SHARMINI PERIES, PRODUTORA EXECUTIVA, TRNN: Muito obrigada por nos receber. [...]
0’50” – MICHAEL HUDSON, prof. de Economia, University of Missouri-Kansas City: Muito bom estar com vocês.
PERIES: Considerando o nosso assunto hoje, Michael, acho que vamos falar sobre um livro que você publicou há muitos anos, com o título de Super Imperialism (1ª ed., 1972; reeditado em 2002). E há um capítulo especial do seu livro, para o qual chamo especial atenção, sobre o Banco Mundial. Quem se interesse pelo que Michael apresentará hoje, terá muito proveito se examinar aquele livro. Muito obrigada, Michael, pela sua atenção.
HUDSON: Ótimo falar com vocês, Sharmini.
PERIES: Então, Michael, comecemos pelo Novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)]. Os chineses criaram esse banco, com investimento inicial de US$ 50 bilhões. E então? Chega a representar concorrência significativa contra o Banco Mundial?
HUDSON: Bem, a ideia é trabalhar sob uma filosofia do desenvolvimento alternativa à do Banco Mundial. Desde o começo, o Banco Mundial sempre foi, basicamente, uma extensão do Departamento de Defesa dos EUA, desde o primeiro presidente, que foi secretário de Defesa assistente, John J. McCloy, até Robert McNamara, de 1968 até 81, e, depois disso, o neoconservador e guerreiro da Guerra Fria, Paul Wolfowitz, de 2005 a 2007; e Larry Summers, o economista em chefe, com Bob Zoellick.
Assim se tem o objetivo dos empréstimos do Banco Mundial: emprestar para grandes plantadores do agrobusiness que colhem para exportar, principalmente para exportar grãos, por exemplo, a preços tão subsidiados, que os demais países e os agricultores locais nos diferentes países não consigam jamais produzir grãos que tenham condição de competir com os grãos norte-americanos.
Por mais que todas as missões do Banco Mundial que visitam os vários países só digam que os países devem promover distribuição de terras, fazer reforma agrária que ajudem a promover a agricultura familiar, para que os países se autoalimentem, a verdade é que o Banco Mundial jamais empresta dinheiro para essa finalidade.
O Banco Mundial, sob pressão do Congresso dos EUA disse: “Veja bem, não vamos financiar países que pensem em se tornar independentes dos EUA; nossa função é forçá-los a exportar sempre mais para os EUA e comprar mais dos EUA”.
Equivale a dizer que os financiamentos do Banco Mundial foram principalmente para financiar desenvolvimentos de infraestrutura, sempre com custos superestimados, em países do Terceiro Mundo, com o único objetivo de fazer dinheiro para as grandes construtoras norte-americanas e empresas de engenharia; também emprestaram dólares para fazer engordar as dívidas daqueles países; o pior de tudo, o objetivo final do “processo” sempre foi promover a privatização dos bens e dos recursos naturais dos países “alvo”.
Aí está o que vejo como a grande diferença entre a filosofia do Novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, e a filosofia do Banco Mundial.
O Banco Mundial é pressionado, em todo o mundo, para fazer a privatização de bens e recursos públicos, da infraestrutura básica. Empresta dinheiro aos governos para desenvolver essa infraestrutura, ou estradas, e depois vende as empresas ou as concessões, ou o acesso aos recursos naturais, sempre baratos, a compradores norte-americanos, que, na essência, vão criar monopólios e transformar o que foi construído como infraestrutura, em empresa da qual extraem lucros, dividendos, taxas de administração que, em todos os casos, acabarão nos cofres de empresas ou do estado norte-americano. Esse é o mecanismo que faz subirem os preços de serviços básicos – comunicações, transporte, água e outros, em todo o Terceiro Mundo.
Esse é também o mecanismo que tornou aquelas economias incapazes de concorrer com as empresas norte-americanas, que tem economia mista, na qual o governo subsidia a infraestrutura.
O Novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, que chamamos de Banco Chinês de Desenvolvimento vem para ajudar outros países a escapar desse tipo de filosofia econômica neoliberal de extrema direita, para trabalhar no plano de governos democráticos, governo-a-governo, e ajudar outros governos a desenvolver a própria infraestrutura, para que os estados locais possam prover serviços básicos a preços mais baixos ou a preços subsidiados ou, mesmo gratuitos. Essa não é alguma perigosa tática “comunista”. Esse é o modo como os países europeus e os EUA enriqueceram.
