Durante a Conferência das Alterações Climáticas em Paris (COP21), o presidente russo Vladmir Putin revelou que Moscow tem provas confirmando que o bombardeiro russo Su-24 foi derrubado pela Turquia a fim de proteger as entregas de petróleo do Daesh (Estado Islâmico), acrescentando que o petróleo dos campos ocupados pelo Daesh tem sido transferido para a Turquia numa escala industrial.
Mas será possível que a Turquia esteja vendendo petróleo roubado sem o conhecimento de Washington? Estarão os responsáveis turcos pelo petróleo contrabandeado atuando sozinhos ou serão apoiados por alguns atores influentes do mercado petrolífero?
“As agências de inteligência dos EUA sofrem de muitas fraquezas, mas a de serem incapazes de rastrear movimentos de dinheiro não é uma delas”, afirma The Saker numa entrevista exclusiva à Sputnik.
“Além disso, tanto os EUA como Israel têm uma vasta rede de agentes na Turquia. Portanto considero extremamente improvável que algum organismo na Turquia fosse capaz de movimentar grandes quantias de dinheiro sem que os EUA estivessem plenamente conscientes disso. Considere também que o Daesh é um objetivo de alta prioridade para agências de inteligência dos EUA e que suas imensas capacidades de coleta de dados estão também centradas no lado Daesh da equação”, enfatizou.
“Finalmente”, acrescentou The Saker, “a venda ilegal de petróleo é um elemento menor numa batalha muito mais importante entre os EUA e a aliança Rússia-Irã-Síria e, portanto, os EUA nunca permitiriam que isso interferisse com os seus objetivos maiores”.
O analista sublinhou que a corrupção desde há muito tem sido parte integral do sistema “imperial” dos Estados Unidos.
“Sendo a corrupção uma característica chave do Império, é normal para o estado profundo dos EUA permitir que os seus fantoches locais envolvam-se numa lucrativa especulação com a guerra, mas desde que isto não interfira com a estratégia global norte-americana”, enfatizou.
Especialistas chamam a atenção para o fato de que a derrubada do Su-24 poderia ter sido um “ato de vingança” do presidente turco Erdogan, dado o fato de que a sua família confirmadamente tem estado envolvida no negócio de contrabando do petróleo do Daesh. Na sua recente entrevista à Rádio Sputnik, o analista do Oriente Médio Stanislav Tarasov observou que “a família de Erdogan está diretamente envolvida no incidente” e sugeriu que “em breve poderíamos ficar sabendo que o próprio presidente Erdogan está diretamente ligado ao Estado Islâmico”.
Mas foi a derrubada do bombardeiro Su-24 pelo caça F-16 turco uma operação “lobo solitário” ou um ação planejada antecipadamente, coordenada pela OTAN e por Washington? Se assim for, que objetivo a OTAN/Washington tinha em mente?
“A derrubada do SU-24 foi definitivamente uma grande e cuidadosamente planejada operação de emboscada que envolveu um grande número de F-16 turcos [sendo] constantemente mantidos no ar em posições de alerta. A noção de que os americanos não sabiam acerca disso tudo é ridícula”, pormenorizou The Saker.
“Isto foi sem dúvida um ato de guerra dos EUA e da OTAN, mas executado de uma tal maneira que proporcionasse aos culpados reais algum grau de negabilidade plausível. A esperança era que a Rússia super-reagisse e disparasse uma confrontação direta cuja culpa pudesse ser atribuída a ela própria. É preciso ter em mente que a força russa na Síria é muito pequena e que é vulnerável. Mesmo com mais de 60 aviões de combate e os S-400s, a força russa é muito mais pequena do que a força aérea turca, a qual tem bem mais de 200 F-16s. Os EUA estão agora utilizando essa vulnerabilidade para provocar a Rússia”, afirmou o analista à Sputnik.
The Saker observou que os próprios turcos têm violado o espaço aéreo sírio, e especialmente, o grego centenas de vezes “e não apenas por 17 segundos”. No rastro do incidente, Ancara sugeriu que a alegada intrusão do SU-24 russo no espaço aéreo turco havia durado apenas 17 segundos.
“O próprio fato de que eles realmente utilizaram essa desculpa dos ’17 segundos’ é em si mesmo uma clara provocação, destinada a humilhar a Rússia e disparar uma super-reação. Graças a Deus, Putin e o Kremlin não morderam essa isca”, sublinhou The Saker.
