A vitória dos Republicanos nas eleições de meio de mandato nos EUA – os quais controlam hoje as duas casas do Congresso – incendiou esperanças em Kiev.
A ideia geral foi que, então, afinal, começariam a chegar os gordos pacotes de ajuda que “a América” prometeu-lhes durante os protestos na Praça Maidan, mas que ainda não apareceram, o que ajudaria a tirar o regime de Kiev no buraco que cavou para ele mesmo.
O ex-ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Volodymyr Ohryzko, anunciou que a vitória dos Republicanos seria excelente sinal para a Ucrânia. Afinal, o senador Republicano John McCain, que deverá presidir a Comissão das Forças Armadas do Senado dos EUA, várias vezes manifestou entusiasmo pela ideia de embarcar armas por mar, diretamente dos EUA para a Ucrânia. E outros Republicanos afamados fizeram promessas assemelhadas.
Um grupo de senadores Republicanos garantiu também que, em breve, as duas casas do Congresso poderão debater o projeto da “Lei para Impedir Agressão Russa”, de 2014. Esse projeto de lei, que foi proposto ao Congresso na primavera passada, imporia novas sanções contra a Rússia e asseguraria assistência militar e técnica imediata ao governo de Kiev. Mas, até agora, o governo Obama sempre arranjou meios para adiar a votação do projeto de lei.
A verdade é que os “planos” de Kiev foram construídos sobre terreno instável, pantanoso.
Afinal de contas, quem decide sobre a política externa dos EUA é o presidente e, enquanto Obama tiver mandato, é altamente improvável que alguma coisa mude no curso que já está traçado. Como observou Daniel Wagner do Huffington Post, aqueles senadores sempre tão simpáticos ao governo de Kiev acabarão provavelmente frustrados, porque têm bem pouco poder para cumprir quaisquer de suas promessas sem “resposta mais significativa e coordenada com e da Europa, a qual claramente não está a caminho”.
Petro Poroshenko (E) e Joe Biden em 7/6/2014 |
Ainda mais importante, os Republicanos não são força unificada, e não há qualquer garantia de que o candidato Republicano à presidência seja representante da ala mais à direita do partido. Por exemplo, um dos mais fortes candidatos à indicação como candidato é o senador Republicano, Rand Paul – que faz oposição consistente ao intervencionismo norte-americano.
Os Republicanos não se sentem responsáveis pelo caos na Ucrânia, que os Democratas inflaram o mais que puderam, e não dão sinais de querer ajudar o atual governo Obama a arrancar-se daquele caos. Os Republicanos nada têm a ganhar por ajudar Obama a salvar a própria cara. O principal problema de Kiev não é como obter novos armamentos, que o exército ucraniano – que só sabe operar o velho equipamento herdado dos soviéticos – ainda teria de aprender a usar. O maior problema deles é como deter o rápido deslizamento da economia ucraniana rumo ao abismo. Quem controla a rédea na boca dos lacaios do ocidente que estão saqueando a Ucrânia? Além do mais, os Republicanos norte-americanos são sempre muito mais mão-fechada, que os Democratas, no que tenha a ver com distribuir ajuda financeira. E muito se orgulham disso. Se o dinheiro não apareceu durante o governo Obama, menos ainda aparecerá em governo dos Republicanos.
A vasta experiência de Henry Kissinger ajudou a localizar a exata causa da crise ucraniana: quando começou a encorajar os tumultos de rua na Ucrânia, Washington esqueceu-se de considerar a importância que a Ucrânia sempre teve para a Rússia. Ouvem-se ecos da teoria dos “desafios-e-respostas”, de Arnold Toynbee, nas palavras desse arcano da diplomacia dos EUA.
Henry Kissinger eating... |
Quando se lança um desafio, na disputa por algo que não tem grande importância para o desafiante, mas é extremamente importante para o desafiado, o desafiante expõe-se ao risco de receber do desafiado uma resposta de tal modo forte e poderosa, que o desafiante logo se verá sem condições de manter o desafio, mesmo que continue em posição inerentemente mais forte.
