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sábado, 14 de setembro de 2013

Pepe Escobar: China vai alinhavando a Rota da Seda

O PM do Quirquistão, Jantoro Satubaldiev e Xi Jinping (D) Bishkek - 11/9/2013 (Clique na imagem para aumentar)

Enquanto o mundo parava, petrificado ante o risco de o governo Obama bombardear a Síria, o presidente Xi Jinping da China trabalhava, costurando a Rota da Seda.

É dito que muito se deve amar, aquele, famoso, de Deng Xiaoping: “mantenha-se discreto”, low profile. Mas no caso da segunda maior economia do mundo, low profile sempre implica grande impacto.

Foi o que aconteceu dia 7/9, em Astana, capital do Cazaquistão, quando o presidente Xi propôs oficialmente nada menos que uma Nova Rota da Seda, em coprodução com a Ásia Central.

A nova Rota da Seda e os ramais comerciais(Clique na imagem para visualizar)

O “cinturão econômico ao longo da Rota da Seda” que Xi apresentou oficialmente é um mega projeto transeurasiano de integração, estimulado pelos chineses, do Pacífico ao Mar Báltico. Uma espécie de mega zona de livre comércio. O argumento de Xi parece impecável: na região demarcada vivem “quase 3 bilhões de pessoas e ali está o maior mercado do mundo, com potencial sem paralelos”. Caso de “UAU!”, boquiaberto. Mas significaria que a China estaria tomando todos os “-stões” da Ásia Central? Não é assim tão simples.

Um salão de espelhos

Na viagem de Xi pela Rota da Seda, o destino final era Bishkek, capital do Quirguistão, para a 13ª Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)]. Mas Xi viajou também, para que ninguém jamais esqueça tudo que se disputa no Novo Grande Jogo na Eurásia, para um encontro trilateral, à margem da reunião da Organização de Cooperação de Xangai: Xi da China, Putin russo e o novo presidente do Irã Hassan Rouhani.

É a primeira viagem internacional de Rouhani desde a posse, dia 4/9. Não é viagem épica, como a de Xi: só dois dias em Bishkek. Em encontro preliminar cara a cara com Xi, Rouhani até já começou a falar “chinês diplomático” – disse que espera que as negociações sobre o dossiê nuclear iraniano levem a uma situação de “ganha-ganha”. Xi apoiou enfaticamente o direito do Irã a um programa nuclear pacífico nos termos do Tratado de Não Proliferação; e Rouhani destacou que o relacionamento Irã-China “tem significação vital para a Ásia e para a sensível questão do Oriente Médio”. O que leva à frente comum Irã-China-Rússia, em relação à Síria. Mesmo antes da reunião com Putin, Rouhani já concordara com o plano russo de quatro passos para a Síria; como Asia Times Online noticiou, o plano foi construído entre Damasco, Teerã e Moscou. Por esse plano, Damasco une-se à Organização para Proibição de Armas Químicas; revela a localização dos arsenais químicos; dá acesso aos inspetores da Organização; e depois começa o longo processo de destruir as armas químicas.
Presidente do Irã, Hassan Rouhani com Xi Jinping em Bishkek

No front nuclear, Teerã e Moscou permanecem abertas para negócios. A Rússia entregará ao Irã a operação da unidade 1 da usina nuclear de Bushehr em menos de duas semanas. E depois haverá mais “cooperação”.

Difícil avaliar a descomunal importância dessa triangulação. Ah! Quem dera ser uma mosca na parede daquela sala quirguiz, e ouvir o que dizem Xi-Putin-Rouhani. Teerã, Moscou e Pequim estão mais que nunca unidas para construir uma nova ordem internacional multipolar. Partilham a certeza de que uma vitória do eixo dos cães de guerra na Síria será prelúdio de futura guerra contra o Irã – e futuros incômodos para ambas, Rússia e China.

Somos o Deus Mercado

Simultaneamente, oportunidades monstros de negócios – e estratégicas – correm pelo corredor eurasiano. O Cinturão Econômico da Rota da Seda de Xi, que leva a marca registrada do pragmatismo chinês, é assunto, todo ele, de livre comércio, conectividade e circulação de moeda (circulará, é claro, o Yuan chinês). Está pronta para operar, porque já não há problemas de fronteira entre a Rússia e a Ásia Central. E combina-se à perfeição com o impulso chinês para desenvolver seu faroeste, o Extremo Oeste, como Xinjiang. Avaliem só o apoio estratégico extra que daí advirá, para o desenvolvimento do extremo oeste da China.