E o único modo de repetir esse processo é romper completamente com os EUA e com o Banco Mundial.
PERIES: Sim, mas... Sei que o Secretário de Estado Kerry disse que há muitas preocupações com os padrões do novo banco. Como podemos saber que o Novo Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura dos chineses não seguirá o mesmo modelo do Banco Mundial? Porque o presidente da China, Xi Jinping, já disse que emprestaram políticas e padrões do Banco Mundial. Como responder ao que disse o secretário Kerry.
HUDSON: Acho que os chineses falaram de um modo polido. Os chineses são muito, muito polidos. Nas minhas muitas visitas a Pequim, sempre que os chineses disseram que aprenderam com o Banco Mundial, estavam dizendo que aprenderam o que não fazer.
Os “bons” padrões a que Kerry se referiu, naquela sua retórica orwelliana, são padrões da mais absoluta corrupção. São os padrões que levaram o FMI a emprestar dinheiro militar à Ucrânia, semana passada. São os padrões que sempre levaram o Banco Mundial a apoiar ditaduras e a armar governos por todo o mundo, e a isolar governos que não estejam integrados à órbita diplomática dos EUA, a isolar Cuba, Irã, Coreia do Norte; e a não emprestar coisa alguma a governos que tentem qualquer tipo de economia mista.
Não há dúvidas de que se a China diz que aprendeu com esses padrões, está dizendo que aprendeu o que evitar, para fazer o contrário, para criar sistema financeiro e de comércio independente e sistemas de desenvolvimento que não acabem gerando dinheiro e desenvolvimento exclusivamente nos EUA, para a economia dos EUA.
Há uns 30, 40 anos, o Banco Mundial produziu um documento intitulado “Parceiros no Progresso”. No meu livro Super Imperialism, eu o chamei de “Parceiros no Atrasismo”. Nas muitas discussões que tenho tido na China, na Rússia, os economistas com quem tenho falado sabem perfeitamente e dizem claramente que o Banco Mundial, por lá, só promoveu o subdesenvolvimento.
No caso da Rússia, por exemplo: colegas meus, especialistas em terras, que se reuniram em São Petersburgo e em Moscou, inclusive com Vladimir Putin, e já desde 1991, lá estavam para traçar o projeto pelo qual a Rússia poderia manter sua base de arrecadação se taxasse a terra, os recursos naturais. No momento em que saíram de lá, o Banco Mundial apareceu, visitou várias cidades russas que haviam aceitado a ideia de taxar a terra e os recursos naturais para gerar renda para as administrações públicas locais, e disse a todas as autoridades locais que haveria gordos e generosos empréstimos para todos, sob a condição de que não se criassem impostos sobre a terra e os recursos naturais locais. É indispensável acabar com os impostos e não taxar coisa alguma, para que a privatização atraia interessados. Deu certo, e a terra e muitos recursos naturais foram privatizados, vendidos a oligarcas cleptocratas.
Na sequência, o único modo pelo qual os oligarcas cleptocratas e outros proprietários que compraram terra e recursos naturais na Rússia podiam converter aquelas propriedades em dinheiro era vendê-las a investidores norte-americanos que investem em petróleo, gás, minérios, diamantes, níquel e outras matérias primas que a Rússia tinha.
Foi como a Rússia afinal entendeu – quando chegaram o Banco Mundial e a AID [International Development Agency (?)], com aqueles Harvard-boys, e com Larry Summers à frente do cortejo. Chegaram, para acabar com a Rússia.
Desse modo, os russos tiveram de aprender a tomar outras vias para o desenvolvimento, a construir independência alimentar, a ser independentes também em outros produtos, e a ser independentes sobretudo desse tipo de estratégia viciosa de desenvolvimento que os EUA espalham pelo planeta.
O novo banco, de modo especial, está sendo construído para financiar duas coisas:
(1) para financiar o desenvolvimento da infraestrutura na China e em outros pontos. Com certeza é melhor do que ver chegar as grandes empreiteiras norte-americanas, cobrando preços exorbitantes para construir estradas e aeroportos cuja construção sempre interessa mais às próprias empreiteiras do que aos locais. Muito melhor que venham os chineses.