Kissinger tem dito que a Casa Branca está agindo como se não compreendesse que a relação entre EUA e Rússia é muito mais criticamente importante para os EUA que a relação entre EUA e Ucrânia.
Richard Pipes, que foi principal conselheiro sobre questões russas no governo Reagan e que ajudou a criar a marca ideológica do “império do mal”, tem a oferecer, agora, argumento bastante mais sensível e inteligente, observando que já se impuseram sanções muito pesadas à Rússia – que praticamente não tiveram efeito algum. Para ele, o ocidente não tem meios ou poderes para manter essa política contra a Rússia, e que insistir em medidas ativas pode levar à guerra. Pipes prevê que Washington está preparada para deixar a Ucrânia onde está, dentro da esfera de influência russa. Mas, de um ponto de vista norte-americano, é absolutamente inaceitável que a Rússia use soldados para “capturar” parte da Ucrânia. Enquanto isso não acontecer, os EUA não se envolverão mais ativamente na Ucrânia. Disse também que não consegue sequer imaginar uma situação na qual o governo dos EUA comece a exportar armas para a Ucrânia.
Para Pipes, o problema mais profundo da Ucrânia é que o país jamais foi independente e não tem experiência alguma do processo de construir um estado. Explica que Kiev tem de encontrar um meio para controlar o próprio território, combater a corrupção e criar um exército poderoso. Pipes acredita que as autoridades ucranianas têm muito trabalho pela frente, mas podem alcançar seus objetivos. Alerta que, embora a Ucrânia possa vir a incorporar-se ao ocidente, o processo exigirá tempo; mais para 50 anos, que para 10 ou 20. Aqui, ou Pipes está sendo complacente ou seu “argumento” é que cabe(ria) ao afogado salvar-se do afogamento, porque não há quem não saiba que os que estão hoje no poder na Ucrânia não têm nem 10 meses de tempo, muito menos teriam nem 50 e nem 10 anos.
Mikhail Pogrebinsky |
Mikhail Pogrebinsky, diretor do Centro Kiev para Estudos Políticos e de Conflitos, também entende que as mudanças no Congresso dos EUA não determinarão nenhuma mudança decisiva nas políticas dos EUA para a Ucrânia. Não, pelo menos, enquanto Barack Obama permanecer no governo. Mas, para ele, o curso de ação que Obama escolheu está sendo causa de crescente instabilidade na Ucrânia.
Não compreendo a lógica dos norte-americanos – diz Pogrebinsky. A Ucrânia já tem governo pró-EUA. Os EUA deveriam estar fazendo o possível para preservar o governo de Kiev. Mas, em vez disso, não param de sacudir o bote, o que não faz sentido algum. Nunca qualquer governo norte-americano manteve, por tanto tempo, política tão alucinada.
Quanto a essa “política alucinada” – faz lembrar as ações do embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, que está “exigindo” que Kiev imponha sanções contra o Donbass e rompa todos os laços econômicos com a Rússia. Mas ninguém, no ocidente, sequer pensou em, por exemplo, perdoar a dívida da Ucrânia. Ou em assegurar pedidos europeus ou norte-americanos, às fábricas ucranianas, que substituíssem os pedidos russos que o país perdeu.
Querem é sangrar até a morte a economia ucraniana. O que o embaixador dos EUA está propondo só pode gerar agitação social e tumultos por todo o país – concluiu um especialista ucraniano.
Geoffrey Pyatt |
Depois que o experimento de “democratização” da Ucrânia terminar em total fracasso, o próximo governo dos EUA, como acontece sempre, se declarará “não culpado” e “não responsável” pelos resultados da débâcle dessa política externa.
Toda a culpa será do governo anterior e dos erros que cometeu; ou tudo terá sido, só, efeito de intrigas urdidas em Moscou; ou o que aconteceu só aconteceu, mesmo, porque a matéria prima era de má qualidade.
O único real problema é quanto tempo ainda falta para que se conheçam os frutos dessa política norte-americana intervencionista “alucinada”; se amadurecerão ainda durante os estágios finais do governo Obama – o que levará ao colapso total da Ucrânia. E que preço o povo ucraniano terá ainda de pagar, por todo esse alucinamento.
Redecastorphoto
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