Especialista em Relações Internacionais, diz que grupo não tem coesão política. O Brasil sedia encontro semana que vem.
Os Brics “não são uma aliança política crível”. O clube formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul “é um grupo interessante, mas sem coesão política”, diz o americano Vali Nasr, 53, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Johns Hopkins, um dos maiores celeiros da diplomacia dos EUA. O Brasil sediará a próxima reunião do grupo, em 15 e 16 de julho, em Fortaleza.
“Se China e Rússia tivessem apoiado o acordo patrocinado pelo Brasil com o Irã, talvez teria sido um sucesso”, provoca. “Mas não estão de acordo nem como deve ser a reforma do Conselho de Segurança”.
Nasr, que trabalhou no início do governo Obama no Departamento de Estado, acha que as tropas americanas “saíram cedo demais do Iraque” e que “o mundo fica mais inseguro quando os EUA se retiram da arena global”.
Também disse que Obama, “ao usar drones e serviços de inteligência para atacar terroristas”, em vez de tropas e o Pentágono, ficou mais dependente da espionagem, como a feita pela NSA.
Ele recebeu a Folha em seu escritório na Universidade Johns Hopkins.
Folha – O que o sr. espera da Cúpula dos Brics, no Brasil na semana que vem?
Vali Nasr - Os Brics são uma associação útil, mas por enquanto é um clube de países que querem ficar mais ricos, sem sujar as mãos com crises políticas, não há uma coesão política. Qual é a união dos Brics em reformar o Conselho de Segurança ou o FMI (Fundo Monetário Internacional)? Como os Brics podem criar uma aliança politica crível?
O acordo patrocinado por Brasil e Turquia sobre o programa nuclear do Irã foi uma vitória, mas teria sido um sucesso se Rússia e China o tivessem apoiado. Eles, porém, preferiram se juntar a americanos e europeus na mesa de negociação. Os Brics não atuaram em conjunto.
Folha – O sr. considera o acordo uma vitória?
O acordo Brasil-Turquia foi muito interessante e bem-sucedido. Conseguiu fazer o Irã assinar pela primeira vez um acordo nuclear. O fracasso aconteceu por Europa e Estados Unidos não aceitarem o papel de dois emergentes.
Faltaram peças. Vocês têm o poder de persuasão, mas qual é o poder de “fazer cumprir”? Se o Irã não respeitasse, o que Brasil e Turquia fariam?
Folha -Foi um bom começo, mas o que os Brics podem fazer sobre a crise no mar do Sul da China? Ou no embate sunita-xiita? Os Brics conseguiriam fazer uma ponte entre Irã e Arabia Saudita de uma maneira que os EUA não conseguem?
Mas EUA e Europa não parecem muito interessados em compartilhar o poder no FMI, Banco Mundial e ONU com os emergentes.
Os Brics ficaram mais ricos tomando vantagem de uma ordem global patrocinada pelos EUA com o dólar, OMC (Organização Mundial do Comércio), segurança internacional, FMI e Banco Mundial. Os países emergentes têm razão de querer reformas e mais espaço nesses organismos. O que não se pode é deixar tudo isso para trás e criar um vácuo.
Há 20 anos só se debatia comércio, OMC. O que não esperávamos era a volta do nacionalismo. Ainda não apareceu na América Latina, mas vemos a Rússia querendo reconstruir domínios czaristas, intervindo nos vizinhos, e a China querendo dominar os mares e tomar ilhas de seus vizinhos. Vamos pensar que os EUA se retiram da Ásia e estoura uma crise entre Japão e China. Impacta o Brasil também.
E na Rússia contra a Ucrânia? Essas duas regiões são 60% do PIB mundial, não é falar do deserto iraquiano. Qual é a alternativa ao poder dos EUA?
Folha – Mas em seu livro “Dispensable Nation” [nação dispensável], o sr. diz que o governo americano está batendo em retirada da política internacional.
O problema é que o debate para reformar as instituições multilaterais que começou nos anos 90 perdeu a força e os Estados Unidos não querem mais saber deles. A reforma do FMI empacou no Congresso americano, o governo não trabalha com a OMC e quer criar seus próprios blocos comerciais, e os EUA não querem mais ser a polícia do mundo, querem que os outros cuidem de sua própria segurança. Se a velha ordem não se adaptava às mudanças no mundo emergente, a nova parece um vácuo.
Folha – Todas as pesquisas dizem que o público americano não quer saber mais de guerra, então Obama evita intervir, seja na Síria ou no Iraque.
Os americanos gostam da retirada, mas não das consequências dela. Quando parecemos fracos, é uma ameaça maior. Russos e chineses não levam os EUA a sério e estão arranjando problemas com seus vizinhos e os países ao redor dois, nossos aliados, já não confiam que os defenderemos.
