O inconfessável projeto de um pseudo – Curdistão - Noticia Final

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domingo, 13 de dezembro de 2015

O inconfessável projeto de um pseudo – Curdistão


Thierry Meyssan

Paris e Londres multiplicam as declarações enfáticas contra o Daesh, a sua limpeza étnica e os seus atentados. No entanto, preparam, nos bastidores, a limpeza étnica do Norte da Síria tendo em vista criar aí um pseudo-Curdistão, e a recentrarem o Daesh em Al-Anbar para lá criar um Sunnistão. Thierry Meyssan analisa este plano e sublinha as numerosas contradições do discurso oficial.


 | DAMASCO (SÍRIA) 


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A intervenção militar da França, de Israel e do Reino Unido na Síria é legal ?

Para lançar a sua nova guerra no Iraque e na Síria, a França, Israel e o Reino Unido fizeram adotar pelo Conselho de Segurança, a 20 de novembro, a resolução 2249 [1]. Para o representante francês na Onu, que esteve na origem do texto, ela autoriza a ação coletiva em virtude do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, quer dizer, de «legítima defesa». Para o Primeiro-ministro britânico, David Cameron, ela apoia «toda ação contra esta seita assassina, e diabólica, ao mesmo tempo na Síria e no Iraque» [2].

Ora, não se trata de nada disso, segundo os peritos do Serviço de pesquisa da livraria da Câmara dos Comuns. Num estudo jurídico detalhado Arabella Lang precisa que a resolução não autoriza, em absoluto, o uso da força, mas, sim, que apela aos que tem a possibilidade legal de o fazer para redobrar os seus esforços [3]. Ora, só poderá tratar-se de Estados que foram chamados a intervir pelo Iraque e pela Síria.

Para o caso, o Iraque enviou, pois, uma carta ao Secretário-Geral, e ao Conselho de Segurança, afirmando estar a ser atacado pelo Daesh a partir do território sírio, quando na realidade o Emirado Islâmico até foi fundado no Iraque. Tendo a França e o Reino Unido sido chamados pelo Iraque, os dois Estados –- mas, não Israel— pretendem, portanto, exercer um direito de «legítima defesa colectiva». Além disso, cada um deles pretende ter sido atacado pelo Daesh, a partir da Síria, e também afirmam, assim, deter um direito próprio de legítima defesa. Infelizmente, esses argumentos só serão válidos se Paris e Londres mostrarem as provas que o Daesh prepara ataques iminentes a partir da Síria, o que não é o caso [4].

Por consequência, a intervenção militar da França, de Israel e do Reino Unido na Síria, sem o acordo prévio do governo da República árabe da Síria, permanece ilegal.
Lembremos, aliás, que a Carta das Nações Unidas e as resoluções pertinentes da Assembleia Geral interditam, formalmente, o apoio militar a grupos não-estatais buscando derrubar um Estado membro da ONU. É por isso que a França e o Reino Unido têm afirmado apenas enviar aos grupos armados na Síria material defensivo. Infelizmente, estes grupos recebem grandes quantidades de armas ofensivas (nomeadamente metralhadoras, morteiros, mísseis anti-tanque e terra-ar, explosivos e até gás de combate). Ora, em agosto de 2014, o presidente francês, François Hollande confessou, quando de uma entrevista ao Le Monde, ter fornecido armas ofensivas aos rebeldes sírios [5]. Em seguida, ele detalhará, quando de entrevistas com o jornalista Xavier Panon, ter fornecido desde 2012 [6] canhões de 20 mm, metralhadoras, lança-foguetes, e misseis anti-carro, o que viola sem ambiguidade o direito internacional e rebaixa a França ao nível de «Estado fora da lei» [7].

