, então, do plano Kofi Annan; outra vez consumimos muito tempo para explicar ao governo sírio que seria interessante que aceitassem aquele plano; o governo sírio aceitou o plano Kofi Annan. Foram enviados observadores da ONU. Os observadores trabalharam e conseguiram que começasse a haver alguma relativa calma, não sustentável, mas, ainda assim, os observadores da ONU obtiveram alguns sinais de estabilização. Foi quando começou uma onda de ataques-provocação nas áreas onde os observadores estavam trabalhando; o objetivo daquelas provocações pareceu-nos absolutamente óbvio: criar uma situação insuportável, que tornasse impossível a manutenção do trabalho da ONU na Síria. Esse objetivo foi rapidamente alcançado. E os observadores também saíram da Síria.
Mas o que quero destacar é que, quando o plano Kofi Annan foi aprovado, quando os observadores da ONU foram mandados à Síria, o Conselho de Segurança aprovou, por consenso, duas Resoluções, n. 2.042 e n. 2.043, que manifestavam a posição de todo o CS. De fato, praticamente sem novidade, se se considera o que já lhe disse: fim da violência e início do diálogo. Significa dizer que o CS não estava paralisado. O CS tinha posição clara, formulada nessas duas Resoluções.
Comunicado de Genebra: ainda o plano para a Síria
Então, claro, em junho, em Genebra, criou-se o “Grupo de Ação” iniciado por Kofi Annan com empenhado apoio da Rússia, porque já dizíamos há algum tempo que os principais atores externos deviam reunir-se e trabalhar para encontrar uma abordagem comum, criando as condições pelas quais as partes sírias pudessem negociar o próprio futuro, sem interferência externa. Mas os atores externos podem desempenhar papel importante, se criarem as condições necessárias para um acordo na Síria.
Em primeiro lugar, do ponto de vista de enviar sinais sincronizados de encorajamento, todos na mesma direção: para o governo e para todos os grupos de oposição, que digam, por exemplo “Dia X, às Y horas, todos os combates devem cessar, e devem ser nomeados delegados”. Então se deve começar a negociar a composição do que chamamos “órgão transicional de governo”, que terá plena autoridade durante o período de transição, para garantir que as instituições do governo não desapareçam – como desapareceram no Iraque (e as consequências de as instituições terem sumido, no Iraque, são sentidas até hoje). Em seguida, preparam-se eleições, uma nova constituição... e daí por diante.
Em Genebra, de fato, conseguimos fazer isso: todo o P5 (todos os membros permanentes do Conselho de Segurança), mais a União Europeia, a Liga Árabe, Turquia, ONU – todos esses concordaram sobre a sequência dos passos iniciais.
A sequência que conseguimos aprovar por consenso foi: fim dos combates, indicação de delegados interlocutores, que negociem a composição do órgão transicional e governo. Esse órgão manterá as instituições do estado e deve organizar eleições e redigir uma nova Constituição.
Então, concluímos “Ótimo. Afinal, há algum consenso. Vamos nos firmar nesse consenso. Assim enviamos um sinal forte, sincronizado entre nós e dirigido a todos os grupos em luta.”
Mas então nossos amigos ocidentais, que acabavam de firmar aquele documento, recomeçaram: “Só isso não basta. Temos de ter uma Resolução do CS, nos termos do Capítulo 7º, e é preciso acrescentar uma linha, no esquema inicial, que determine que Assad tem de sair.” Ora... Já não se tratava mais do que acabávamos de decidir!
Na nossa tradição russa, quando se negocia alguma coisa e se chega a um acordo, nós respeitamos o que tenha sido acordado.
Infelizmente, parece, vários dos parceiros com os quais negociamos em Genebra têm outros hábitos. Os efeitos negativos disso ainda se fazem sentir hoje.
O esquema de Genebra mantém-se absolutamente atual
L.Brahimi, indicado para substituir Kofi Annan, já disse várias vezes que aquele acordo é a base de sua atividade. Tentou convidar russos e norte-americanos para discutir novos meios para implementar o Acordo de Genebra. Estamos contentes de ouvir um representante dos EUA dizer que eles desejam “solução pacífica”
Coalizão Nacional Síria: objetivos “inalcançáveis” e princípios “ruinosos para o país”
Mas ainda não obtivemos resposta alguma para uma questão muito importante. O ocidente e vários países da região – Turquia, estados do Golfo Persa – apoiaram e reconheceram a Coalizão Nacional Síria, criada num encontro em Doha, elogiada como passo importante para unificar a oposição. Somos a favor de unificar a oposição, e desde a reunião em Genebra insistimos que os que tenham influência sobre os grupos de oposição devem trabalhar para aproximá-los, exatamente nos termos do que ficou acordado em Genebra, formalizado no Comunicado de Genebra. Essa é a mensagem que temos enviado, não só ao governo, mas também aos grupos de oposição. Nos reunimos com todos eles: semana passada, um daqueles grupos esteve em Moscou; antes do final do ano outros grupos da oposição também virão.
