O articulista defende que o Exército apresse a implantação de sua primeira unidade aérea de asas fixas, e critica a falta de uma aviação própria para o Corpo de Fuzileiros Navais
O Exército brasileiro parece excessivamente tímido e cauteloso na tarefa de implantar a sua primeira unidade aérea de asa fixa – projeto que usa como justificativa imediata a necessidade de deslocamentos rápidos na linha de divisa oeste do país, área-piloto do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON).
A ideia original do Comando de Operações Terrestres (COTER) transmitida ainda em 2012 ao Estado-Maior do Exército, foi a de propor a incorporação de aviões pela Força Terrestre “como subprojeto do SISFRON, com emprego dual na Log Av Ex (Logística da Aviação do Exército)”.
Os “estudos de viabilidade” ficaram a cargo da 3ª Subchefia do COTER, incumbida, entre outros assuntos (como emprego de tropas em missões de Paz e monitoramento do estado de prontidão de forças de pronta resposta), de “orientar as atividades da Aviação do Exército, coordenando as Solicitações de Missão Conjunta (SMC) – FAB e MB no Plano de Missões Conjuntas (PMC)”.
As análises realizadas pelo EB estabeleceram como “demandas doutrinárias” para a aviação de asa fixa: “Ligação de Comando; Observação Aérea; Controle de Danos; SEGAR (Segurança de Área de Retaguarda); Desdobramentos Log da Av Ex; Rodízios e Ap Log (Apoio Logístico) para R Fron (Regiões de Fronteira) e PEF (Pelotões Especiais de Fronteira); e Missões Subsidiárias e de misericórdia”.
A aviação de asa fixa é uma ferramenta de uso imperioso no apoio aos soldados em terra, e chega com atraso considerável no Exército brasileiro (até o Exército paraguaio já está providenciando uma!).
Se a demora no processo de aquisição de aeronaves para a Força Terrestre é consequência da crônica escassez de recursos nas Forças Armadas, entende-se. Mas se os generais estão tratando o assunto de forma tão discreta – como se estivessem pisando em ovos – devido ao temor de, com a medida, gerar algum desconforto entre os colegas da Força Aérea, é preciso que o poder civil instalado no comando do Ministério da Defesa deixe por um momento os seus convescotes diplomáticos e esclareça que tal receio não mais se justifica.
Ao contrário: desobrigar a FAB de parte dos vôos em apoio ao Exército é novidade que deve ser encarada como providência em benefício do emprego do equipamento e do pessoal da Aeronáutica em missões mais urgentes ou em cenários onde esse auxílio seja mais decisivo.
Os aviões do Exército serão de extraordinária valia para reforçar o abastecimento e o reconhecimento nas áreas guarnecidas pelos pelotões sediados nos confins da Amazônia e na fronteira noroeste do Brasil.
Atualmente, a FAB se esforça por garantir ao menos um vôo por mês para cada uma dessas unidades de vigilância fincadas na selva, que sobrevivem com restrições no uso da energia elétrica e da internet. Valendo-se de aeronaves tipo C-105 Amazonas, com capacidade de carga da ordem de 9 toneladas, a aviação de asa fixa do Exército poderá, em um primeiro momento, duplicar essa quantidade de vôos – para, quem sabe, estabelecer um rotina de uma visitação a cada dez dias. Os soldados da fronteira e suas famílias agradecerão muitíssimo.
Surgido na virada do século 19 para o século 20, o avião mantém-se, no século 21, como equipamento de importância constantemente renovada, crescente – decisiva no conjunto dissuasório de uma nação.
Condenados há décadas a operar o material em desuso dos exércitos americanos e europeus (primeiro as sobras da 2ª Guerra Mundial e depois o refugo da Guerra Fria), os militares brasileiros têm, entretanto, dificuldades em sonhar alto.
Quatro meses atrás, a conceituada publicação Marine Corps Gazette, dos Estados Unidos, deu divulgação a um interessante artigo de autoria de dois majores fuzileiros navais americanos: Gregory A. Thiele e Mitchell Ruby Rubinstein. O texto deles introduz o conceito de “Cooperação Aérea”, para defender a tese de que, em vez dos caros jatos supersônicos F-35, o que a tropa anfíbia dos EUA precisa, de verdade, é de uma aeronave muito menor (e mais barata), capaz de cumprir, em todas as suas etapas, as missões de reconhecimento e observação, e de apoio de fogo.
Os articulistas observam que, em terra (ou na praia) os soldados fuzileiros precisam de colegas que, a bordo das aeronaves, possam raciocinar como eles.
Analiso o assunto no meu próximo livro – “As Garras do Cisne” – que ainda este ano chega às livrarias. Eis um extrato de suas páginas:
“A tese de Thiele e de Ruby Rubinstein, advoga o estabelecimento de um clima de cumplicidade entre os fuzileiros em terra e os aviadores fuzileiros que os apóiam do ar, que só pode ser estabelecido por meio de aviões muito mais lentos e manobráveis que o F-35, adequados aos vôos em baixas altitudes – onde os pilotos enxergam o campo de batalha a olho nu –, às missões de Inteligência, apropriados, enfim, ao apoio aéreo aproximado – o que não deixará de exigir-lhes boa capacidade de fogo e toda a moderna aviônica compatível com aeronaves desse porte”.
As recomendações de Thiele e Ruby Rubinstein podiam ter sido encomendadas pela Embraer, porque eles mencionam várias das características que são predicados conhecidos (e internacionalmente respeitados) do A-29 Super Tucano.
De resto é preciso ter em mente que tropas de fuzileiros navais com aviação própria já não são novidade. E não apenas nos Estados Unidos.
A Coréia do Sul, que conduz um dos mais agressivos programas de expansão de uma força naval em andamento no mundo, está montando um corpo de aviação para a sua tropa anfíbia. Até a Venezuela anuncia a compra de oito helicópteros médios chineses (cópia dos Dauphin navalizados franceses) para os seus fuzileiros.
Não que os chefes navais brasileiros estejam desatentos à modernidade da aviação. Ano passado, a inconfidência de um oficial americano permitiu saber que a Marinha do Brasil demonstrou interesse pela aquisição de uma pequena quantidade (dez, talvez) dos convertiplanos Osprey (que decola como um helicóptero e se desloca como um avião de asas fixas), aeronave largamente utilizada pelos marines.
É realmente uma pena que, tendo decidido permitir que nossos fuzileiros façam o curso de piloto naval (para helicópteros e caças A-4 Skyhawk), os almirantes ainda não tenham pensado em dotar o CFN de uma ala aérea.
A Estratégia Nacional de Defesa, anunciada pelo governo Lula em dezembro de 2008, qualifica a tropa anfíbia como expedicionária por excelência. Seria muito aconselhável que uma força com essa autonomia, e já equipada, conforme sabemos, de veículos blindados (cuja importância pode ser medida pelo fato de a corporação ter criado a sua própria especialidade de Blindados), artilharia de foguetes (em processo de recebimento) e mísseis, estivesse também dotada de aeronaves de asas fixas e rotativas.
Infelizmente, não temos, no Ministério da Defesa, nenhuma autoridade civil capaz de, minimamente, raciocinar sobre as carências do nosso dispositivo militar – e, muito menos, de perder 20 minutos lendo com atenção um artigo do Marine Corps Gazette.
Azar o nosso.
Defesa Net
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
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Asas sobre a praia e a fronteira – Roberto Lopes
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