Manifestantes que ocupam, há 48 horas, instalações públicas em Donetsk, na Ucrânia, proclamaram, unilateralmente, ontem, uma República Popular, na província em que se fala russo. E querem convocar um referendo para sua anexação à Rússia, para o próximo dia 11 de maio, nos moldes do que foi feito na Crimeia no mês passado.
As autoridades policiais não resistiram nem tentaram conter os manifestantes.
Em outra cidade, Lugansk, manifestantes favoráveis à Rússia ocuparam a sede dos órgãos de segurança, e fizeram o chefe de polícia — que também não resistiu — libertar dezenas de prisioneiros favoráveis a Moscou que estavam detidos há alguns dias.
Em Kharkov, segunda maior cidade ucraniana e centro industrial do país, houve enfrentamento entre habitantes de língua russa, que ocuparam a sede do governo local, e manifestantes fiéis ao golpe desfechado contra o presidente Yanukovitch em março.
Embora as novas “autoridades” ucranianas estejam acusando o serviço secreto russo pelos tumultos, a verdade é que o apoio ao governo golpista é cada vez menor, e boa parte do território ucraniano é ocupado por habitantes de origem russa, que se recusam a se aproximar do Ocidente e se sentem ameaçados pelos golpistas de extrema direita que estão no poder em Kiev.
Eles viram que, ao contrário do que ocorreu na “libertação” do Iraque, do Egito, da Líbia, do Afeganistão, pela Otan, onde morreram — e continuam perdendo a vida — centenas de milhares de pessoas, a “russianização” da Crimeia foi feita em poucos dias, e quase sem violência.
"O Ocidente desestruturou uma nação que se encontrava unificada"
O fato é que, assim como fez, em muitos outros lugares, supostamente em nome da “democracia”, o Ocidente desestruturou completamente uma nação que se encontrava institucionalmente unificada, funcionava razoavelmente dentro da lei, com um presidente eleito diretamente pela população, e aguardava pacificamente as próximas eleições, porque não queria que a Ucrânia “caísse” sob a influência de Moscou.
Como demonstra a situação em Donestk e em Kharkov, a influência russa na Ucrânia, do ponto de vista político, econômico, cultural, já existia, é muito maior do que se pensa na Europa e nos EUA, e permeia vastas regiões e milhões de habitantes, que se sentem russos.
A Rússia está em seus corações e mentes. Eles vivem, como russos, há séculos. E é mais fácil que a Ucrânia se divida — a partir da fragmentação irresponsavelmente iniciada em Maidan — do que eles virem a se inclinar para o lado contrário, o dos golpistas neofascistas que tomaram o poder de assalto, em Kiev, há poucas semanas.
Jornal do Brasil
“Donetsk é o coração da Ucrânia”, o bastião do antigo presidente russo, Ianukovitch. O cartaz à entrada da cidade é toda uma declaração de princípios que a população desta região pró-russa não discute. Tal como numa grande parte do leste ucraniano, os residentes são de origem russa.
Desde o início das tensões na Crimeia, que culminaram com a anexação pela Rússia, a população de Donetsk e de toda a região mobilizou-se. Já em março tinham eclodido confrontos entre os pró-russos, que não reconhecem o governo de Kiev, e os ucranianos da Crimeia.
Aqui, mais de 50% da população fala russo, como na Crimeia. Um pouco mais longe, mas ainda no leste, a população também é bastante russófona. Do lado ocidental é o ucraniano que domina. Mas a divisão étnica, por si só, não explica os confrontos dos últimos meses.
A divisão também se deve à riqueza da região em recursos naturais, que o ocidente não tem. As riquezas da baía de Donbass já eram cobiçadas pela Alemanha nazi e pela União Soviética. O carvão, o ferro, manganésio….esta é a região mais industrializada da Ucrânia e todas as riquezas já eram exportadas para a Rússia, por isso o Kremlin pretende defender os seus interesses.
Calcula-se que as reservas de carvão de Donbas atinjam os 109 mil milhares de toneladas. É o quarto produtor de carvão na Europa.
Esta região, que constitui 5% do território da Ucrânia, presenta 10% da população mas 20% do PIB e 25% das exportações. O salário médio atinge os 600 euros, enquanto no resto do país ronda os 300 euros. No entanto, a crise também afetou os russófonos: a produção baixou nos últimos anos e 30% dos habitrantes queixam-se de uma diminuição da qualidade de vida.
Há especulações quanto ao real interesse de Moscovo na destabilização de Donbas: teme-se que, por trás das questões políticas estejam os interesses económicos, principalmente com a aproximação das eleições presidenciais.
Euronews
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