O inconfessável projeto da França, de Israel e do Reino Unido

Desde 20 de novembro, a França tenta reunir uma coligação —mais uma— para lutar contra o Daesh, e mais concretamente para tomar Rakka. Esta retórica, que é suficiente para convencer os Franceses da vontade do seu governo de responder aos atentados de 13 de novembro, em Paris, mascara, na realidade, as intenções coloniais do presidente Hollande. Com efeito expulsar o Daesh de Rakka muito bem, mas, com que tropas no terreno e em proveito de quem ?

A campanha aérea russa apoia no solo o Exército Árabe Sírio, enquanto, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) francês, Laurent Fabius, a campanha franco-britânica poderia apoiar o Exército Sírio Livre [montado pelos membros da al-Qaeda na Líbia], Forças árabes sunitas[isto é, as Milícias turcomanas apoiados pelo Exército turco] e os Curdos [tanto o YPG sírio, como os Peshmergas do Governo regional curdo do Iraque].
No caso em que essas forças conseguissem tomar Rakka, a cidade seria entregue ao Governo regional curdo do Iraque, que a anexaria. Tratar-se-ia de proclamar um «Curdistão» a cavalo sobre o Iraque e a Síria, depois de expulsar as populações sírias aí residentes, e depois, ainda, de transferir 10 milhões de Curdos turcos para este novo Estado.
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Em 2011, Alain Juppé, pela França, e Ahmet Davutoğlu, pela Turquia, acordavam secretamente em criar um Sunnistão a cavalo sobre o Iraque e a Síria, através de uma organização Terrorista (Daesh), e um Curdistão, igualmente a cavalo sobre os dois países. O seu projeto estava apoiado por Israel e pelo Reino Unido.

O plano Juppé

Em 2011, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros Alain Juppé e o seu homólogo turco, Ahmet Davutoglu, assinaram um tratado secreto. Sabemos que ele incluía vários compromissos recíprocos, entre os quais o de «resolver a questão curda» sem «ferir a integridade do território turco», ou seja, criar um pseudo-Curdistão na Síria.

Ainda convencidos que Alain Juppé é gaullista, os franceses não perceberam a sua viragem de 2005. À época, ele tinha sido condenado a 14 meses prisão com pena suspensa, e um ano de inelegibilidade, por ter financiado o seu partido político com o desvio de fundos públicos. Deixou a França e foi dar aulas para Montreal. No entanto, ele pouco parava no Canadá e secretamente seguia uma formação num terceiro país. Hoje, embora seja membro da oposição, é um dos principais instigadores da política Próximo-Oriental que o presidente Hollande leva a cabo, ao arrepio da História e dos interesses da França.

O Curdistão e a Síria

Os Curdos são um povo que, desde há vários séculos, habita num território atualmente partilhado entre a Turquia, o Iraque e o Irã. Quando do censo de 1962 havia apenas 169 mil curdos na Síria, quer dizer, uma parte infinitesimal da população em geral. Mas, durante a Guerra Civil turca dos anos 1980-90, 2 milhões de Curdos turcos refugiaram-se na Síria. A ideia da França, de Israel e do Reino Unido é de lhes talhar um Estado, não em casa na Turquia, mas, sim, de colonizar o país que generosamente os acolheu.

A Síria foi dividida já, anteriormente, pela França e pelo Reino Unido Quando da Conferência de San Remo (1920), em função do Acordo Sykes-Picot (1916). Historicamente, ela compreende não só a atual Síria, mas, também, a Palestina, Israel, o Líbano, a Jordânia, o Sandjak de Alexandretta (ou seja Antioquia, na Turquia), e uma parte do Iraque. O projeto atual visa, pois, prosseguir este desmembramento.
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O dirigente Curdo sírio, Salih Muslim, foi recebido em Paris, a 31 de outubro de 2014, por François Hollande e Recep Tayyip Erdoğan. Os três homens acordaram criar um pseudo-Curdistão na Síria, expulsar daí a população sunita e cristã, e de transferir para lá os Curdos da Turquia.

Quem são os Curdos ?

