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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A França merece?


Autor: César A. Ferreira

É difícil visto os laços fortes que nos une, como ocidentais, à França, berço dos ideais que embalam todas as gerações, em volta das três palavras mágicas: Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). Mas, faz-se necessário apontar, que o atual estado francês, devido a sua pusilanimidade, interesses mesquinhos, pequenez de pensamento, além de um estranho ativismo neocolonial, tornou-se antes de vítima em protagonista dos ataques bárbaros que agora vitimaram inocentes, às centenas, nas ruas de Paris.

Não se trata, aqui, do surrado argumento de que tais ataques são apenas uma resposta, desproporcional, aos atos imperiais do estado francês. Esta primariedade não cabe a este escriba. Trata-se, isto sim, da responsabilidade inconteste da França, como real promotora, viabilizadora, dos grupos afeitas à jihad, por meio das suas ações diretas, como pelo apoio declarado à mente inspiradora destas aberrações bárbaras: o wahabismo, corrente ideológica da fé islâmica, de cunho fundamentalista, cujo proselitismo é patrocinado à larga pela Casa de Saud, inclusive, em solo francês.

Os franceses, infelizmente, não podem se declarar como ignorantes dos fatos, pois um dos mais claros e contundentes denunciantes deste processo é francês: Alexandre Del Valle, autor da obra Guerra Contra a Europa, publicação tida como polêmica, mas que com o passar dos anos torna-se, antes, profética, do que fonte para discussões acaloradas. Obra com mais de uma década de publicada, Guerra Contra a Europa denuncia o proselitismo da Casa de Saud, que patrocina mesquitas na casa dos milhares por toda a Europa, cujos clérigos, nelas alocadas, são todos advindos da vertente wahabita do credo sunita. Aponta a conivência da França para com políticas que a enfraquecem, enquanto fortalecem de maneira inaudita a posição dos Estados Unidos da América no continente europeu, em face de uma ameaça pan eslava que não existe em absoluto. O exemplo citado pelo pensador, então em voga, foi o enclave muçulmano albanês no Kosovo, após a guerra criminosa travada pela OTAN contra a Sérvia, que segundo o autor outro objetivo não teve que não fosse o de enfraquecer a Europa, e torná-la, contra a sua vontade em uma rival em potencial do renascido estado russo.

Os tricolores, como se percebe, cumprem à perfeição o seu papel de agentes do destino alheio, quando deveriam ser do próprio. Exemplo maior desta submissão aos interesses do outro lado do Atlântico está cristalizado na novela “MIstral”. Os dois vasos de projeção estratégica, ou de comando (Bâtiments de Projection et de Commandement ou BPC), “Novorossiysk”, depois batizado como “Sebastopol”, e “Vladivostok”, ambos construídos pelo estaleiro STX France, com partes feitas na Rússia, prontos para entrega, com os compromissos acordados pagos em dia pela Federação Russa, foram primeiramente retidos, e depois tiveram a sua entrega suspensa, mediante a recisão contratual realizada entre as partes, extremamente onerosa para o tesouro francês, em função de pressões exercidas pelos EUA que foram de maneira surpreendente acatadas pelo governo francês. Em outras palavras, não cumpriram um contrato, romperam-no mediante a pressão externa, demonstrando ao mundo, portanto, que a República da França não é a senhora dos seus interesses.

É preciso ressaltar, todavia, que confusão entre os gauleses parece ser uma constante. Difícil é entender este alinhamento automático com os EUA, quando não muito antes havia da parte francesa um curso de independência, ainda que aparente, em sua política externa. Ademais, são constantes as penalizações anglo-saxãs aos interesses franceses, tal como a multa aplicada ao BNP Paribas, da ordem de 10 bilhões de dólares por fazer aquilo que as instituições bancárias norte-americanas fazem à perfeição: operações bancárias com nações sob sanções econômicas impostas pelos EUA. A França, nação de importância no Tratado do Atlântico Norte, OTAN, é tratada como um sócio menor, não tendo acesso as informações privilegiadas colhidas pelos sistemas da NSA, ao contrário da liga anglófila, conhecido como Five Eyes: Inglaterra, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e EUA. Humilhação maior, todavia, do que ser colocada em posição inferior como aliada frente à Nova Zelândia é saber que a França foi alvo de coleta sistemática e invasiva por meio dos sistemas da NSA.