Eis um exemplo. Numa Exposição China-Eurásia em Urumqi, capital de Xinjiang, no começo dessa semana, a China Telecom e duas empresas de telecomunicações de Hong Kong assinaram vários negócios com os governos e com empresas do Cazaquistão, Tadjiquistão, Rússia e Mongólia. Poucos sabem, mas Urumqi é sede de mais de 230 empresas de Internet; quase metade delas são conectadas com países vizinhos. Xinjiang não é só chineses han que exploram uigures: é também nada menos que a base de comunicações para o corredor eurasiano – portal para banda larga e computação em nuvem.

Pequim também está investindo massivamente em novas estradas e pontos ao longo da Ponte Terrestre Eurasiana – outra denominação pela qual é conhecida a Nova Rota da Seda. Como Asia Times Online noticiou, na Nova Rota da Seda trata-se, sempre, de estradas, ferrovias, fibras óticas e oleogasodutos – e, agora, do novo impulso, acrescentado pelos chineses, na direção de centros de logística, polos de manufatura e, inevitavelmente, de novos centros de urbanização.

Há muitas trocas, muitos gambitos a implementar no Oleogasodutostão, e muitos recursos minerais a explorar. E, crucialmente importante – considerando que a Rota da Seda original atravessava o Afeganistão – há também a perspectiva de que o Afeganistão renasça como ponte privilegiada a ligar a Ásia, Central, Oriental e Sul. E para nem falar de encurtar muito o acesso da China, por terra, à Europa e ao Oriente Médio.

Na China, nenhuma decisão tão ampla como essa é jamais “espontânea”, mas cuidou-se de construir uma bem visível campanha de Relações Públicas para suavizar o impacto. Em Astana, Xi disse: “minha terra natal, a província de Shaanxi, é o ponto de partida da antiga Rota da Seda”. Disse que se “emocionou” ao repassar a história da Rota da Seda naquela viagem.
Praça Registan, em Samarcanda(clique na imagem para visualizar)

Deixou-se ver admirando a paisagem da fabulosa Praça Registan, em Samarcanda, ao lado do presidente uzbeque, Islam Karimov e até se mostrou “poético”: disse a Karimov que “isso nos dá um sentimento especial. Estamos muito distantes, mas ao mesmo tempo tão próximos uns dos outros, na alma. É como viajar no tempo”. Ora, ora! O império dos Timúridas afinal encontrou império à altura. Não que a China já não tenha feito o mesmo, tempos atrás. Durante a dinastia ocidental Han (de 206 aC a 24 dC), o império mandou um enviado especial, Zhang Qian, duas vezes, à Ásia Central, para abrir a China ao comércio global.

“Poético” ou sem poesia, Xi cumpria tarefa que lhe coube. Em momento algum, durante toda a viagem pela Rota da Seda, deixou qualquer dúvida de que ali estava uma prioridade da política exterior chinesa. A China, agora, já firmou parceiras estratégicas com todos os cinco “-stões” da Ásia Central.

O que isso tem a ver com o Oleogasodutostão

O mais conhecido de todos os pesadelos de vocês sobre o Oleogasodutostão chama-se Kashagan. Significativamente, dia 11/9, essa semana, a empresa North Caspian Operating Co, que manda em Kashagan – um dos maiores campos de petróleo descobertos nos últimos 40 anos, com reservas estimadas em 35 bilhões de barris – anunciou que, afinal, o primeiro petróleo já aparecia à vista.

Kashagan está localizada no norte do Mar Cáspio. Estive lá. Tecnicamente, a extração do petróleo é imensamente complexa. Com certeza também é, em Kashagan. A produção deveria ter começado em 2005. Foram gastos nada menos que US$46 bilhões, dinheiro de um consórcio que une a ENI italiana, a francesa Total, a Royal Dutch/Shell, a ExxonMobil e a ConocoPhillips. A regra entre elas foi briga ininterrupta. Há uma semana Astana, afinal, aprovou a compra, pela CNPC da China, da parte que pertencia à ConocoPhillips: 8,4% das ações.

Com a chegada da China, aumenta o fluxo de dinheiro. Pequim está decidida a tornar-se ator considerável no mercado de energia do Cazaquistão. Em termos ideais, o campo de Kashagan estará produzindo 370 mil barris/dia em 2014, e 1,6 milhão, em 2016.

A estratégia da China no Cazaquistão gira basicamente em torno do petróleo. Mas a China também muito carece de gás natural. A Gazprom russa está apostando no insaciável apetite de Pequim por gás, para facilitar o projeto de exportar sobretudo para a Europa. Mas a concorrência é dura. E o Turcomenistão é elemento chave na equação chinesa.

