Alexis Tsipras e Angela Merkel (março-2015) |
Depois do acordo dentro do Eurogrupo em fevereiro/2015, a posição da Alemanha quanto às condições às quais a Grécia teria de se submeter pareceram relaxar.
As condições iniciais eram basicamente idênticas às acertadas com o governo grego que foi substituído nas urnas pelo governo Tsipras: arrocho nas pensões, privatizações, aumento de impostos sobre artigos de primeira necessidade e desregulação continuada do mercado de trabalho.
Mas, durante as negociações, a Alemanha parecia ter retrocedido nas exigências e aceito um acordo melhor (embora não perfeito) para a Grécia, pelo qual as aposentadorias não seriam reduzidas, o salário mínimo poderia ser aumentado, privatizações seriam reavaliadas e aparentemente não haveria aumento de impostos – ficando outras medidas (como a estrutura do mercado de trabalho) permanecendo sem alteração, consideradas questões de decisão e soberania nacionais.
Mas, agora que junho se aproxima perigosamente (em junho expira o acordo ainda vigente com o Eurogrupo e é preciso definir um novo plano de resgate), a chanceler alemã Angela Merkel mudou repentinamente de atitude [Financial Times, só para assinantes]. Os quatro pilares do acordo com o ex-governo grego terão de ser preservados, e a Alemanha não fará concessões. Esgotou-se o prazo, e acabou o dinheiro.
Sabendo perfeitamente bem que o estado grego está ficando sem dinheiro – e que a dívida, exacerbada pelo arrocho [orig. “austerity”] é impagável – a Alemanha outra vez está forçando o governo grego a escolher entre aceitar a continuação do arrocho ou a bancarrota.
A arquitetura da Eurozona favorece a Alemanha porque a posiciona – primariamente mediante a introdução do euro, que desvalorizou o marco alemão na comparação com todas as demais moedas nacionais – para exportar bens manufaturados baratos para as principais economias periféricas. Considerada sob essa luz, a intransigente posição do governo alemão em relação à Grécia, e a aparente equanimidade em relação a uma possível saída da Grécia (“Grexit”) da Eurozona, com colapso da união monetária como a conhecemos, parece bastante ilógica. Mas será realmente ilógica?
Verdade é que nada há de ilógico, de irracional, na posição da Alemanha. A posição inflexível nesse caso é a única que pode salvar as elites políticas alemãs e levar ao colapso o único governo antiarrocho [anti-“austeridade”] que teve a coragem de tentar alterar os fundamentos sobre os quais foi erigido o projeto europeu.
Desde o início da crise, a posição da Alemanha tem sido de defender o arrocho como única saída possível para a crise. Implica “sacrifícios” para todos na Europa: não só para as populações do sul da Europa que têm bombas liberais explodindo em seus quintais, mas, também para os trabalhadores alemães, que passam hoje por forte desregulação do mercado de trabalho, precarização (“flexibilização”) das relações de trabalho e perda de poder aquisitivo.
O conto ideológico vendido aos trabalhadores alemães dizia que o projeto europeu entraria em colapso se “resgatassem” os europeus do sul, cujo castigo fora autoprovocado com excesso de gastos e baixa produtividade. Mas não demorou e se tornou bem evidente que “austeridade” (é arrocho) não resolve nenhum problema econômico e financeiro – que na verdade os aprofunda muito (a proporção entre dívida e PIB cresceu em todos os países que tentaram o “remédio” do arrocho (que só banqueiros ainda chamam de “austeridade”).
Quando o Syriza chegou ao poder na Grécia, passou a haver, afinal, uma voz dentro das instituições europeias que podia provar o fracasso das políticas de arrocho e eventualmente desafiar a super-neoliberalização da Europa.
Mas para a Alemanha, aceitar as demandas do Syriza seria reconhecer que o arrocho [“austerity”] nunca foi nem poderia ter sido solução, que sempre foi um problema a mais – que a agenda política e econômica da Alemanha sempre estivera errada ao longo dos últimos sete anos, e absolutamente não gerou os resultados que prometera. Mais que isso, seria como reconhecer que os sacrifícios impostos à classe trabalhadora alemã foram de fato em vão, e só serviram para empurrar o poder para ainda mais longe do trabalho e para ainda mais perto do capital.
Implica dizer que as elites alemãs estão dispostas a deixar que o euro desapareça (ou que seja convertido em alguma outra coisa, moeda exclusiva do centro e do norte da Europa, por exemplo), em nome de garantir sobrevida política para aquelas mesmas elites.
Nada há de irracional ou ilógico tampouco no modo como estão jogando o jogo “das culpas”. Se a Alemanha empurrar a Grécia para a bancarrota (que fatalmente acontecerá, mais cedo ou mais tarde), criará um efeito dominó que desestabilizará a economia europeia por algum tempo. A culpa de tudo será então atribuída ao “intransigente” governo grego, que se recusou a negociar e a aceitar a “ajuda” que a Alemanha tanto lhe quis dar.
Além do mais, as tensões políticas estão-se polarizando na Europa. Os anos recentes têm visto o crescimento simultâneo de
(I) partidos e movimentos de extrema direita – Aurora Dourada, na Grécia; Frente Nacional na França; Pegida na Alemanha – e de
(II) formações de esquerda contra as políticas de arrocho.
Aceitar que um governo eleito de esquerda tem razão e que a “austeridade” (é arrocho) jamais foi solução abriria ainda mais espaço político para movimentos de esquerda por toda a Europa. Qualquer passo, por pequeno que seja, que signifique recuo na narrativa pró-“austeridade” enfraqueceria para sempre a posição das elites políticas alemãs que estão hoje no poder. Pode até implicar o sacrifício de tudo que aquelas elites já obtiveram.
É importante considerar, sobretudo, que a Alemanha já vinha expandindo há algum tempo suas parcerias comerciais (provavelmente se preparando para a situação política que agora começa a acontecer na Eurozona), especialmente com a China. Mesmo que a economia alemã venha a sofrer se a Grécia deixar a Zona do Euro e com o fim efetivo da união econômica e monetária, as elites alemãs já construíram as bases para sua recuperação econômica em prazo médio.
Mas há mais uma camada na intransigência do governo alemão: eles sabem que o perigo de entrar em bancarrota e a incapacidade do governo grego de esquerda para cumprir seu programa eleitoral pode derrubar o governo do Syriza, como pode destruir também quaisquer possíveis outras propostas de governos de esquerda em toda a Europa.
Obrigar o governo grego a ultrapassar as linhas vermelhas que ele mesmo impusera nas negociações (que aposentadorias, salários, impostos, privatizações e desregulação do mercado de trabalho seriam inegociáveis), para evitar o colapso econômico, engendrará profundo descontentamento e forte oposição dentro da Grécia e dentro da própria coalizão do partido Syriza. A tática da Alemanha, nesse sentido, é tentar demolir de dentro para fora, uma proposta de governo de esquerda.
Se há saída para todas essas dificuldades, só virá com muita luta popular. Nada, senão muita luta popular, capacitará o Syriza a levar adiante seu programa eleitoral e a pôr fim à crise humanitária que assola a Grécia. Qualquer caminho que o governo grego tome, terá de responder às demandas por dignidade, justiça e melhor democracia em nome das quais o povo grego o elegeu. Em defesa do futuro e dos interesses do povo grego. E em defesa dos interesses de todos nós.
Redecastorphoto
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