Os Curdos formam uma cultura única mas falam línguas diferentes, o Kurmanji, o Sorani e o Pehlewani, ás quais é preciso juntar uma quarta língua, totalmente diferente das três precedentes, o Zaza-Gorani.

Durante a Guerra Fria, os Curdos dividiram-se em dois grupos distintos, os primeiros eram apoiados por Israel e pelos Estados Unidos, enquanto os segundos o foram pela Síria e pela URSS.
Durante a Guerra Civil turca, o PKK, o principal partido curdo Turco, de obediência marxista-leninista, e o seu chefe, Abdullah Öcallan, militaram para criar um Curdistão independente, na Turquia. Eles precisaram que ele não tinha nenhuma ambição territorial sobre a Síria. Öcallan foi acolhido em Damasco, como refugiado político, de onde ele dirigiu as operações militares na Turquia. Fugindo da repressão, 2 milhões de curdos encontraram refúgio na Síria. Mas, em 1998, Ancara ameaçou Damasco com guerra se continuasse a abrigar o PKK. O presidente Hafez el-Assad, por fim, pediu a Abdullah Öcallan para encontrar um outro Estado como abrigo e continuou a proteger os refugiados curdos.

No início da atual guerra contra a Síria o presidente Bashar el-Assad concedeu a nacionalidade síria a numerosos refugiados curdos turcos. Ele encorajou-os a constituirem-se em milícias locais e a participar na defesa do território. Durante os dois primeiros anos a cooperação com as Forças de segurança sírias foi total, mas as coisas começaram a deteriorar-se em 2014.

A 31 de outubro de 2014, Salih Muslim, o dirigente da União Democrática Curda da Síria, foi recebido por François Hollande, à margem de uma reunião com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e exatamente após a batalha de Kobane (Ayn al-Arab). Os dois chefes de Estado, que se tinham recusado, até aí, a ajudar os Curdos sírios, conseguiram convencer Salih Muslim que ele tiraria vantagem pessoal em trair os compromissos do PKK e em juntar-se ao seu projeto.
Um ano mais tarde Salih Muslim lançava uma operação de curdização forçada no Norte da Síria, provocando o levantamento das populações locais, principalmente de cristãos assírios e de árabes sunitas [8].

Entretanto, quando a França, Israel e o Reino Unido lançaram a operação de criação do Curdistão, na Síria, Salih Muslim encontrou as piores dificuldades para mobilizar combatentes. Os jovens curdos refugiados no Iraque recusaram, de forma esmagadora, juntar-se ao projeto colonial [9].
Salih Muslim estava, de novo, em Paris, naquela sexta-feira 27 de novembro.

A destruição do Sukoi 24 russo pela Turquia

A intervenção militar russa, a 1 de Outubro de 2015, encalhou o plano das potências coloniais. Para o presidente Recep Tayyip Erdoğan, ela afastava uma vez mais a concretização do Plano Juppé e o seu sonho de purificação da Turquia. Assim, deu instruções para que o seu exército prepare um incidente com um avião russo, tal como o revelou, na altura, o denunciante Fuat Avni.
A 16 de novembro, a Rússia alargou a sua operação militar contra os grupos terroristas na Síria atacando, politicamente, as suas fontes de financiamento. O Presidente Vladimir Putin provocou a estupefacção no G20 de Antalya, acusando, sem o nomear, ao presidente da sessão, Recep Tayyip Erdoğan. Ele mostrou aos diplomatas presentes fotografias-satélite de comboios de caminhões-cisterna ligando a Síria aos portos turcos, e denunciou o laxismo dos que permitiam, assim, ao Daesh acumular milhares de milhões de dólares [10].