Quero dizer que estamos enviando a mesma mensagem aos dois lados, ao governo e aos grupos da oposição: “Senhores, a base é essa. Façam o que o Comunicado de Genebra sugere, que é o melhor a fazer, para todos vocês. Sentem-se e negociem”.
Mas o encontro de Doha, que endossou a Coalizão Nacional Síria e que foi apoiado pelo ocidente e por importantes atores regionais, divulgou também uma declaração segundo a qual o principal objetivo da oposição é desmontar, de fato, derrubar o regime e desmantelar as instituições do regime. É posição que se opõe frontalmente ao que ficou decidido no Comunicado de Genebra. E, naquela declaração, também está dito que “nada de negociar com o regime” – o que também agride frontalmente os princípios de Genebra.
Quando perguntamos aos nossos colegas norte-americanos (falei com Hillary Clinton, com quem estive durante uma reunião da OSCE em Dublin), sobre como explicar que os EUA apoiem posição que é absolutamente oposta aos princípios de Genebra, ela respondeu que “Bem, no estágio atual o importante é unir os vários grupos. E depois podemos corrigir a substância dos objetivos que eles definam”. OK. Passou-se um mês.
Quase todas as semanas examinamos os esforços que estariam sendo feitos para modificar a tal “substância”: absoluta rejeição a qualquer negociação e ênfase total no uso da força. Não vimos nenhuma mudança. A única conclusão possível é que ninguém está conversando com a oposição sobre a importância de pensar com mais realismo, nem sobre a necessidade de evitarem-se posições que, de fato, estão arruinando a Síria.
Mísseis Patriot na Turquia: dizem “Síria”, mas pensam “Irã”?
RT: O deslocamento dos mísseis Patriot da OTAN, para a fronteira turco-síria, seria em parte uma solução? Qual o verdadeiro alvo daqueles mísseis?
SL: Em primeiro lugar, é claro que compreendemos a preocupação da Turquia e de outros países que continuam a receber refugiados sírios; é uma carga extraordinária, sob quaisquer circunstâncias. Claro que a situação é bastante tensa. A oposição na região, nas regiões sírias da fronteira com a Turquia, está bastante ativa, tentando, provavelmente, provocar ações transfronteiras, tentando gerar revolta na comunidade internacional contra a violação de fronteiras. Incidentes acontecer, e já houve fogo de um lado para o outro várias vezes. Imediatamente levantamos a questão com os sírios. O que nos disseram pareceu-nos perfeitamente racional e crível. Disseram que não iniciaram qualquer ação; que revidaram ataques de grupos de oposição que invadiam a Síria, atacavam e fugiam de volta para território turco.
Imediatamente sugerimos aos turcos e aos sírios que a Rússia poderia colaborar e criar uma linha de comunicação direta, em tempo real, que permitiria que se checasse cada incidente. Os sírios aceitaram, os turcos disseram que já tinham seus próprios canais de comunicação. E foi quando surgiu a questão dos mísseis Patriot.
Reconhecemos o direito da Turquia de pensar ela mesma sobre a própria segurança e o direito de usar, nessa finalidade, os acordos internacionais dos quais a Turquia participe – nesse caso, os direitos que tem como membro da OTAN. E aceitamos a implantação dos mísseis como fato. Por outro lado, quanto mais equipamento de guerra for acumulado num mesmo local, maior o risco de que as armas sejam usadas, mais dia menos dia.
Quanto ao objetivo do deslocamento das baterias de mísseis, sim, ouvi e li o que especialistas dizem, que, se o objetivo dos mísseis, ali, fosse impedir qualquer ataque vindo da Síria, nesse caso os mísseis deveriam estar em outra posição, diferente da atual. Há quem diga também que, do modo como estão posicionados, os mísseis ajudam, mais, a proteger o radar dos EUA que é parte do sistema norte-americano de mísseis de defesa que está sendo montado; em outras palavras (cito) “contra a ameaça iraniana”. Nesse caso, eu diria, a situação é ainda mais perigosa, porque esse deslocamento e a implantação de mísseis para “vários usos” podem criar tentações adicionais.
RT: Quer dizer que se trata mais do Irã, que da Síria, é isso?
SL: É o que muitos dizem. E a configuração, como está sendo divulgada pela mídia, sim, faz pensar que os Patriot possam ser usados contra o Irã.
A “Lei Magnitsky” [1] é um “Ardil 22” [2] para o governo Obama
RT: A Síria não é a única questão entre EUA e Rússia. O primeiro ato de Obama depois de reeleito foi assinar a chamada “Lei Magnitsky”, que impõe sanções a cidadãos russos e alguns funcionários do governo russo. Em que pé lhe parece que estejam as relações EUA-Rússia, com Putin e Obama no comando?