Nada disso, entretanto, impediu que a França seguisse o seu curso, traçado como coadjuvante. A tentativa francesa de se tornar protagonista, foi antes um exercício brutal da futilidade, da imprevidência mesquinha e da ganância impudica, cristalizada em um crime cujo nome atende por No Fly Zone, também conhecido como ato de agressão contra a Líbia. Foi a França a principal instigadora do ataque à Líbia, pelo simples fato de Khadaffi ter se inclinado ao favorecimento das propostas de investimento oferecidas por chineses e italianos, bem como à compra de armas russas em detrimento do equipamento francês (Rafale) para substituir o arsenal líbio, que então se encontrava em claro estado de obsolescência. Instituída como uma missão que deveria evitar o uso de vetores aéreos pelo regime de Khadaffi contra a população civil, serviu para proteger os insurretos, tornando-se um instrumento de bombardeio às forças legalistas, cobrindo desta maneira os jihadistas, que tal como uma horda invadiam a Líbia pela fronteira do Egito com a Cirenaica. Terroristas de várias partes do mundo árabe, notadamente do golfo, tomaram parte no assalto à Líbia, transformando o mais próspero país da África em um lodaçal de grupos armados, movidos por ideologias fundamentalistas que hoje alimentam insurreições na Síria e no Iraque, inclusive, com armas por eles apreendidas nos arsenais do antigo regime líbio. Um presente, dentre outros, dado à Jihad globalizada, pela Republica da França.

Observa-se, agora, um esperado discurso belicista, marcado com justo valor de vingança do dignitário François Holland, deve-se perguntar, no entanto, onde estava a coragem antes, quando do ataque à redação do jornal satírico Charlie Hebdo, por exemplo. Em 10 meses nada foi feito na França, não se desenvolveu uma metodologia eficaz de monitoramento dos suspeitos de sempre, os adeptos de organizações e seitas afeitas à ideologia wahab, nem um esforço condizente na ofensiva aérea da “coalizão”, totalmente ineficaz nestes 14 meses de atuação. Apenas após a intervenção russa na Síria houve mudança de quadro naquele desgraçado país, onde a VSK, Voyska Vozdushno-Kosmicheskoy Oborony, conseguiu em 2 meses o que a AdlA, Armée de l‘Air, e a USAF, United States Air Force, se mostram incapazes de fazer em mais de um ano de campanha. O contraste é nítido: Vladmir Putin entende a República Árabe da Síria como uma nação em guerra, que tem Al-Assad como o seu dignitário e desconhece legitimidade alguma que seja dos grupos que pregam a barbárie armada naquele território esquecido pela sorte, já Holland, compra a miragem da existência de grupos armados “moderados”, arma-os, como se fosse possível haver moderação ao se empunhar um fuzil Ak-47. Talvez o Senador McCain possa explicar.

Daí dizer: a França merece. Merece ser humilhada pela posição subserviente ao caos impetrado pelo EUA, pela condição voluntária de lacaio do senhor de além mar. Não há volta, sangrar em silêncio, devido a vergonha sentida da aliança indecente com a Casa de Saud já não é mais possível, as entranhas da hipocrisia atávica do Palais de l’Élysée estão expostas para quem quiser ver, isto, apesar da velha ilusão da “Guerra Ao Terror” estar em marcha em todos os canais midiáticos possíveis. Gritos de sofrimento e mágoas sentidas estão ecoando, agora, por toda Paris, 158 testemunhas emudecidas pelo destino hão de cobrar um dia. Quando acontecer, Paris agradecerá.

Nota do Editor: As análises contidas no artigo são de inteira responsabilidade do autor, de modo que podem não representar a opinião do Plano Brasil.

Plano Brasil

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