Sobrestimando o apoio de que dispõe em Washington, ou sub-estimando o poderio russo, o presidente Erdoğan fez abater a 24 de novembro um Sukoi russo, que havia entrado durante 17 segundos no seu espaço aéreo [11]. Sem demora, Moscou reagiu, tomando duras sanções econômicas contra Ancara, divulgando os registros de radar do incidente aéreo [12], colocando mísseis S-400, e, finalmente, a 2 de dezembro, divulgando, no decorrer de uma conferência de imprensa do Estado-Maior, as provas de satélite sobre a responsabilidade do Estado turco no financiamento do Daesh [13].

De repente a imprensa internacional, que negava a verdade desde há um ano, desdobrou-se, subitamente, em críticas contra o autocrata de Ancara e a sua família.
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A 29 de novembro de 2015, a União Europeia estendia o tapete vermelho à Turquia. Retomava as negociações de adesão, liberalizava os visas de entrada, e oferecia-lhe 3 mil milhões de euros (na tribuna : o primeiro-ministro turco Ahmet Davutoğlu, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker).

A intervenção franco-britânica

Entretanto, a 29 de novembro, a União Europeia organizava uma cimeira especial com a Turquia. Ignorando as declarações de Vladimir Putin, no G20, e os relatórios (não públicos) da Alta Representante, Federica Mogherini, atestando que o petróleo do Daesh se escoava para a União, através de Chipre, Itália e França, os participantes concluíam : «Lembrando a declaração final da última cimeira do G20, que se realizou em Antalya, assim como a resolução (2015) 2249 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Turquia e a UE reafirmam que a luta contra o terrorismo permanece uma prioridade» ( sic) [14].
Em aplicação do plano Juppé, de 2011, as negociações de adesão da Turquia à U.E. foram relançadas, o regime de visas foi colocado em curso de revogação, e, cereja no topo do bolo, a União compromete-se a dar 3 mil milhões de euros à Turquia, pretensamente para a ajudar a gerir a questão dos refugiados sírios.

O Parlamento francês [15] e a Câmara dos Comuns britânica [16], convencidos que a Resolução 2249 permite intervir na Síria, sem o aval de Damasco, autorizaram os seus Executivos a intervir militarmente na Síria. Estas intervenções, exclusivamente aéreas, foram apresentadas como visando o Daesh. Durante os debates, nenhuma das Câmaras em questão evocou a questão do pseudo-Curdistão.

Contrariamente às declarações prestadas à imprensa ninguém mudou de política face ao Daesh. A organização terrorista é sempre apoiada por aqueles que a fundaram (personalidades norte-americanas à volta de David Petraeus, e John Negroponte, os governos saudita, catarí e turco). Apenas os xiitas iraquianos, o Hezbollah libanês, o Exército Árabe Sírio e a Rússia a combatem. As operações da coligação dos E.U. nunca tiveram senão como objetivo «conter» o Daesh, nunca o de o erradicar. O jogo consiste, hoje em dia, em «libertar» o Norte da Síria para, imediatamente, o fazer ocupar pelos Curdos do Iraque, e, em empurrar o Daesh para o Iraque onde o distrito de Al-Anbar lhe está reservado. A única diferença desde a intervenção russa é que os Ocidentais renunciaram a fazer ocupar o deserto sírio pelo Daesh.
A reter : - A França e o Reino Unido conseguiram fazer crer às suas opiniões publicas que a Resolução 2249 os autoriza ingerirem-se na Síria contra o Daesh. Nesta base, eles obtiveram a autorização dos seus parlamentos para realizar bombardeamentos sem autorização da Síria.- No terreno, eles pensam poder apoiar-se nas milícias turcomanas (apoiadas pelo Exército turco) e no YPG curdo (apoiado pelo Governo regional curdo do Iraque e por Israel).- O objetivo desta intervenção não é de erradicar o Daesh, tendo em vista a limpeza étnica que ele perpetra, mas, de o deslocar para Al-Anbar, e de prosseguir a limpeza étnica no Norte da Síria, desta vez para aí criar um pseudo-Curdistão.
Thierry Meyssan  Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Tradução Alva

Oriente Mídia

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