O relatório “Ucrânia 2020” foi publicado em 2010 pelo Center for Global Affairs (CGA). O documento apresenta possíveis opções para o desenvolvimento político da Ucrânia. O professor Michael Oppenheimer (Center for Global Affairs, New York University), foi o criador do projeto. Os eventos na Ucrânia parecem desenvolver-se hoje segundo, não um, mas todos os “três cenários” descritos no documento.
James Sherr (Russia and Eurasia Program, Chatham House) escreve no prefácio que o CGA participou dos projetos conduzidos pelo Departamento de Estado, Departamento da Defesa, Conselho de Inteligência Nacional, CIA, Institute for Peace, Brookings Institute, Council on Foreign Relations e pelo Conselheiro Científico do Presidente dos EUA. Praticamente todos os especialistas em Ucrânia conhecidos, dos EUA, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da Bélgica, da Polônia e de outros estados participaram do projeto do CGA… [mas nenhum representante da Rússia nem especialista em Rússia].
Não será surpresa que, algum dia, se os escritórios do Partido Batkivshchyna da Ucrânia forem revistados, encontrem-se ali excertos desse manual de ‘o que fazer’, redigido pelos norte-americanos como se fosse algum “relatório”. Em 2010, há apenas poucos anos, os autores do Relatório conseguiram ‘antever’ que o Partido Svoboda [ex-Partido Nacional Socialista da Ucrânia; é hoje o mais forte partido da direita na Ucrânia] viria a liderar “protestos populares”; a renúncia do primeiro-ministro Nikolay Azarov e a ascensão de Arseniy Yatsenyuk [em 2009, criara a “Frente para a Mudança”]… Conforme se lê no Relatório, haveria ataques antissemitas contra Yatsenyuk por causa de sua nacionalidade, mas seria fácil descartá-los como “ridículos”.
O cenário que o Relatório pinta prevê que o Partido Svoboda seria deixado de lado, ultrapassado pelos militantes do Trizub [o tridente: Deus, no céu e na terra], organização que reverencia a chamada “Organização dos Nacionalistas Ucranianos” liderada por Stepan Bandera. No Relatório “Ucrânia-2020”, toda essa gente aparece descrita como “elementos moderados”.
Por tudo isso, conforme o Relatório ‘prevê, logo se aprofundaria o processo de “ucranização”, o que provocaria “elementos russos”. O Relatório recomenda a privatização dos ativos estratégicos, portas abertas para investidores ocidentais, créditos assegurados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, pondo fim aos “tabus soviéticos” contra a venda de terras a estrangeiros; e o envolvimento supervisionado da China, que é apresentada como inimigo da União Europeia e concorrente da Rússia, o que levaria à expulsão da Frota do Mar Negro do porto de Sebastopol; e mudança na Constituição da Ucrânia, para converter o país em república parlamentarista ou presidencial-parlamentarista. (Mas o Relatório não explica quem votaria para eleger Yatsenyuk nas eleições presidenciais…).
Cenário Um: Fragmentação do Autoritarismo Fracassado. Para os autores do Relatório, essa opção é desvantajosa para os EUA e para a Federação Russa.
Cenário Dois: Consenso Nacional Conduzindo a Reformas. É a melhor opção, do ponto de vista de Washington e da União Europeia.
Cenário Três: Autoritarismo Estratégico. Aqui, o Relatório ‘prevê um desenvolvimento de eventos pelo qual o presidente Yanukovych mantém o poder. É uma espécie de ‘Plano B’. Nesse cenário, o presidente Yanukovych terá de curvar-se, para manter a legitimidade. Terá de fazer todos os tipos de concessões a “investidores estrangeiros”, implementar reformas constitucionais e estruturais, aceitar empréstimos que lhe ofereçam para suavemente empurrar a Rússia para bem longe da esfera de seus interesses estratégicos.
As forças externas já criaram o caos na Ucrânia, mas não se sabe se conseguirão controlá-lo. Yanukovych já foi avisado de que pode ter o destino de Milosevic na Sérvia ou de Gaddafi na Líbia. A “comunidade internacional” presunçosamente acredita que os nacionalistas ucranianos hoje inflados serão, na sequência, facilmente domesticáveis.
Haverá dinheiro para os democratas pró-ocidente, sob a condição de que implementem as “reformas” acima mencionadas (questão sobre a qual a oposição “confiável” já está conversando. E, sobre isso, Yatsenyuk lembrou recentemente o Plano Marshall).
O Relatório considera a história da Aliança do Atlântico Norte e várias vezes menciona o Plano Marshall, para o caso da Ucrânia, que seria como “duas metades da mesma noz”.
Mas depois da 2ª Guerra Mundial, os EUA não garantiram à Europa arruinada um empréstimo gratuito: houve acordos de natureza semicolonial que incluíram instalar ali “armas secretas da OTAN”. E não será o Pravy Sektor (aliança dos grupos de mais extrema direita), mas essas estruturas da OTAN, que desempenharão a função de “mão de ferro” que levará a Ucrânia à integração com a Europa e os EUA.
Washington está diante do risco de novos fracassos de diplomacia, que ferem a imagem do país no exterior. É hora de perguntar em que foram consumidos $5 bilhões de dólares dos contribuintes norte-americanos.