Se você é do governo do Iraque ou dos grupos terroristas, você não se intimida com o governo americano. O [primeiro-ministro iraquiano] Nuri al-Maliki deve pensar, “por que vou ouvir os EUA se eles não me ajudam? Vou procurar o Irã ou a Rússia, que ganho mais”. Os terroristas devem pensar, “os EUA não querem saber daqui, vamos avançar até Bagdá, invadindo mesmo, ocupando”.
Folha - Obama tem índices de popularidade baixos e vê a saída do Iraque como uma conquista. Como ele pode vender à opinião pública uma volta ao campo de batalha?
Saímos cedo demais do Iraque. Ainda temos tropas na Bósnia, mas não no Iraque, não faz sentido. Se a Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental] tivesse saído tão cedo, a Bósnia voltaria a uma guerra civil.
O Iraque é como uma árvore frágil em terreno de tornados, e fomos embora. Claro que ia cair.
Na Síria, não apoiamos o centro moderado, só ficamos na retórica, deixamos o país cair nas mãos de jihadistas e agora a ascensão do Estado Islâmico [EI, grupo fundamentalista que controla partes da Síria e do Iraque] é culpa do descaso americano e europeu. Quando Obama diz que só vai enviar 300 especialistas para o Iraque e que eles não combaterão, estamos querendo agradar o Congresso e a opinião pública. Esquecemos que falamos para o mundo.
Folha – Analistas dizem que todas as alternativas na Síria ou no Iraque eram ruins.
Não podemos resolver o tema sunita versus xiita no Iraque, mas não podemos deixar que o país desmorone e seja controlado por terroristas. Não se trata de caridade. Precisa explicar à opinião pública o que está em jogo. Identificar e apoiar moderados, falar com Irã e Rússia, achar uma solução.
O trabalho de um líder é convencer a população do oposto do que elas pensam, de seus interesses. Em vez de seguir pesquisas de opinião, saber formatá-la.
Folha - Obama demorou muito em reagir ao escândalo da espionagem da NSA (Agência Nacional de Segurança). Por quê?
Obama adotou muito da política externa do governo Bush, priorizando a luta contra o terrorismo no Oriente Médio.
Bush queria mudar governos, mudar religião, impor democracia, Obama acha que isso é desperdício.
Mas, para ele, não precisamos usar os militares e ocupar países. Basta usar a CIA (Agência Central de Inteligência) e fazer ataques cirúrgicos com drones. Isso representa a ascensão da CIA e do papel da inteligência na
política externa.
O orçamento do Pentágono está encolhendo porque dependemos menos das tropas. Essas agências de inteligência estão com mais poder. Quando o escândalo da NSA surgiu, acertou o coração de como o seu governo foca o contraterrorismo.
Há duas maneiras de lutar contra o terrorismo. Promover crescimento econômico, político e educativo ou prender e atirar nos caras malvados. Escolhemos a segunda alternativa.
Folha - O sr. escreveu artigo no “New York Times” dizendo que o mapa do mundo vai mudar graças à revolução na extração de gás, como a nova aliança de China e Rússia. E os EUA, mais autossuficientes com o gás de xisto, vão perder interesse no Oriente Médio?
Nunca estivemos lá apenas por petróleo. Havia a necessidade de se proteger o mercado mundial de petróleo, os preços globais de energia e o maior consumidor do Oriente Médio é a própria Ásia. A segurança de Israel importa muito nos EUA domesticamente e também a luta contra o terrorismo.
Quanto mais o Oriente Médio perder seu peso por conta do petróleo, vai ficar mais complicado. Lavar as mãos no Oriente Médio é um enorme perigo. Os EUA são uma espécie de andaime que sustenta esse sistema.
Folha – O senhor escreveu também que houve um esvaziamento do poder do Departamento de Estado durante o governo Obama. Quanto se deve a rivalidade entre Obama e à então secretária de Estado, Hillary Clinton?
Tradicionalmente há disputas entre Casa Branca, Departamento de Estado e Pentágono. Mas a atual Casa Branca gosta de concentrar as decisões políticas e os ministérios e agências só implementam decisões já tomadas. Os especialistas foram escanteados.
Muita gente da Casa Branca não é experiente em politica externa, vieram da campanha. Olham o mundo pelo prisma da política doméstica e das pesquisas de opinião. Não há um Kissinger ou um Brzezinski [conselheiros de Segurança Nacional de Nixon e Carter, respectivamente]
Havia rivalidade entre as equipes de Obama e Hillary, mas ela acabou ajudando. Ela tinha “gravitas”, podia ligar para ele diretamente.
FONTE: Folha de São Paulo/Defesa Aérea & Naval
segunda-feira, 7 de julho de 2014
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Brics querem só ficar mais ricos e não sujar as mãos
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