SL: Acho que esse não foi o primeiro ato de Obama depois de reeleito. Mas a coisa toda sempre foi inevitável. Quando os senadores – sen. Cardin e alguns outros – apresentaram o projeto da chamada Lei Magnitisky, tudo foi feito de modo a criar um “Ardil 22” para o governo Obama.
Porque o governo estava trabalhando pelo fim da Emenda Jackson-Vanick,[3] com o apoio de muita gente no Capitólio. E era absolutamente óbvio que os norte-americanos queriam o fim da velha lei, porque, depois que a Rússia chegou à Organização Mundial do Comércio (OMT), a manutenção da emenda Jackson-Vanick implicava impedir que empresas norte-americanas auferissem os benefícios de a Federação Russa estar integrada à OMC. Foram, pode-se dizer, obrigados a pôr fim à velha lei.
Mas então, me parece, os Republicanos decidiram armar esse ardil e associar o fim da Emenda Jackson-Vanick à nova Lei Magnitsky.
É bem claro que, naquele momento, tudo foi feito para criar problemas para o presidente Obama. Quanto aos cidadãos russos incluídos nas proibições da nova lei (a relação dos nomes ainda não foi publicada)... Se os EUA queriam impedir que cidadãos russos entrassem nos EUA, mais fácil seria listar os nomes proibidos, como sempre foi feito, sem precisarem de lei para fazer isso. Claro que também poderiam fazer isso, como tantas vezes se vê, sem todo o show que montaram.
Se queriam congelar bens de russos, bastaria ir à qualquer corte e apresentar provas de crimes – mais uma vez, sem show, sem propaganda. Mas os Republicanos usaram o fato de que o governo Obama muito se vangloriou, durante seu primeiro mandato, do “reset” das relações com a Federação Russa. Então, decidiram atacar Obama exatamente nesse ponto: no “reset” com os russos.
Meras questões eleitorais determinam a agenda internacional dos EUA
É uma lástima, porque assim se vê o quanto questões miúdas, da política doméstica, determinam a agenda internacional. De fato, na opinião de muitos, dominam também tudo que está acontecendo entre Rússia e EUA. E as questões são muito, muito mais amplas e complexas do que ditos direitos humanos interpretados por senadores norte-americanos.
RT: Todos recordamos a conversa entre Obama e Medvedev, quando Obama prometeu ser mais flexível depois que passassem as eleições. Mas, pelo que o senhor disse, o quanto o presidente Obama conseguiria ser realmente mais flexível, se enfrenta esse tipo de oposição no Congresso?
SL: Bem... Acho que são as peculiaridades do sistema norte-americano. Qualquer deputado ou senador pode impedir que se analisem questões extremamente importantes... só porque um determinado estado dos EUA, uma determinada empresa, não está conseguindo vender para um ou outro país, por motivos fitossanitários. As questões globalmente importantes podem ser simplesmente congeladas pelos interesses de um estado, de uma empresa, mesmo que esse específico interesse nada tenha a ver com a substância de algum grande tema mundial.
A própria Emenda Jackson-Vanik foi várias vezes renovada, mesmo depois de todos os problemas de emigração estarem resolvidos na ex-União Soviética e, claro, também na Federação Russa. Mas a Emenda Jackson-Vanik foi várias vezes renovada, sob os mais diferentes pretextos, inclusive a falta de entusiasmo, entre os russos, por importar as tais coxas de frango, e todo o tipo de coisas.
Natan Sharansky, conhecido dissidente da ex-União Soviética, que participou do governo de Israel, disse, ao ouvir falar dessas disputas comerciais-eleitorais, que “não passei sete anos num campo de prisioneiros dos comunistas, para assegurar direitos a coxas de frango”. Tudo isso mostra, de fato, como o Congresso dos EUA várias vezes perde completamente a sincronia e a lógica e torna-se absolutamente incapaz de fazer qualquer interpretação lógica e realista do que sejam os verdadeiros interesses nacionais dos EUA.
Por isso, às vezes, questões muito importantes – como o conflito Israel-Palestina e a urgente necessidade de resolver aquele conflito – viram reféns de políticos norte-americanos autistas. É uma peculiaridade dos ciclos eleitorais nos EUA. Considerações domésticas, a absoluta prioridade que os governantes dão à própria reeleição, passam a bloquear a administração pública e a impedir que os EUA tomem medidas que o resto do mundo entende que tenham de ser tomadas. Há eleições a cada dois anos. E esses ciclos, sem dúvida alguma, influenciam toda a agenda internacional. É uma fatalidade, um infelicidade.
Muito melhor seria que se pudesse abordar as grandes questões internacionais considerando-se mais o mérito de cada questão, a importância gigantesca de o mundo poder empreender ações conjuntas, para o bem de todos, sem sermos empurrados para um ou outro curso de ação, ao sabor dos interesses pequenos, politiqueiros, de um ou outro candidato, nos EUA.
Redecastorphoto
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
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Sergey Lavrov: A Rússia não está no “business” de “mudança de regime”
Sergey Lavrov: A Rússia não está no “business” de “mudança de regime”
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