Mas há outra razão para essa união China-Rússia, nesse novo banco:
(2) os EUA já começaram uma Guerra Fria financeira contra China, Rússia e os BRICS. Estão avançando, um país depois do outro.
Na Ucrânia, por exemplo, os EUA disseram: façam o possível para não pagar o que vocês devem à Rússia. Foram ao Sri Lanka e disseram: vamos voltar para a velha ditadura de direita do grupo que não paga a China. Significa que a China tem tido muito trabalho para receber o retorno dos investimentos gigantes em infraestrutura que foram feitos nesses países e que esses países deveriam estar começando a pagar.
Os EUA agora estão tentando endurecer para conseguir que vários países deem o calote, que não paguem nenhum empréstimo devido aos BRICSs ou a qualquer país fora da órbita militar da Guerra Fria dos EUA.
Além de tudo isso, a China pensa, bem, se tivermos um banco internacional da mesma estatura que o Banco Mundial e o FMI, no caso de os países deverem dinheiro e não pagarem, não farão como os EUA manda que façam hoje e se endividem para jamais pagar, porque no Banco de Desenvolvimento chinês há vários países associados, França, Itália e outros países asiáticos, nos quais os EUA não interferem.
O Banco chinês é também um meio de proteger os investimentos chineses no exterior, e os empréstimos que a China faça a governos para desenvolver infraestrutura local. No caso dos bancos controlados pelos EUA, quando o país devedor não pode pagar em dólares, vem o FMI, impõe austeridade, e fornece os dólares para que o país pague aos bancos... norte-americanos, aumentando a dívida do país, até uma nova rodada de “cobrança”. Não há qualquer indicação de que a China cogite de impor o mesmo tipo de austeridade incapacitante que o Banco Mundial e o FMI vivem de impor aos países.
PERIES: E como é que você sabe disso?
HUDSON: Nas discussões que tenho tido com especialistas chineses e russos, só se discute isso. O primeiro livro, dos meus, que foi traduzido para chinês e russo foi Super Imperialism, e, por causa dele, temos tido anos e anos de discussões.
PERIES: O que tenho visto é que, por exemplo, a China traz milhares de trabalhadores chineses, para trabalhar nos projetos de infraestrutura que constroem noutros países. Está importando trabalho, não contratando mão de obra local para esses projetos. Isso é o que tenho visto acontecer. Como poderemos saber que será diferente com a China, além do que eles dizem a você, nas reuniões que você tem com eles? Será que os chineses tentam associações mais colaborativas, com os países do sul?
HUDSON: Não há novidade alguma em a China trazer seus empregados e sua própria gerência, nesses projetos gigantes de infraestrutura que mantém pelo mundo. O Banco Mundial sempre trouxe, para os locais dos projetos financiados por ele, a caríssima mão de obra gerencial norte-americana e trabalhadores norte-americanos. A Grã-Bretanha faz exatamente o mesmo. A China, suponho, quer ter certeza de que está no controle dos projetos onde põe o seu dinheiro. Mas a verdade é que os chineses treinaram essa mão de obra super especializada para esses projetos.
O Banco Mundial e o FMI sempre tomaram todos os cuidados para impedir que outros países desenvolvessem o tipo de mão de obra e treinamento que permitiu a eles e só a eles criar infraestrutura, precisamente para manter os países sempre dependentes dos EUA e do Banco Mundial. Claro que, não havendo pessoal especializado, a China usará seu trabalho qualificado. Mas em princípio, obviamente, cada país tem de desenvolver essas competências, de tal modo que possam dizer, ‘não precisamos da mão de obra de vocês, também temos nossa força de trabalho’.
PERIES: Obrigada, Michael, no próximo programa, falaremos sobre a importância de países europeus participarem do projeto do Banco de Desenvolvimento chinês, e sobre os impactos que essa participação pode vir a ter no relacionamento – pelo menos, no relacionamento entre os EUA e aqueles países europeus.
[Fim da entrevista]
[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é pesquisador emérito e professor de Economia da Universidade do Missouri, em Kansas City. e pesquisador associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street; presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Termo” (Institute for the Study of Long-term Economic Trends − ISLET) e um membro-fundador da “Conferência Internacional de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo” (International Scholars Conference on Ancient Near Eastern Economies − (ISCANEE).
Seus dois livros mais recentes são: The Bubble and Beyond e Finance Capitalism and its Discontents. O próximo livro tem o título de Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy.
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