A China já planeja expansões para o oleoduto Ásia Central-China – que os chineses construíram e pelo qual pagaram. As exportações devem começar em 2015. Nessa sua viagem pela Rota da Seda, Xi evidentemente passou pelo Turcomenistão, onde inaugurou nada menos que um dos maiores campos de gás do mundo, o gigante Galkynysh, que começou a produzir há apenas três meses. A maior parte do gás fluirá – e para onde seria? – para a China. A China está pagando a conta: $8 bilhões até aqui, e aumentando.

Agora, a economia do Turcomenistão virtualmente já depende das exportações de gás natural para a China (60% do PIB). A estratégia de Pequim é usar a alavancagem que tem no Turcomenistão, para arrancar melhores acordos da Gazprom, na venda de gás.

O Quirguistão também se encaixa na estratégia da China para o Oleogasodutostão. Pequim financiará e operará o proposto gasoduto Quirguistão-China – que é segmento chave do quarto gasoduto Turcomenistão-China. Pequim também está construindo uma ferrovia para conectá-la ao Quirguistão e ao Uzbequistão.

Ante todo esse frenesi, temos de voltar ao adágio definitivo dos tempos atuais: enquanto os cães da guerra (Washington) ladram, a caravana (China) faz negócios.

Aquelas três forças do mal

A Organização de Cooperação de Xangai está também envolvida em fazer avançar essa grande via de transporte que conecta o Leste, o Oeste e o Sul da Ásia e, afinal, o Pacífico ao Mar Báltico.

Mas o legado de Stálin sobrevive – na divisão demente que promoveu na Ásia Central. A China terá de queimar uma fortuna em transporte. Os trens chineses padecem para rodar em trilhos da era soviética. As vias aéreas são terríveis. Por exemplo, só há um voo, a cada dois dias, entre o Uzbequistão e o Quirguistão (voei nele: sempre lotado, os atrasos de praxe, extravio de bagagens...).

A Organização de Cooperação de Xangai foi fundada há 12 anos, quando o Uzbequistão uniu-se aos “Cinco de Xangai” originais: China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. O Turcomenistão optou por seu esplêndido isolamento.

Originalmente, a ênfase era a segurança mútua. Mas hoje a Organização de Cooperação de Xangai cuida também de política e de economia. Mas persiste a obsessão com o que os chineses definem como “as três forças do mal”: o terrorismo, o separatismo e o extremismo. É a expressão em código para designar o Talibã e seus ramos, o Movimento Islamista do Uzbequistão [orig. Islamic Movement of Uzbekistan (IMU)] e os uigures em Xinjiang. A Organização de Cooperação de Xangai tenta também combater o tráfico de drogas e o contrabando de armas.
Foto oficial da reunião da Organização de Cooperação de Xangai [Shangai Cooperation Organization (SCO)] em Ala-Archa, residência presidencial em Bishkek hoje, 13/9/2013. Presidente do Tajiquistão, Emomali Rakhmon; o Presidente da Rússia, Vladimir Putin; o Presidente do Quirquistão, Almazbek Atambayev; o Presidente da China, Xi Jinping; o Presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev e o Presidente do Uzbequistão, Islam Karimov.

Mais uma vez no clássico estilo chinês, a Organização de Cooperação de Xangai é divulgada como organização que promove “confiança mútua, mútuos benefícios, igualdade, rotina de consultas, respeito pela diversidade entre as civilizações e busca do desenvolvimento comum”, em atmosfera de “sem alianças, sem confrontação e sem oposição a qualquer outra organização”.

Demorará muito para converter-se em alguma espécie de OTAN oriental. Mas está cada dia mais abrindo caminho rumo a se impor como contraponto para a OTAN – e, muito mais, como contraponto à Guerra ao Terror, capítulo Ásia Sul e Central, de Washington e às “revoluções coloridas”. A Organização de Cooperação de Xangai está discutindo ativamente suas opções regionais depois da retirada dos EUA do Afeganistão, em 2014. China e Rússia estarão profundamente envolvidas nisso. O mesmo vale para o Irã que permanece hoje como membro observador da Organização de Cooperação de Xangai.

Em princípio, o cinturão “Rota da Seda” de Xi ainda não fez soar sinos de alarme no Kremlin. Dizem os especialistas que as economias de Rússia e China são economias complementares – os “consideráveis recursos financeiros da China” complementariam “as tecnologias, a capacidade industrial e as relações históricas que os russos têm na região”.

Fica-se imaginando o que pensam disso tudo os adultos que vivem em quartos separados no tal cinturão chinês (supondo que saibam do que está acontecendo). A ex-secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton dava-se a arroubos poéticos sobre uma “nova rota da seda” a ser promovida pelos EUA. É. Depois da viagem de Xi, a coisa já soa, mesmo, como uma das promessas de campanha de Barack Obama.

Redecastorphoto

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