Como Eric Kraus destacou, há completa confusão na imprensa-empresa hoje sobre como repercutir as decisões relacionadas às mais recentes decisões da União Europeia − UE − sobre sanções. Syriza “afinou” – como insistem Reuters e Bloomberg? Ou a reunião deixou ver fraturas crescentes dentro da UE – como dizem Financial Times e London Times?
A melhor resposta é que nada foi decidido, de definitivo, no mais recente Conselho da UE, mas o partido Syriza conseguiu marcar um tento.
Volto ao meu artigo sobre o Syriza para Russia Insider. Goste-se do fato, ou não, as relações com a Rússia não são prioridade do partido. Syriza não concorda com as sanções, mas a absoluta prioridade do partido é a própria crise econômica da Grécia.
Dado que as coisas são como são, é puro irrealismo esperar que um governo recém chegado ao poder, e logo nos primeiros dias de existência, opte por provocar uma crise dentro da União Europeia que poria contra o próprio governo grego a Comissão Europeia, Alemanha, Grã-Bretanha e França, com risco de aprofundar a crise na Grécia e pôr em risco a própria sobrevivência, numa questão de sanções que, para os gregos, tem importância apenas periférica.
O que o partido Syriza fez na 5ª-feira (29/1/2015) foi tudo que podia fazer com realismo, nas atuais circunstâncias: aplicar um freio leve no trem das sanções.
Alexis Tsipras (Syriza) Primeiro-Ministro da Grécia |
A reunião do Conselho Europeu foi convocada por Mogherini, o ministro de “relações exteriores” da União Europeia, acatando exigência de membros linha-dura da UE liderados por Donald Tusk (que agora dirige nominalmente o Conselho Europeu quando se reúne em nível de chefes de governo) e que estavam pedindo resposta forte da UE contra o que chamam de “rompimento do cessar-fogo” e a ofensiva em curso, pela Força Aérea Novorrussa e o gradual cerco do “caldeirão” de Debratselvo. Aconteceu também contra o pano de fundo de uma histeria orquestrada, depois do bombardeio em Mariupol. Antes da reunião, Tusk disse que não tinha interesse algum em reunião puramente declamatória.
Pois foi exatamente o que Tusk obteve. Tudo que saiu daquela reunião foi essencialmente declamatório.
Os gregos insistiram para que fosse removido do texto final da declaração da União Europeia um parágrafo beligerante contra a Rússia; e que qualquer decisão sobre outras sanções fosse adiada para depois da reunião do dia 12/2/2015 do Conselho Europeu – que acontecerá em nível de chefes de governo. Em troca disso, concordaram com uma extensão de sanções limitadas contra específicas empresas e indivíduos russos, que entrarão em vigência no próximo mês de março, e não para todo um ano, só por seis meses (até setembro de 2015).
Essas sanções são assunto grave para os indivíduos sancionados, mas não são críticas para a Rússia.
Esse não é o resultado buscado, nem pelos linhas-duras russos, nem pelos liderados de Tusk, e dá tempo e espaço para o partido Syriza definir sua própria posição e construir todas as alianças que consiga dentro da UE, seja sobre a questão crítica da dívida seja sobre a questão menos crítica das sanções.
O próximo teste virá nessa próxima reunião do Conselho Europeu, dia 12/2/2015, da qual participará o próprio Tsipras. Hoje parece bem pouco provável que, nessa próxima reunião, a UE venha a impor mais sanções significativas contra a Rússia. O partido Syriza opõe-se àquelas sanções, mas, mais importante, alguns outros estados da UE também não têm interesse nelas. São estados que já sabem que um governo dentro da União Europeia – o governo da Grécia – opõe-se às sanções, o que poderá tornar mais forte a oposição dos demais.
O quanto será possível impedir mais sanções na reunião do dia 12/2/2015 dependerá de o quanto o Partido Syriza conseguirá jogar com eficácia com as dúvidas desses outros estados da União Europeia. Importante observar que o Syriza já conseguiu jogar com sucesso com essas dúvidas, na reunião da 5ª-feira (29/1/2015), quando recebeu o apoio discreto de vários outros estados europeus.
O grande teste porém virá quando as sanções setoriais tenham de ser renovadas em julho. Essa é a decisão da qual depende, em última instância, o futuro das sanções.
Eu acrescentaria também que, em julho – e ainda mais em setembro, quando as sanções prorrogadas na 5ª-feira passada (29/1/2015) serão novamente votadas para serem renovadas – já se terá ideia melhor sobre as possibilidades de vitória do Partido Podemos, na Espanha.
Se o Podemos vencer na Espanha, então todo o cálculo muda, e o Syriza passa a contar, como aliado, com um dos grandes países da União Europeia. Desnecessário dizer que a Espanha tem peso imensuravelmente maior dentro da UE, que a Grécia. Um governo do partido Podemos na Espanha pode assumir, só ele, a luta contra as sanções e desafiar as demais grandes potências na UE. Um governo do Syriza não pode.
Pablo Iglesias - PODEMOS, Espanha |
Em minha opinião, a decisão da 5ª-feira (29/1/2015) foi a melhor que se poderia esperar nas atuais circunstâncias. Como já disse, as grandes decisões ainda estão por vir. Absolutamente não beneficiaria a Rússia, a Grécia ou o Syriza, se o Syriza provocasse uma crise dentro da UE na 5ª-feira passada, sobre a extensão de sanções de mínima importância, que causasse escalada dramática na própria crise econômica na Grécia, escalada que, por sua vez, implicaria que o Syriza ou fosse derrubado do poder, ou chegasse a julho, momento de tomar as grandes decisões, sem condições para fazer coisa alguma.
Concluo repetindo o que já disse em meu artigo em Russia Insider e nesse blog Vineyard of the Saker.
A Grécia é país pequeno e economicamente muito fraco. Para os gregos, as sanções não são prioridade: prioridade é a crise econômica. Elegeram o Syriza para resolver a crise econômica que desgraça a Grécia, não para levantar sanções aplicadas à Rússia. Na questão das sanções, o povo grego não esperaria mais, do Syriza, do que prometeu ou pode, com realismo, cumprir.
Redecastorphoto
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