Bastante curiosamente, o incidente no espaço aéreo sírio foi precedido por um ato de sabotagem na Ucrânia: em 20 de Novembro sabotadores não identificados explodiram na Ucrânia a principal linha de transporte de eletricidade para a Crimeia; ativistas tártaros da Crimeia impediram o acesso à linha derrubada. Dados os laços estreitos entre Ancara e os tártaros da Crimeia (o primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu é confirmadamente, ele próprio, descendente de tártaros da Crimeia), levanta-se a questão de saber se as duas ações estiveram de alguma forma conectadas.
“Não tenho informação que mostrem quaisquer ligações, mas o que é claro é que a Turquia está travando a sua própria mini-guerra de influência contra a Rússia, não só na Crimeia mas também no Cáucaso e na Ásia Central”, disse The Saker à Sputnik ao comentar a questão.
“O ‘estado profundo’ turco parece ser dominado por uma ideologia imperial revanchista tão lunática e perigosa quando a ideologia wahabista do Daesh e companhia. Erdogan aparentemente quer restabelecer alguma espécie de Grande Império Otomano versão 2 e, para ele, a Rússia é o maior obstáculo. Eis porque a Turquia é tão preciosa para os EUA – ela é dirigida por maníacos iludidos tão perigosos quanto os nazistas em Kiev ou as fantasias wahabistas do Daesh. É com isto que a Rússia está hoje confrontada – uma guerra do Império Anglo-Sionista travada por meio de vários poderes regionais cheios de ódio os quais são utilizados pelos EUA para desestabilizar a Rússia e seus aliados”, sublinhou o analista.
Notavelmente, em 2001, o então modesto acadêmico Dr. Ahmet Davutoglu publicou um livro intitulado “Profundidade estratégica” (“Strategic Depth”). Nele, Davutoglu sugeriu que a Turquia possuía uma “profundidade estratégica” devido à sua posição histórica e geográfica. Aquele que viria a ser primeiro-ministro turco argumentava que a Turquia deveria simultaneamente exercer sua influência no Oriente Médio, na região balcânica, no Cáucaso e na Ásia Central, bem como nas zonas dos Mares Cáspio, Mediterrâneo e Negro. Segundo Davutoglu, a Turquia deveria restabelecer seu papel como ator global, não apenas como uma potência regional. Em certo sentido, Davotoglu encarava o colapso da União Soviética como uma oportunidade histórica para a Turquia expandir sua influência na região do Cáucaso e na Ásia Central.
E aqui entra o Daesh…
Considerado o fato de que o Estado Islâmico foi criado e alimentado por um certo número de estados e doadores privados, quais os atores geopolíticos que resistem às tentativas da Rússia para erradicar o terrorismo na região e preservar a soberania da Síria? Estará a Rússia a confrontar-se com um bando de terroristas alimentados por xeques sauditas e qataris ou com algumas bem organizadas organizações multinacionais?
“Quanto ao Daesh, ele é simplesmente uma ‘arma’ utilizada pelo Império [Estados Unidos] para destruir seus oponentes. Não existe tal coisa como ‘terrorismo’ por conta própria, ele é sempre uma arma utilizada por um ou vários estados atores”, explicou The Saker.
“Os xeques que mencionou são apenas peões nas mãos do ‘estado profundo’ que dirige o Império Anglo-Sionista e eles próprios têm apenas uma influência local. Portanto, os sauditas ou os qataris são grandes atores na Síria, mas já ao nível de Oriente Médio eles são muito menos poderosos do que, digamos, os turcos ou os israelenses. E se bem que possam atuar como ‘doares privados’ desta ou daquelas facção do Daesh/al-Qaes, podem fazê-lo desde que os americanos o tolerem. Alguém poderia dizer que os xeques locais são fantoches influentes ou mesmo poderosos, mas fundamentalmente eles ainda permanecem fantoches”, afirmou aquele analista militar a Sputnik.
Entretanto, ele afirma que isto é apenas o topo do iceberg; a situação em geral é muito mais grave.
“O que se está hoje a verificar é uma guerra mundial. Por um lado, o chamado “Ocidente” (o Império dos EUA) e por outro o que chamo a “Resistência”, isto é, a Rússia, China, os BRICS, os países do Acordo de Cooperação de Shangai, a América Latina, etc. O que está em causa aqui é o futuro do nosso planeta: ou ele será dominado por um único Poder Hegemônico mundial ou será organizado como um mundo multi-polar. Os acontecimentos no Oriente Médio são apenas uma “frente” nesta guerra à escala mundial, e a guerra na Síria apenas uma “batalha” na “frente” do Oriente Médio”, concluiu The Saker.
Autora: Ekaterina Blinova
Traduzido para publicação em dinamicaglobal.wordpress.com
Fonte: Sputnik News
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