Tom Malinowski - EXPULSO
O Bahrain expulsou do país um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA – Tom Malinowski, secretário-assistente – no curso da visita que fazia a Manama. É movimento muito grave, que ofende o governo Obama e não pode ser simplesmente “apagado” por alguma “desculpa” de porta-voz. Que um microscópico estado do Golfo – o menor deles, de fato – ponha na rua, tão ousadamente, a única potência “indispensável” era, antes de acontecer, impensável.
O Bahrain vive sob o guarda-chuva político, econômico e de segurança de Riad, e é inconcebível que o gesto beligerante de desafio ao governo Obama tenha acontecido sem conhecimento e algum tipo de aceno, concordando, vindo dos sauditas. A questão é que o pessoal em Manama, Bahrain, sabia muitíssimo bem que o trabalho de Malinowski no Departamento de Estado é oferecer pregações de democracia e respeito aos direitos humanos a qualquer governo do mundo acusado de atropelar aqueles itens: um dia é o Bahrain, amanhã pode ser a Arábia Saudita.
É verdade que o Bahrain não poderia impedir que Malinowski fosse a Manama em viagem “de inspeção”, quando Washington aceitou a precondição que Manama impôs, de que um “elemento local” estivesse presente em todas as reuniões de Maninowski com ativistas de direitos humanos. Não se sabe exatamente o que aconteceu – se
(I) Malinowski desentendeu-se com esse “elemento local” quando expunha ideias de tal modo “democráticas” em Manama, que o Emir entrou em pânico; ou se
(II) fez contato com gente proibida; e assim por diante.
A Vª Frota dos EUA está hospedada no Bahrain
O caso é que, num dado momento, o Bahrain decidiu que o nonsense não poderia continuar. Os governantes do Bahrain são muito sensíveis à repressão patrocinada pelo estado saudita e lançada contra a maioria xiita do país que clama por justiça e direitos. Sobretudo agora, quando reaparecem, por toda a região, as linhas de divisão sectária. O que aconteceu é que o Bahrain traçou uma “linha vermelha” além da qual o governo Obama não poderá avançar.
Washington está examinando “uma série de alternativas” para responder à ofensa que lhe fez o Bahrain. Mas Riad e Manama com certeza consideraram os prós e contras da própria ação; e com certeza concluíram que os EUA não podem fazer muito, na tal ‘'reação'’ – afinal de contas, a Vª Frota dos EUA está ancorada no Bahrain.
O episódio mostra claramente que os modelos de estratégia dos EUA começam a bater-cabeça, no Oriente Médio.
O pequeno Bahrain desafiou o “excepcionalismo” dos EUA. Toda a região, agora, está postada para observar como Washington reagirá ao desafio.
A Vª Frota (parte dela) dos EUA no Golfo Pérsico
Pelo menos em parte, os governantes árabes do Golfo estão-se mostrando assim tão ousados por causa da polarização na política norte-americana. Obama está sob fogo por causa de suas políticas para o Oriente Médio, e os Republicanos criticam-no por ter abandonado tradicionais aliados dos EUA no mundo árabe, como Hosni Mubarak do Egito ou o rei Abdullah da Arábia Saudita.
O desafio que o Bahrain fez aos EUA não é caso isolado. Dito de modo simplificado, os aliados árabes dos EUA estão ficando cada vez mais agitados, incomodados e falantes, cada vez mais fora de controle. Os nervos estão em frangalhos, para tudo que tenha a ver com “Primavera Árabe”. Na Síria e no Egito já houve desafio no nível estratégico.
Outro caso: Washington disse recentemente a Bagdá que só lhe aumentará o poder de fogo contra o Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIS/ISIL/DAASH/EIIL), se houver mudança de governo. O primeiro-ministro Nouri al-Maliki simplesmente ignorou a “proposta”; e obteve dos russos e iranianos os jatos de ataque de que carecia.
Rabo balança o cachorro
Israel, claro, sempre foi a lei em si, e é caso especial de rabo que balança o cachorro, mas os árabes do Golfo não podem aspirar a alcançar o nível de Israel. As oligarquias do Golfo estão absolutamente minadas por dentro, o poder ali não têm legitimidade alguma e sempre, quando a coisa apertou, contaram com a proteção dos EUA.
E o petrodólar é um cordão umbilical que liga aquelas oligarquias ao sistema bancário ocidental. A dependência é mútua, se as coisas são postas no plano da reciclagem do petrodólar.
Em anos recentes, também a Turquia tem dado sinais de fazer as coisas à sua maneira, ignorando aconselhamento dos EUA, mas isso também é desafio cuidadosamente calibrado, que visa mais a impressionar o público interno dentro da Turquia (o que um partido islâmico pode fazer para defender a honra nacional). Mas, sim, a Turquia é membro da OTAN, e agudamente consciente de sua identidade “europeia”.
Agora, o Afeganistão torna-se a mais recente caso no Oriente Médio Expandido no qual a influência regional dos EUA será testada. Será que os candidatos rivais no segundo turno das eleições presidenciais – Abdullah Abdullah e Ashraf Ghani – ouvirão os graves avisos que Washington deu-lhes, sobre ou mostrarem contenção ou deixarem as coisas como sempre foram no bazaar afegão desde tempos imemoriais? (Mas isso exige explicação à parte).
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