A quantia é a que informaram a secretária-assistente de Estado Victoria Nuland e o vice-secretário de Estado do Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, em audiência no Senado, em janeiro, ao falarem dos sucessores ucranianos dos que apoiavam as ideias de Stepan Bandera e Roman Shukhevych.
Os mesmos ditos moderados do Trezub nomeados em honra de Stepan Bandera estiveram sob constante supervisão pelos centro euroatlânticos. Abra ao aças qualquer página do jornal Ukrainian Weekly (editado nos EUA). Ali se veem pulular as ideias dos colaboracionistas ucranianos. O jornal mantém escritórios em Kiev. Se se lê, veem-se muitas coisas interessantes sobre os “compromissos” passados dos que se ‘manifestam’ nas ruas da Maidan Nezalezhnosti [Praça Independência] e na Rua Grushevsky.
Desde que Victor Yanukovych foi eleito presidente da Ucrânia, o jornal Ukrainian Weekly só noticia e destaca as atividades do Pravy Sektor, histórias sobre tortura de prisioneiros na Ucrânia contemporânea; clama por apoio aos “patriotas ucranianos” que destroem monumentos da era soviética. Oferece também farta informação elogiosa sobre Dmitro Yarosh, líder militante da extrema direita, do Pravy Sektor, e sobre o coordenador do Pravy Sektor (apelido, Pilipas) Andrei Tarasenko, que anda contando histórias sobre treinamento de militantes (jovens que nunca prestaram serviço militar, agora ensinados a ‘virar homem’, aprendendo a usar punhais e armas de ar comprimido). O mesmo jornal oferece também informação sobre outros “bravos nacionalistas” e modos para conter “a intervenção russa”. E o jornal ainda traz recomendações de “revolucionários sérvios”, que contam como derrubaram “ditadores”.
Um pouco antes, as edições de Ukrainian Weekly viviam cheias de histórias de fazer gelar o sangue, sobre intrigas entre comunistas e Moskali, termo ucraniano depreciativo para “russos”, e sobre o Golodomor – o genocídio organizado por russos, para exterminar a população ucraniana.
É uma vergonha que, sem contar com informação de fonte independente, a diplomacia norte-americana sirva-se desse tipo de fonte para, a partir disso, construir políticas para a Ucrânia.
A arrogância da maioria dos diplomatas e congressistas norte-americanos não surpreende mais ninguém. Em janeiro, durante audiência para discutir a Ucrânia, até alguém já tão entrado em anos como Zbigniew Brzezinski ainda lá estava a dar ‘aulas’ aos senadores, ‘ensinando’ que, antes de os russos aparecerem os ucranianos já acalentavam o sonho de unir-se à Europa; e por isso que o sonho dos ucranianos tem de ser apoiado. Depois de esse sonho realizado, lança-se uma ‘reação Dominó’, e a multinacional Rússia seguirá exatamente a mesma boa trilha que a levará a se tornar membro da OTAN!
Os dois filhos de Zbigniew Brzezinski mantêm-se muito próximos da OTAN. Ian Brzezinski é membro Senior Fellow do International Security Program e faz parte do Grupo de Conselheiros Estratégicos do Conselho do Atlântico. E Mark Brzezinski, advogado, trabalhou para o Conselho de Segurança Nacional do presidente Clinton, como especialista em Rússia e Sudeste Europeu; foi sócio de McGuire Woods LLP; e é hoje embaixador dos EUA na Suécia. Muito ativo na venda de aviões militares.
Por que Victoria Nuland – que se tornou presença obrigatória em todas as páginas e blogs humorísticos na Ucrânia e na Rússia, por ter andado distribuindo coelhinhos e sanduíches na Praça Maidan – apareceu em Kiev outra vez, na véspera do início dos Jogos de Inverno de Sochi, e pôs-se a dizer que os que estivessem insatisfeitos com “o regime Yanukovych” ou voltassem à ideia da integração com a Europa ou tomassem “o caminho da guerra”?
É onde a mentalidade de clã – velho carrasco da política externa dos EUA – entra em cena.
O clã ao qual pertence Victoria Nuland não é menos influente que o de Brzezinski. O marido, Robert Kagan, é conhecido intelectual dedicado a temas de política externa, analista e colunista de grandes jornais. Sente-se muito a vontade entre os ‘especialistas’ ativos nos mais importantes think-tanks norte-americanos e tem acesso aos mais influentes veículos da imprensa-empresa norte-americana. Kagan muito se empenhou na operação militar na Líbia. Trabalhou muito, também, na oposição a Obama-candidato, como assessor de Mitt Romney. Foi quem instruiu Romney a declarar que a Rússia seria o inimigo geopolítico número 1 dos EUA. Seu irmão, Fred Kagan, é autor de inúmeros livros e artigos publicados em todo o mundo.
A carreira de Victoria Nuland sempre seguiu de perto o colapso da União Soviética: ela estava, então, em Moscou. E testemunhou as “mudanças tectônicas” da política externa dos EUA a partir daquele momento. Foi ela que mobilizou todas as suas habilidades para encontrar pretextos para a intervenção no Afeganistão, invocando o artigo 5º do Tratado de Washington, em 2001, quando os EUA invadiram o Afeganistão. Depois, foi representante dos EUA no Conselho do Atlântico Norte. A experiência dela na OTAN está sendo mobilizada novamente agora – o coração a está arrastando de volta para o Leste europeu…
Oriente Mídia
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
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O Ocidente e a Ucrânia: cenários possíveis?
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