Contrariando as expectativas da Rússia, os EUA anunciaram que o acordo nuclear com Irã não afetará os planos de Washington de implantar de um sistema de defesa antimíssil na Europa.
Logo após a assinatura do acordo nuclear entre o Irã e o P5+1 (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, mais a Alemanha), no último dia 14, o chanceler russo Serguêi Lavrov relembrou a promessa do presidente norte-americano Barack Obama de abandonar o sistema de defesa antimísseis da Otan no Leste Europeu, caso se chegasse a um compromisso com Teerã. Washington, porém, já sinalizou que o acordo com o Irã e o programa de defesa antimíssil não têm relação entre si.
“Estamos surpresos a facilidade com que Washington renega agora as abordagens assumidas anteriormente por eles mesmos”, declarou o representante permanente da Rússia na Otan, Aleksandr Gruchko.
O anúncio de que o projeto norte-americano seguirá adiante foi feito por uma fonte não identificada do Departamento de Estado dos EUA à agência de notícias Sputnik, no dia seguinte à assinatura do acordo. “A resolução bem-sucedida da questão nuclear não elimina a necessidade de [criar] um sistema de defesa antimíssil para conter a ameaça dos mísseis iranianos”, declarou.
A justificativa de Washington se baseia no fato de, além de o Irã ter o maior estoque de mísseis balísticos do Oriente Médio, o próprio acordo alcançado pressupõe a continuação das sanções da ONU contra o programa balístico iraniano por mais oito anos.
Mais tarde, a informação foi confirmada pelo embaixador dos EUA na Polônia, Stephen Mull, alegando que “o acordo [com o Irã] nada tem nada a ver com o programa de desenvolvimento dos mísseis balísticos iranianos”.
Alvo incerto
Em entrevista à Gazeta Russa, o editor-chefe da revista “Arsenal otetchéstva” (Arsenal da Pátria, em tradução livre), Viktor Murakhovski, destacou que o recente acordo se refere apenas ao programa nuclear do Irã, e não aos mísseis balísticos desenvolvidos pelo país.
“É claro que eles [os norte-americanos] estão associando o programa de mísseis balísticos com a existência de armas nucleares. Mesmo porque não faz sentido construir um equipamento tão caro contra mísseis convencionais”, disse Murakhovski.
No entanto, segundo o especialista, embora o Irã esteja tentando desenvolver o seu programa de mísseis balísticos, Teerã não obteve sucesso significativo nessa área nem tem quaisquer perspectivas em relação a tal.
O vice-diretor do Instituto de Análise Política e Militar, Aleksandr Khramtchikhin, também não vê nenhuma ameaça real para os Estados Unidos por parte do Irã, já que os atuais mísseis do país não conseguiriam chegar à Europa.
“Em teoria, isso será possível só no futuro, mas não se entende muito bem para quê”, diz Khramtchikhin, que acredita ser difícil encontrar razões para Teerã lançar um míssil no território europeu, ainda que fosse possível fazê-lo.
Até então, a maior conquista do Irã foi a criação, com a ajuda de tecnologia da Coreia do Norte, de mísseis com base no ainda soviético R-17, com alcance máximo de 2.000 quilômetros.
Para que o país se equipare às unidades de defesa antimísseis criadas pelos EUA na Europa, o Irã precisaria aumentar em 2,5 vezes o alcance dos seus mísseis. “E o Irã não tem onde ir buscar a tecnologia necessária: a Coreia do Norte não a possui; já a Rússia e os EUA, ambos se mantêm fiéis aos acordos de não proliferação de tecnologias do gênero”, destacou Murakhovski.
Segundo ambos os especialistas, as declarações feitas pelos norte-americanos sugerem que o Irã não é o principal alvo do sistema de defesa antimíssil, “mas sim outros países, sobretudo a Rússia”.
Mais de 15 anos
O sistema de Defesa Nacional Antimísseis dos Estados Unidos começou a ser testado em 1999 sob a administração do então presidente Bill Clinton. Dois anos mais tarde, George W. Bush anunciou que o sistema iria proteger não só o território norte-americano, mas também o dos países aliados.
Em 2002, os EUA decidiram abandonar, unilateralmente, o Tratado de Mísseis Antibalísticos (ABM), assinado em 1972 entre os Estados Unidos e a União Soviética e que impunha severas restrições à implantação de sistemas antimísseis.
Com o caminho liberado para a introdução dos sistemas na Europa, foi decidido implantar bases na Romênia e na Polônia. A construção da base onde serão colocados os mísseis e radares na Romênia começou em 2013. Na Polônia, a estrutura será construída em 2016 e deve ficar pronta em dois anos.
O sistema de defesa antimíssil, segundo as autoridades norte-americanas, deve proteger os EUA e seus aliados contra um possível ataque de países como Irã e Coreia do Norte. No entanto, Moscou declarou repetidas vezes que o futuro sistema representa uma ameaça à dissuasão nuclear da Rússia.
Gazeta Russa
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